O incêndio que devastou 46,2 hectares do Parque do Cocó, em Fortaleza, entre os dias 17 e 18 de novembro, não foi um caso isolado no Ceará. O número de queimadas em vegetações registrado neste mês no Estado é o maior, para o período, da última década.
De acordo com levantamento realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram 1.680 focos de incêndios ao longo de 30 dias, uma média superior a 55 queimadas a cada 24 horas. Novembro de 2021 só ficou atrás para igual período de 2011, quando o Inpe registrou 2.062 incêndios.
Ainda conforme o balanço, o dia 25 foi a data com maior número de focos em novembro, com 186. Ao longo do mês, apenas os dias 1º, 8 e 17 não tiveram nenhum registro de queimadas. No caso do Parque do Cocó, a queimada foi contabilizada no dia 18.
Esse alto número de focos expõe um cenário perigoso. A cada incêndio vegetal, há impacto direto na fauna e flora do local. Em alguns casos, os prejuízos podem ser irreversíveis, apontam ambientalistas.
O biólogo e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Hugo Fernandes, pontua que um dos maiores impactos causados por essas queimadas é a menor disponibilidade de territórios para as espécies nativas.
"Isso causa um impacto em cadeia. Além dos animais e vegetais que são mortos naquela área, os incêndios causam uma dispersão muito profunda das espécies que ali estavam, ou em seu entorno, para outros lugares desequilibrando todo o processo", acrescenta.
O biólogo relata ainda que para além dos impactos diretos, como a fumaça gerada pelo incêndio e que afeta sobremaneira a população do entorno, ele alerta para os danos indiretos a longo prazo, a "exemplo do desequilíbrio da cadeia de patógenos de um determinado lugar".
Fatores climáticos
A gerente de meteorologia da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), Meiry Sakamoto, explicou em entrevista ao Diário do Nordeste que determinadas condições meteorológicas à superfície facilitam a ocorrência e a propagação do fogo na vegetação.
"Em geral, temperatura, umidade e velocidade do vento e as interações entre esses três elementos meteorológicos impactam na iniciação e comportamento dos incêndios florestais. A temperatura mais alta, junto com a baixa umidade relativa do ar também ajuda a tornar a vegetação mais seca, o que, junto com os ventos mais fortes, colabora para que o fogo, uma vez iniciado, se espalhe com mais facilidade", explica.
Neste ano de 2021, os meses do segundo semestre tiveram consecutivos registros de as altas temperaturas. Em agosto, por exemplo, Fortaleza teve a maior temperatura dos últimos 18 anos. Em outras cidades do Interior as temperaturas chegaram a 40º graus Celsius.
Apesar desses fatores potencializarem o risco de queimadas, eles não são os maiores responsáveis pelos incêndios florestais. Segundo o comandante do 4º Batalhão dos Bombeiros Militares de Iguatu, tenente-coronel Nijair Pinto, cerca de 90% desses incêndios são causados pela ação humana. "A maioria ocorre por ação antrópica", pontuou.
O docente da Uece, Hugo Fernandes, concorda e acrescenta que "as queimadas naturais representam uma porcentagem muito ínfima do número real". O principal fator, conforme avalia, "é a mão humana".
O que tem acontecido no Brasil é uma sensação de impunidade refletida pela real impunidade provocada por uma fiscalização que precisa ser melhorada.
Queimadas frequentes
Ao longo dos 30 dias de novembro, somente três não registraram incêndios. Há uma razão que explique essa alta incidência no Ceará? Para Hugo Fernandes, sim.
"A mão humana começa os incêndios, que em quase 100% dos casos é criminoso [como foi no Parque do Cocó], mas quem alastra as chamas não é o homem, mas sim um alinhamento de fatores", descreve. Esses fatores são calor intenso e fortes ventos.
Queda nos incêndios
A redução no número de queimadas passa pelo aumento da fiscalização "em qualquer esfera, mas principalmente na Federal, que dispõe de mais recursos para aplicar a lei", conforme aponta Hugo, e pela mudança cultural. O professor explica que muitos desses incêndios causados pelo homem tem o objetivo de "preparar a terra para plantio".
"Queimada ainda é um fator cultural, mas que desacompanha os melhores resultados agrícolas. Embora as primeiras queimadas renovem o solo para que a próxima seja viável, isso a médio e longo prazo essa prática passa a ser completamente inviável por inviabilizar o solo", ilustra.
Para reversão desse cenário, Fernandes destaca que falta amparo técnico para "essa cultura respeite a produção agrícola, uma mudança cultura que não use o fogo, mas que forneça condições para ele [o produtor] mantenha as produções e as amplie de forma melhora". Os meios para alcançar tal meta, acrescenta Hugo, passa por investimento em ciência e políticas públicas.