Coronavírus: 20 mil ciganos no CE são impactados pelo isolamento

Grupo étnico distribuído em 60 municípios cearenses, que sobrevive do comércio e de manifestações culturais como a música e a dança, sente os efeitos do confinamento e pede apoio de entidades governamentais.

Saberes seculares envoltos em misticismo. Para a maior parte da população, o povo cigano ainda é cercado de dúvidas, até mesmo sobre sua quantidade exata. Independentemente disso, o fato é que, sem poderem exercer as atividades culturais que os marcam e lhes garantem renda - dança, música, culinária e quiromancia, a "leitura" de mãos -, os ciganos também são afetados, no Ceará, pelo isolamento social recomendado pelo Governo do Estado, em vigor até dia 20 de abril, como forma de enfrentamento ao novo coronavírus.

Segundo o presidente do Instituto Povo Cigano do Brasil (ICB), Rogério Ribeiro, há registros de, pelo menos, 20 mil pessoas vivendo em comunidades ciganas, em 60 cidades cearenses, divididas em 14 coordenações estaduais. O município de Sobral, na Região Norte, agrega o maior número de ciganos. São cerca de 500 pessoas, concentradas principalmente no bairro Sumaré e na Fazenda Joelma. Nos dois locais, vivem 153 pessoas, das quais 14 são idosas e 38 são crianças.

O líder local, Paulo Cavalcante, o "Paulo Cigano", afirma que a comunidade está "rigorosamente cumprindo a lei". Houve uma reunião de conscientização com os membros dos dois lugares. "Somos família em coração, sangue e alma. Não temos nenhum caso e esperamos que não tenhamos qualquer problema", espera o representante que, aos 63 anos, está há mais de 30 dias dentro de casa e já encontra dificuldades financeiras para manter a própria família.

"Antes, os homens ciganos viviam da troca e venda de animais. Hoje, a maioria vive mais de compra e venda de carros e motos. As mulheres sobreviviam com a leitura de mãos, uma tradição que algumas das mais velhas ainda mantêm. Mas hoje, os jovens têm firmas, comércios, que estão passando por dificuldades", relata Paulo Cigano.

Além de Sobral, a cidade de Pindoretama, na Região Metropolitana, também tem registro significativo de ciganos - 35 famílias. Em Caucaia, há três famílias na sede e mais oito na Comunidade dos Trilhos, no distrito de Catuana. Em Fortaleza, eles estão localizados nos bairros Barroso, Granja Portugal, Henrique Jorge e Conjunto Ceará.

Fixação

Segundo Rogério Ribeiro, cigano da etnia calon, a maior preocupação é com a característica gregária e fixada desse povo no Ceará, ao contrário dos acampamentos, nomadismo e itinerância característicos de outras regiões do País. "Aqui, se acontecer com um, pode se alastrar", alerta. Como a maioria vive de serviços autônomos, também luta para impedir que falte alimentos nas prateleiras e nas panelas de casa.

O presidente do ICB critica a burocracia necessária para a garantia de benefícios sociais e a discrepância de dados oficiais na assistência social aos ciganos. Segundo ele, dos cerca de 3 milhões de ciganos no Brasil, apenas 26 mil estão inscritos no Cadastro Único (CadÚnico), instrumento do Governo Federal que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda.

"O Governo ficou de lançar o aplicativo pra quem não tá no Cadastro Único e muitos estão no aguardo. Enviamos sugestão ao Ministério da Cidadania pra constar o campo 'etnia'", afirma. Segundo Rogério, demandas do povo cigano também foram enviadas ao Governo do Estado do Ceará, junto com reivindicações de artistas circenses. "A gente espera que o Governo saia da burocracia. Nesse momento, precisa ser prático".

Ações solidárias

Ainda sem perspectivas de apoio governamental, as comunidades ciganas do Ceará contam com outras iniciativas de solidariedade. Na última segunda (6), o Núcleo Fortaleza do Grupo Mulheres do Brasil doou 35 cestas básicas para os moradores de Pindoretama.

"Estivemos na comunidade e vimos a necessidade, a carência, em que as mulheres ciganas, de baixa renda, lutam pela sobrevivência. Passamos a acompanhá-las e ficamos sabendo das necessidades pela reclusão", destaca a psicanalista Magnólia Costa, integrante do Grupo.

Antes disso, no dia 3 de abril, o programa Mesa Brasil, do Serviço Social do Comércio (Sesc), entregou 150 litros de leite às comunidades do Sumaré e da Fazenda Joelma, em Sobral. Comunidades de Fortaleza e Caucaia também receberam carregamentos de banana por meio do Mesa Brasil.

A Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS) disse que está "em constante contato" com os diversos grupos étnicos para identificar suas demandas. "Estão sendo adquiridas cestas básicas para serem entregues a grupos que estejam com essa necessidade atualmente", garante. Também assegura que a população cigana será beneficiada com a garantia do pagamento da luz elétrica e água por três meses a famílias de baixa renda.

"Contato direto"

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) informou que, por meio da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Snpir), está em contato direto com as principais instituições que cuidam de comunidades tradicionais, como indígenas, ciganos e quilombolas, "reforçando as medidas de prevenção de contágio ao Covid-19 e arrecadando cestas básicas".

A Secretaria disse ainda que está elaborando um diagnóstico nacional da situação das comunidades tradicionais, para levantar dificuldades e demandas originadas pela pandemia da Covid-19.