Uma prática comum no tratamento de doenças respiratórias tem sido apropriada de forma irregular em pacientes com Covid-19: a nebulização. Inalar comprimidos de cloroquina e hidroxicloroquina diluídos em soro fisiológico pode agravar a inflamação pelo coronavírus e levar à morte.
No Brasil, pelo menos oito pessoas com Covid já morreram após receberem aplicação do procedimento de forma clandestina, três no Rio Grande do Sul e cinco no Amazonas, na capital Manaus.
No último dia 25 de março, a Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia publicou nota alertando que “a prática é certamente danosa ao já combalido sistema respiratório do paciente”, e que o procedimento pode “causar consequências a longo prazo como insuficiência respiratória crônica”.
O que é nebulização?
O médico pneumologista Ricardo Coelho Reis, presidente da Sociedade Cearense de Pneumologia e Tisiologia, explica que a nebulização é um procedimento formal da medicina, utilizado em pacientes com asma, por exemplo.
É transformar uma medicação em uma partícula muito pequena, que possa ser inalada, vencer as barreiras de proteção e chegar na intimidade do pulmão, onde é absorvida e age.
A principal vantagem, segundo ele, é que a terapia vai direto para o órgão que quer tratar, “portanto está indicada para tratar doenças do pulmão, das vias aéreas, como asma e enfisema pulmonar. No caso de pneumonia, por exemplo, não vai funcionar.”
Outro benefício é a redução da ocorrência de efeitos adversos, já que estes são gerados, na maioria das vezes, por meio da circulação do medicamento pelo sangue, como aponta Dr. Ricardo. Mas essa diminuição só ocorre “se usadas medicações preparadas para inalação, como broncodilatadores”.
Por que nebulização de cloroquina pode matar o paciente?
A cloroquina e a hidroxicloroquina são comprimidos fabricados para administração via oral, ou seja, a inalação das substâncias tem potenciais riscos de prejuízo ao organismo, como pontua o pneumologista.
Além da medicação, tem um talco que é o veículo do comprimido. Inalar pode causar efeitos adversos, inflamar ainda mais o pulmão, causar sangramento, maior inflamação dos bronquíolos, broncoespasmo, e piorar o quadro do paciente.
As partículas inaladas podem também “se depositar no pulmão, causar uma reação inflamatória crônica e levar a um processo de fibrose, que é um envelhecimento precoce e perda da função pulmonar. Muitas medicações têm esse potencial, isso pode acontecer”, acrescenta Ricardo.
Cloroquina e hidroxicloroquina são ineficazes para Covid
Além de todas as contraindicações da nebulização, o médico relembra que “não há comprovação científica nenhuma de que cloroquina e hidroxicloroquina mudaram positivamente o desfecho da Covid, podem até piorá-lo. Elas podem causar, por exemplo, arritmias cardíacas”.
O alerta é reforçado pelo infectologista Roberto da Justa, professor do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrante do Coletivo Rebento.
O Kit Covid dá ao paciente uma falsa sensação de tratamento e prevenção, o que faz com que ele se exponha mais, levando a mais internamentos e mais mortes. Esses medicamentos não são mais usados para Covid em nenhum lugar do mundo, só no Brasil.
Sobre a prática de inalação dos comprimidos, o infectologista é categórico: deveria ser criminalizada. “Isso pode causar broncoespasmos, como se fosse uma crise asmática aguda; insuficiência respiratória aguda; infecção, porque pode levar microorganismos ao pulmão. Múltiplos efeitos, de inócuos até os letais”, alerta.
Que medicamentos usar contra Covid?
Cientificamente, não existe antiviral capaz de combater o Sars-CoV-2, que causa a Covid-19, como reforça Dr. Roberto da Justa. “As estratégias que vêm sendo adotadas são uso de corticoide e de anticoagulantes para pacientes mais graves, além de suporte de oxigênio e hidratação, que trazem impacto positivo”, lista o médico.
Em nota, a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) informou que “a nebulização de hidroxicloroquina e cloroquina não é prática orientada no Estado, em nenhuma diretriz para tratamento de nenhuma doença é recomendado o uso de comprimidos por via inalatória”.
Todas as condutas a serem adotadas pelos profissionais de saúde na linha de frente, acrescenta a Pasta, “estão recomendadas no protocolo estadual de manejo clínico da Covid-19”.