Pelo menos seis pessoas com Covid-19 foram tratadas com a Oxigenação por Membrana Extracorpórea (ECMO) na rede pública do Ceará. A implementação do equipamento chega a custar mais de R$ 100 mil. O procedimento, contudo, é indicado em situações específicas, a serem avaliadas pela equipe médica.
Em Fortaleza, apenas um hospital público dispõe desse tratamento, o Hospital de Messejana. A ECMO é utilizada em casos específicos e gravíssimos de Covid-19 no hospital. A tecnologia chegou na unidade em 2008 para uso em casos de insuficiência cardíaca e, principalmente, no pós-transplante.
"Nessa modalidade, extraímos o sangue antes de chegar no coração, pobre de O2, passa pela bomba ECMO, e devolve o sangue oxigenado na artéria. Essa assistência é não apenas pulmonar, mas circulatória também”, explica Daniel Trompieri, cirurgião cardiovascular da equipe de transplante e assistência circulatória cardíaca do Hospital de Messejana.
Já durante a pandemia, quatro pacientes com Covid-19 foram tratados com a ECMO, dos quais dois se recuperaram e dois morreram, e outros dois continuam utilizando a máquina, segundo o Hospital. “Nós ainda atendemos, na época da H1N1, alguns pacientes com a doença que precisaram da ECMO, mas nada comparado à Covid-19”.
O tratamento com a ECMO é o mesmo utilizado pelo ator Paulo Gustavo e é definido como complexo por especialistas. Apesar de existir há cerca de 20 anos, ainda não é tão acessível devido aos custos e a necessidade de equipe especializada.
As chances de recuperação por Covid-19 com ajuda do ECMO são em torno de 40%. Já para outras razões de uso, como cardíacas ou pulmonares, a porcentagem aumenta, conforme o perfusionista e presidente da Sociedade Brasileira de Circulação Extracorpórea (SBCEC), Élio Carvalho.
ECMO na rede privada
Pelo menos dois hospitais da rede privada utilizam o procedimento na Capital. O Regional da Unimed (HRU) e o São Camilo. No primeiro, a técnica já atendeu 47 pacientes com Covid-19 desde o início da pandemia, segundo a coordenadora da UTI Clínica da unidade. Patrícia Souza.
A médica explica que a terapia é aplicada desde 2008 "como ponte para os casos de falência respiratória (embolia pulmonar, SARA, SIRS) e falência cardíaca (miocardites, infarto agudo do miocárdio, pós PCR, choque cardiogênico)", explica.
Atualmente, há cinco pacientes utilizando a ECMO no HRU. Patrícia Souza estima que o custo do tratamento no hospital fica acima de R$ 100 mil.
"Essa terapêutica permite que mantenhamos o pulmão em repouso para a recuperação do status inflamatório, perfundindo adequadamente todos os órgãos, evitando a falência dos mesmos por baixa oxigenação, associado à otimização da mecânica pulmonar com baixas pressões".
Como funciona a ECMO
Como o próprio nome revela, a ECMO funciona como equipamento que pode dar lugar ao funcionamento de um órgão de maneira artificial, fora do corpo. O médico Diego Bastos, atuante no Hospital São Camilo, define a ECMO como procedimento semelhante à hemodiálise.
Mas, ao invés da substituição do rim, o órgão ‘trocado’ é o pulmão ou coração. No hospital particular, pelo menos 10 pacientes com Covid-19 utilizaram a máquina.
“Através de uma cânula, em uma veia calibrosa do paciente, a gente tira o sangue com uma bomba, e passa pelo oxigenador que fica fora do corpo e, em seguida, devolve o sangue para o paciente em um circuito fechado”, explicou o médico.
Diego Bastos explica que são duas modalidades de utilização: a veno-venosa, utilizada em casos de insuficiência respiratória, e a veno-arterial, indicada para pacientes com insuficiência cardíaca.
“Na modalidade veno-venosa, utilizada contra a Covid-19 e em casos de insuficiência respiratória, a gente aumenta a concentração de oxigênio no sangue e diminui a de gás carbônico, tornando-o pronto para ser utilizado no organismo. Ela funciona no sentido de dar um repouso pulmonar, já que ele não é usado para fazer a principal troca”, especifica Diego.
À medida que o pulmão descansa enquanto submetido à ECMO, a tendência é que a inflamação pulmonar diminua e ele possa ser insuflado novamente pelo próprio paciente.
“A partir dessa diminuição, a gente faz a mudança paulatina e progressiva do suporte extracorpóreo para a própria atividade pulmonar do paciente”, acrescenta.
Quem pode utilizar a ECMO
Segundo Diego, a modalidade veno-venosa é instituída quando o pulmão, mesmo com ajuda otimizada, não consegue dar conta da demanda do paciente.
O momento ideal da canulação é o mais precoce possível. Em um mundo ideal, nas primeiras 48 horas, mesmo com toda a chamada estratégia protetora de ventilação mecânica, se o paciente seguir sem dar conta da demanda de oxigenação, apesar da ventilação mecânica, é tempo certo de pensar na indicação de ECMO"
O médico especifica que a ECMO não é um tratamento em si. Na verdade, é um “fim para um meio”. “Em um paciente com Covid-19, por exemplo, a gente não está tratando a doença. Estamos tentando comprar tempo e amenizar a inflamação pulmonar ao utilizar menos o pulmão enquanto a inflamação ameniza”, diz.
Durante o procedimento, a principal diferença entre a ECMO e a ventilação mecânica é que, com a ventilação, quem continua oxigenando o sangue é o paciente. Na ECMO, o pulmão vai descansar, “não vai machucar o órgão já inflamado”.
O especialista salienta, ainda, que a ECMO não deve ser utilizada como último recurso do tratamento. “O grande problema, por pouco conhecimento dos profissionais com a terapia, é que a indicação não é para todos os pacientes. As chances [de cura] são grandes quando o tratamento é bem indicado, não tardia. Se o paciente estiver muito ruim, não vai dar certo mesmo”.
Equipe específica e custos altos
De acordo com Élio Carvalho, normalmente os hospitais que contam com o tratamento da ECMO têm histórico de cirurgias cardiovasculares, além de terem condições de bancar o tratamento e a equipe multidisciplinar.
Entre os profissionais necessários para a ECMO estão cirurgião, designado para a canulação; perfusionista, que é o especialista da máquina e deve ficar 24h em vigilância, além dos intensivistas, fisioterapeutas e enfermeiros da Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Segundo o perfusionista, o tratamento é feito há 20 anos, mas com uma frequência baixa devido aos custos, que variam entre R$ 35 mil a R$ 75 mil, incluindo o aparelho e a instalação. Ele explica que não existem recursos suficientes para popularizar a técnica na rede pública.
"Ainda que tenha um benefício favorável, ainda que consiga salvar vidas, há custos altos com a ECMO. Uma membrana pode custar até R$ 40 mil. Além disso, o procedimento promove algumas alterações fisiológicas, como no sistema de coagulação do paciente. Nesse sentido, o ideal é pesar o custo-benefício da terapia com toda a equipe", completa o médico Diego Bastos.