O isolamento social pode parecer difícil nos últimos dias, mas a população que vive em situação de rua, em Fortaleza, já vive isolada no cotidiano. O problema social se agrava porque, invisíveis ou ignorados, esses homens, mulheres, crianças e idosos também estão expostos à contaminação pelo novo coronavírus, mas não têm o privilégio nem mesmo de um teto. Para minimizar os riscos, a Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS) preparou um plano de ação que envolve a distribuição de marmitas e a implantação de dois abrigos especiais para atendê-los.
O titular da Pasta, Elpídio Nogueira, ressalta que já houve aumento pela procura dos dois Centros de Referência para População em Situação de Rua (Centros Pop), localizados no Centro e no Benfica, porque, com o fechamento do comércio e outros estabelecimentos por decreto estadual, "diminuiu a entrega de alimentos pela comunidade". Os dois serviços, que seguem normalmente, mas tiveram funcionamento reduzido em duas horas - de 9h às 15h -, vêm recebendo mais de 100 pessoas por dia.
Os Centros fornecem alimentação, espaço para higiene pessoal, atividades socioeducativas e atendimento técnico socioassistencial. No entanto, os profissionais também estão orientando os frequentadores quanto à assepsia, lavagem das mãos e contato com outras pessoas e distribuindo álcool em gel. "Ontem, recebi uma segunda remessa para disponibilizar na medida do possível. Não dá pra todo mundo porque andou faltando no mercado", explica Nogueira.
Vagas
Dois novos dormitórios devem ser abertos nesta semana, como forma de isolamento: um na Avenida Almirante Barroso, que vai atender à área mais ao Centro, e outro na Barra do Ceará, para contemplar que está a Oeste. "Queremos inaugurar nos próximos dois, três dias, e já estamos providenciando colchões, lençóis, alimentação. É a medida que estamos fazendo com mais urgência porque estando na rua, eles têm risco de serem contaminados e de sair contaminando outras pessoas", detalha o secretário. O número de vagas por unidade ainda não foi definido.
As medidas atendem a parte das recomendações expedidas pela Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará, nesta segunda (23), para resguardar a população em situação de rua durante a pandemia. Na Capital, as políticas públicas se baseiam num já defasado censo da população de rua, realizado em 2014, que mapeou 1.718 pessoas nesta condição.
Os defensores públicos pedem que os serviços não sejam interrompidos e que haja aumento na oferta de alimentação; distribuição de kits de higiene; ampliação de locais para higienização; e aumento do número de vagas para aluguel social. Além disso, a Defensoria pede a realização de testes nas pessoas em situação de rua com sintomas da covid-19 e uma campanha de vacinação contra o vírus H1N1, direcionada a elas.
Elpídio Nogueira informou que aguarda orientações da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) porque houve determinação do Ministério da Saúde para que o primeiro lote das imunizações fosse exclusivo para idosos. "Espero iniciar até sexta a vacinação", afirma ele, ressaltando que "vai ter o suficiente", mesmo sem detalhar o número específico de doses reservadas para essa população. Com base no último censo, o secretário estima que entre 12% e 15% da população de rua de Fortaleza seja formada por idosos.
Sobre a alimentação, Nogueira assegura que, no refeitório social do Centro e no restaurante popular da Parangaba, a orientação é evitar aglomerações. Por isso, nos dois espaços, a comida está sendo entregue em "quentinhas". A próxima etapa logística consiste numa operação em que a SDHDS vai mapear locais e estabelecer horários para a entrega de alimentos. "Vamos entregar em grupos de 10 pessoas. Se tiver 20 pessoas, a gente entrega 10 num quarteirão e 10 em outro", diz.
O secretário alerta que grupos tradicionais de apoio, muitos deles religiosos, devem evitar a distribuição de sopas, sanduíches e outros alimentos "porque pode ser que eles estejam contaminados, levando à migração do vírus de um local para outro". Um dos grupos que dá suporte à população de rua é o movimento Fortaleza Invisível, embora as visitas estejam suspensas por segurança dos assistidos e dos participantes.
Solidariedade
"Atualmente, a gente se sente muito impotente porque não pode ir lá, interagir, mas vamos encontrando meios para ajudar. Percebemos que muitas pessoas se sensibilizam nesse momento, abrem o coração, se disponibilizam, querem doar", considera o voluntário Alyson Almeida, atuante há sete meses. O grupo lançou uma campanha virtual para arrecadar donativos e comprar materiais de higiene. Em menos de 24 horas, foram doados R$3,7 mil.
A entrega deve ocorrer no próximo domingo (29), quando o plano original era comemorar o Dia Internacional da Mulher com aquelas que vivem na rua. "Geralmente, a gente faz um almoço, mas não vamos porque podemos nos colocar em risco. Vamos montar os kits e distribuir em carros, para não termos tanto contato", conta Alyson. O itinerário inclui pontos conhecidos como a Praça do Ferreira, a Praça da Gentilândia e o bairro Jacarecanga. O material que sobrar deve ser destinado aos Centros Pop.
A iniciativa, nomeada de "Estouro Solidário", tem apoio da Associação Nacional Criança Não é de Rua e da Associação Beneficente O Pequeno Nazareno. As entidades partem da premissa de que, "na rua, não existe quarentena". Tampouco deve-se achar que toda a população esteja a par da gravidade da situação. "Tem gente que vive isolada e não sabe nem o que está acontecendo. Estamos procurando dar informação como formiguinha mesmo", garante o secretário Elpídio Nogueira.
Outra medida de apoio já em prática é um auxílio-moradia para 144 pessoas em situação de rua, que será depositado pelos próximos quatro meses. O secretário solicitou mais 144 benefícios ao Ministério da Cidadania e aguarda posicionamento do Governo Federal. Essas pessoas também terão prioridade no recebimento de cestas básicas arrecadadas pelo projeto Supera Fortaleza. Segundo Elpídio, mais de duas mil serão distribuídas em breve.
Sem casa, alimentação ou higiene adequadas, pessoas que vivem na rua estão vulneráveis à contaminação pela covid-19. Prefeitura montou um plano de ação para barrar a transmissão. Voluntários também se articulam para distribuir materiais de limpeza