Como será primeiro Réveillon em Fortaleza com lei que proíbe fogos barulhentos; saiba como denunciar

Lei aprovada proíbe o uso dos explosivos com barulho forte, mas a Capital ainda está em período educativo; transtornos afetam crianças autistas e animais

Fortaleza vivencia neste ano o primeiro Réveillon após a aprovação da lei que proíbe fogos de artifício barulhentos. E, embora a pandemia ainda exija restrições quanto a festas e aglomerações, a tradição de soltar os explosivos está presente em diferentes celebrações. No entanto, apesar de lei estar em vigor há 5 meses, ainda vigora apenas em período educativo. 

Portanto, como ainda não há possibilidade de multar quem desobedece a legislação, a saída é denunciar ao poder público a prática inadequada, pois, enquanto o céu explode em estampidos de fogos de artifício, as residências com crianças autistas, idosos e animais abrigam a aflição de quem tem sensibilidade aguçada aos estímulos sonoros.

Para denunciar, a população pode usar o aplicativo Fiscalize Fortaleza, o site Denúncia Agefis e o telefone 156. Também é possível acionar a Polícia com base na perturbação da ordem, informou a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS).

Neste ano, a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) registrou 28 denúncias relacionadas ao uso de fogos de artifícios barulhentos, de acordo com dados solicitados pela reportagem e enviados pela assessoria de comunicação do órgão. Para cada uma dessas denúncias, a Agefis informa ter realizado uma ação de fiscalização. 

“O objetivo dessa norma é a proteção da saúde e do bem-estar, especialmente, de crianças, idosos e animais. Essa norma prevê multa no valor de R$ 177,96 e R$889,83 se pessoa jurídica”, detalha Márcio Bezerra, diretor de planejamento da Agefis.

Na última quarta-feira (29), foi realizada reunião com representantes da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), empresários do setor e Agefis sobre a proibição.

Período educativo

O lançamento de fogos de artifício barulhentos está proibido em Fortaleza desde a sanção da Lei 11.140, no dia 13 de julho de 2021, com liberação apenas para os explosivos silenciosos de efeito visual.

No entanto, a Capital está no período de adequação para a norma e as ações são apenas educativas sem aplicação de penalidades, até o dia 31 de janeiro de 2022, conforme o decreto municipal 15.077. 

Nesse contexto, foi aberta uma ação judicial pública para que as penalidades previstas na lei entrem em vigor de imediato.

A Procuradoria Geral do Município de Fortaleza informou à reportagem que ainda não foi notificada da ação pública. "Não há decisão de adiar cobrança, mas sim uma regulamentação da lei por decreto estabelecendo período educativo, como é de praxe para toda legislação que altera atividades econômicas", respondeu em nota.

Assim, as festas de Réveillon acontecem dentro desse intervalo educativo com a possibilidade de encontros com até 5.000 pessoas em espaços abertos por causa das restrições da pandemia.

“A Agência de Fiscalização vai receber as denúncias da população, mas ao longo desse período, não será aplicada nenhum tipo de multa”, contextualiza Márcio Bezerra sobre os explosivos.

Crianças com autismo

Com a proximidade da celebração, o transtorno começa a ser mensurado pelas famílias, como observa Isabel Pinto Martins, de 51 anos, pedagoga e membra da Associação Fortaleza Azul, composta por pais de crianças com autismo.

“É uma coisa que requer muito tempo para uma criança entender, é um barulho que, de repente, surge. Existe uma preocupação muito grande entre as mães sobre esse ano”, frisa.

Lucivan Miranda, neuropediatra e diretor do Núcleo de Tratamento e Estimulação Precoce (Nutep) da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que o barulho atinge com mais intensidade as crianças com autismo.

O autismo é um transtorno que tem sintomas sensoriais muito evidentes, de uma forma bem ampla, no toque, no (contato com a) roupa, no abraço e também sensorial na audição e visão
Lucivan Miranda
Neuropediatra

Assim, as crianças autistas lidam de forma diferente com os estímulos auditivos. “As reações são as mais variadas, colocam a mão no ouvido, se escondem, correm e gritam em desespero. São reações muito impactantes, porque nós não sabemos o que ele está sentindo naquele momento, é individual”, completa.

Impacto individualizado

As passagens de ano na casa de Isabel são mais tranquilas desde que o filho Lucas, de 19 anos, passou a assimilar os barulhos aleatórios. Uma conquista do acompanhamento da família e de profissionais da saúde depois dos transtornos com fogos de artifício na infância.

“Como que a gente ia trabalhar fogos de artifício com o Lucas, de repente você não sabe nem o que é, como a gente ia preparar antes? Às vezes ele ficava nervoso, agitado, assustado, porque aquilo é uma coisa estranha”, lembra.

A imprevisibilidade dos estampidos, também presentes ao longo do ano em demais celebrações e em campeonatos esportivos, agrava a situação. “A maioria das vezes os fogos são à noite, na hora do descanso, no Ano Novo então… Vem aqueles fogos e é assustador. Já foi pior, mas hoje ele já sabe que vai ser desse jeito”

Tem que estar junto, tem que aprender a conviver, a lidar com aquilo, o que facilita. Eu nunca deixei de ir ao shopping por causa do barulho, mas a gente nunca foi para onde tem muita gente
Isabel Pinto Martins
Pedagoga

Isabel enxerga a importância da orientação especializada para amenizar os aborrecimentos com o barulho. “Cada autista tem sua dificuldade, meu filho era com o liquidificador, outros com a buzina do carro. São coisas que de repente assusta e só sabe quem passa, não é fácil”, conclui.

O neuropediatra Lucivan Miranda destaca essa individualidade de cada pequeno com autismo e a relevância de conhecer os limites de cada um.

“Os pais já sabem qual o impacto desses estímulos, se aquela criança já demonstra há muito tempo essa reação, o ideal é a proteção de não levá-la para esses ambientes. Se não tiver outra maneira, a criança deve usar fones ou abafadores para diminuir o impacto”, propõe.

Quanto mais cedo se faz o diagnóstico, mais rápido se alcança ajuda adequada, como enfatiza o médico. “A prevalência do número de crianças autistas é muito grande, uma a cada 50 crianças, e muitas famílias até não sabem que a criança tem autismo”.

Susto para animais domésticos e silvestres

Punir quem desobedece à legislação contra a poluição sonora causada por fogos de artifícios também mobiliza voluntários da causa animal, que entraram com ação popular para conquistar esse tipo de proteção ambiental.

“Não só os animais domésticos são profundamente afetados pelo barulho dos fogos, mas também animais silvestres. Algumas aves abandonam os ninhos, morrem por problemas no coração e deixam ovos e crias nos seus ninhos”, contextualiza a empresária e responsável pela ONG Deixa Viver, Gabriela Moreira, de 54 anos.

Em um dia 31 de dezembro, Gabriela viu um animal acompanhado por ela morrer de infarto por causa dos fogos. “Os animais domésticos ficam de fato apavorados, porque o estampido para uma audição que é muito mais potente que a nossa causa muito desespero”, ressalta.

A fuga dos bichos também é motivo de preocupação com o número intensificado dos explosivos na virada do ano. “Infelizmente eu acho que 90% dos animais sofrem, muitos vem à óbito, outros se perdem e não são recuperados pelos tutores”, destaca.

SERVIÇO

Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis):
Aplicativo Fiscalize Fortaleza
Denúncia Agefis: https://fortaleza.ce.gov.br/denuncia.agefis.fortaleza.ce.gov.br
Telefone: 156

Polícia
Importunações: 190