Dizem que o adolescente é uma panela de pressão prestes a explodir por conta das rápidas e profundas mudanças que passa desde o fim da infância, com o corpo bombardeado por hormônios e a cabeça movida a mil pensamentos. Especialistas em saúde mental defendem que birras, atitudes desafiadoras e novos estilos estéticos podem ser reflexo do desenvolvimento normal desses jovens, e não indicativos de transtornos psiquiátricos, como alguns pais e profissionais da área podem equivocadamente pensar. Em meio à discussão, nos últimos anos, cresceram relatos de depressão, fobias, ansiedade, autoagressão e ideação suicida nessa faixa etária.
Só no Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM), em Messejana, o Núcleo de Atenção à Infância e Adolescência (Naia) atende a cerca de 500 pacientes com idade entre três e dezessete anos, mensalmente. Além dos problemas já mencionados, uma equipe multiprofissional lida com casos de esquizofrenia, psicose, transtorno do espectro autista (TEA) e transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), que são encaminhados pela Central de Regulação ou dão entrada pela emergência.
Conforme o psiquiatra Alexandre Aquino, coordenador dos Ambulatórios de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), é errôneo achar que o número de casos aumentou. "Na verdade, eles já estavam aí, mas só agora estão sendo identificados pelo maior acesso à informação. Não houve aumento de prevalência, mas de incidência", explica, destacando que os transtornos psiquiátricos possuem componentes tanto genéticos quanto ambientais.
Porém, no caso dos adolescentes, é preciso diferenciar as psicopatologias da chamada Síndrome da Adolescência Normal (SNA), abordagem descrita há quase 40 anos, mas que só ganhou força com o recente movimento de saúde mental. No processo de reorganização de si, o jovem encara três perdas profundas que são o ponto de partida para ele reformular os conceitos que tem a respeito de si mesmo e do mundo.
"O adolescente vive um período de elaboração de lutos: sabe que perdeu o corpo infantil, a identidade da infância e os pais emocionalmente construídos nesse período. Ele perdeu pra ganhar, mas ainda não sabe a qualidade ou a intensidade dos ganhos", descreve a especialista em Medicina do Adolescente, Nicó Camelo. Ela comemora que a teoria vem sendo apropriada por pediatras e educadores, mas lembra que deixar os jovens falarem é fundamental para o processo de maturação.
Escuta
Mas com quem se abrir? Segundo a médica Socorro Alcântara, coordenadora do Ambulatório de Puericultura e Pediatria Geral do Hospital Infantil Albert Sabin (Hias), é preciso vencer a resistência do adolescente em se consultar com um pediatra. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) define que a atuação do pediatra se estenda a pessoas de até 20 anos incompletos, embora, a partir dos 16 anos, elas possam optar por outro especialista. "Às vezes, precisamos mudar toda a configuração do ambiente e tirar os brinquedos, por exemplo, porque eles não se sentem bem nesse ambiente", relata.
Outro desafio, para a especialista, é orientar melhor os responsáveis, pois percebe que "a consulta do adolescente é, muitas vezes, uma necessidade dos pais; quando você pergunta se está tudo bem, é a mãe ou outra pessoa que fala". Mesmo assim, ela ressalta que há necessidade de uma abordagem não só individual, mas também com a família.
A psiquiatra do Hias, Verônica Carvalho, sugere que os pais tentem entender o que está sob "a ponta visível do iceberg", como as mudanças de comportamento. "Os pais veem só o fenômeno e já se apavoram, mas, quando você conversa com o adolescente, entende que aquilo tem explicação. O problema é que, na correria de hoje, muitas vezes o adolescente fica negligenciado, mesmo ele já sendo difícil de lidar", nota.
Sinais
Na observação de rotina da médica, além da ansiedade, depressão e TDAH, cresceram os registros de automutilação em meninas, fenômeno relacionado a angústias "porque, muitas vezes, os adolescentes também não entendem as mudanças que eles próprios estão passando". De maneira geral, os pais precisam ficar atentos em dois casos: inversão brusca de comportamentos (de introversão para extroversão e vice-versa), e práticas violentas, sejam elas autoagressivas ou contra outras pessoas.
Verônica explica que o limite entre um transtorno psiquiátrico e a interferência normal dos hormônios, indutores de quadros de ansiedade e alterações de humor, se relaciona ao surgimento de sofrimento e disfunções escolares e sociais. "Até que se prove o contrário, essa mudança se tornou uma doença", esclarece. Porém, ela alerta que psiquiatras tenham o cuidado de "não diagnosticarem demais, considerando patologia aquilo que não é".
"Por isso, o conhecimento do que está dentro do fenômeno da adolescência é tão importante. Muitas vezes, o próprio adolescente não sabe lidar com essa fase, achando que é anormal e tendo sofrimento em cima de algo que é normal. Quando você dá um diagnóstico e ainda o respalda com medicação, ele pode se angustiar achando que é diferente dos outros porque precisa tomar remédio e ir ao psiquiatra", percebe.
Na rede municipal de saúde de Fortaleza, os 113 postos da cidade funcionam como portas de entrada de demanda espontânea para suspeitas de transtornos mentais. Crianças e adolescentes de até 17 anos também podem buscar serviços especializados em dois Centros de Atenção Psicossocial Infantis (Capsi); um funciona na Parquelândia e, o outro, na Cidade dos Funcionários.