O entorno da Rua José Avelino, no Centro de Fortaleza, é histórico não apenas pelas construções, mas pela ocupação resistente por feirantes e ambulantes – o que já alimenta conflitos com a Prefeitura de Fortaleza há pelo menos 15 anos.
O recente confronto entre a Guarda Municipal de Fortaleza (GMF) e os comerciantes – que resultou, na madrugada desta quarta-feira (18), na morte de um homem – é episódio sucessivo desde o início dos anos 2000, quando o comércio informal se integrou às vias da Catedral Metropolitana da cidade.
Em março de 2006, a ocupação do entorno da Praça Pedro II – ou Praça da Sé – pelo comércio informal já era massiva, motivando fiscalização intensa por parte do poder municipal, diante dos congestionamentos na Avenida Alberto Nepomuceno.
À época, os “rapas” -recolhimento de mercadorias vendidas em pontos “irregulares”-, já eram temidos pelos vendedores. Naquele ano, eles reivindicavam um espaço específico para trabalharem sem o risco de terem os produtos retidos.
Quando o ‘rapa’ chega, a gente corre e volta de novo. Parece até brincadeira de gato e rato, mas não vamos deixar de vender, pois isso aqui é nosso ganha-pão.
Em agosto de 2007, o Ministério Público do Estado (MPCE) exigiu que a Prefeitura de Fortaleza removesse os ambulantes da Praça da Sé. A determinação judicial para desocupação saiu em abril de 2008, por liminar expedida pelo juiz Carlos Augusto Gomes, da 7ª Vara da Fazenda Pública.
O prazo para saída dos ambulantes da praça findava em junho de 2008 – mês em que houve, então, mais um conflito entre a Guarda e os comerciantes. Dali em diante, a prefeitura teria 1 mês para definir o novo destino dos feirantes.
Em agosto de 2008, a Prefeitura de Fortaleza definiu que a Feira da Sé seria transferida para a Rua José Avelino.
Três meses depois, em novembro, chegava a data-limite para remoção dos feirantes da praça. Novo confronto com a Guarda Municipal resultou no bloqueio da Rua Conde D’eu por cerca de quatro horas.
Transferência para galpões
Já em 2009, havia tratativas entre a prefeitura e os feirantes sobre a disponibilização de galpões comerciais para que eles saíssem do espaço público da José Avelino. Parte deles foi deslocado ao Feira Center, em Maracanaú, retornando às ruas meses depois, “porque fora dali não tinha demanda”.
Nova decisão judicial, dessa vez para desocupação da rua para onde os feirantes da Praça da Sé haviam sido movidos, veio em 2012, quando já haviam sido determinados os dias e horários de funcionamento da Feira da José Avelino.
Um dos episódios mais graves relacionados à ocupação das vias do Centro ocorreu em maio de 2017, após o anúncio da requalificação da área, que exigiria a saída dos feirantes da Rua José Avelino. Foram dias consecutivos de protestos e confrontos de feirantes com a Guarda Municipal.
A “nova José Avelino”, orçada em R$ 2 milhões, foi inaugurada em outubro de 2017, com novas calçadas, pavimentação e iluminação – mas sem a solução dos velhos conflitos de ordenamento, que perduram até hoje.
“O comércio ambulante não deixará de existir”
O geógrafo Eustógio Dantas, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), pontua que o comércio ambulante “é incorporado à lógica de funcionamento de Fortaleza”, mas começou a ser questionado diante da modernização da cidade
Os conflitos poder público x ambulantes na Capital, de acordo com o pesquisador, datam dos anos 1960, agravando-se quando começaram a surgir problemas de circulação nas vias e o governo municipal adotou estratégias para remoção dos vendedores.
“A construção dos camelódromos deveria ter sido a solução, mas o número de envolvidos era muito grande, nem todos permaneciam nos locais. O controle se tornou impraticável”, avalia o professor.
Eustógio pontua que “o tipo de comércio ambulante no entorno da Rua José Avelino, de confecções, é o mais desenvolvido e consolidado”, dificultando as tentativas de se transferir de local.
Os ambulantes se movem e se adequam às fiscalizações. A prefeitura não tem como controlar, porque o cenário é marcado pela necessidade das pessoas de garantirem seu sustento.
O pesquisador relembra que aborda a questão desde 1995, e brinca que “todo ano, desde então, um repórter pergunta qual é a solução para o entorno da José Avelino”. A resposta, Eustógio reforça, é sempre a mesma: “é um controle impraticável. O comércio ambulante não deixará de existir”.