Casos da variante Delta no Ceará: infectologista esclarece dúvidas sobre sintomas e cuidados

Até sexta-feira (20), a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) confirmou 62 casos da cepa indiana. Momento exige cuidados redobrados, alerta o consultor em infectologia da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE), Keny Colares

A variante indiana Delta representa hoje uma das principais ameaças à melhora nos índices da pandemia de Covid-19 no Ceará. Por sua alta capacidade de transmissibilidade, é apontada como potencial deflagradora de uma possível terceira onda pandêmica no Estado.  

Por ter se tornado “muito mais transmissível” que o coronavírus original, “a gente tem que ser muito mais eficiente em detectar cedo, testar cedo e tirar aquela pessoa [infectada] de circulação, botar em isolamento ou quarentena cedo”, endossa o consultor em infectologia da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE), Keny Colares.  

Devido ao risco iminente de aumento dos casos de Covid no Estado, o médico infectologista defende ainda a ampliação da cobertura vacinal, de preferência com as duas doses, e maior rigor no cumprimento das regras sanitárias de prevenção como uso de máscara, álcool em gel, etc. 

Mesmo com os esforços da comunidade científica para compreender a doença e tentar contê-la, Keny Colares pondera ser ainda prematuro cravar se a Delta, por si só, geraria sintomas mais leves – como o de um simples resfriado – ante as variantes identificadas anteriormente. Há várias pesquisas buscando respostas, mas não há nada “conclusivo”, afirma. 

Confira a entrevista: 

Em todos os casos confirmados da Delta no Ceará as pessoas apresentaram apenas sintomas leves ou moderados da doença ou foram assintomáticas. É possível afirmar que essa cepa gera efeitos menos graves que as primeiras?  

Na verdade, existe uma discussão que não está fechada, conclusiva, em relação a se existe uma diferença no comportamento clínico da doença [Covid-19] com essa variante [Delta] ou não. Então, muitas vezes, a pessoa que está atendendo esses pacientes tem uma percepção de uma diferença, mas pra que a gente consiga ver se isso é uma coincidência ou é relacionada a outras questões ou não, precisa se organizar um trabalho científico, isso dá um pouquinho de trabalho, demora um pouco mais.

Então, tem alguns pesquisadores fazendo alguns trabalhos, sugerindo que a doença pode ser um pouco mais grave, levar a uma maior possibilidade de hospitalização. Mas existem outras pesquisas sendo feitas que não mostram a mesma coisa. Existem algumas pesquisas que sugerem que esses pacientes teriam uma prevalência menor de sintomas como a dificuldade de paladar e de olfato do que antes, e que teriam mais manifestações altas, que é a obstrução nasal, dor de garganta, etc., e menos as manifestações baixas, que é a tosse, tudo mais.

Mas isso não está sendo visto em todos os locais, e não está sendo aceito por todos os pesquisadores como uma coisa conclusiva. Ou seja, resumindo, existem algumas tentativas de encontrar diferenças, mas elas ainda não são conclusivas. Isso realmente é uma coisa que a gente deve esperar. 

Quem está vacinado tende a ter sintomas mais brandos, em caso de infecção pela Delta? 

A princípio, a gente deve imaginar que vamos estar diante de uma doença semelhante. É claro, como a gente vai estar com uma prevalência de vacinação da população, com cobertura vacinal maior, a própria cobertura vacinal pode fazer com que a doença mude de comportamento, que ela se torne um pouco mais branda, que os sintomas não sejam tão acentuados, não por causa da variante, mas porque ela está acometendo uma pessoa que foi vacinada.

Então a pessoa que já teve Covid, ela às vezes vai tender a ter sintomas mais brandos, não por causa da questão da variante. Então, talvez a gente observe por esse motivo ou por esses motivos sintomas um pouquinho mais leves do que anteriormente. Mas essas diferenças não estão muito claras ainda pra gente ‘bater o martelo’. 

Acredito que a gente deva encarar que é a mesma doença, que pode vir um pouquinho mais leve, especialmente nos primeiros dias por conta da variante, por conta da faixa etária das pessoas, por conta das vacinas, e que a gente com sintomas respiratórios deve procurar o mais rápido possível atendimento e fazer o teste cedo pra poder, se tiver positivo, afastar e avisar pras pessoas com quem a gente teve contato nos dois últimos dias pra que elas façam o teste também, mesmo sem sintomas.

Vale lembrar que tem estudos recentes saindo, mostrando que mais uma vez um terço das pessoas, independentemente da variante, são assintomáticas. Por isso que é importante a gente avisar. Por elas estarem assintomáticas, elas podem estar distribuindo vírus por aí, sem sentir nada. Então é muito importante que os assintomáticos também testem quando têm contato com outra pessoa e evitar que isso cause um grande estrago nos próximos meses. 

Caso os sintomas da Delta sejam, de fato, mais leves isso pode dificultar o diagnóstico de Covid-19? 

É tudo muito inicial. O que sabemos, com certeza, é que ela [Delta] é muito transmissível e que, mesmo em locais que têm muito mais gente vacinada do que aqui, ela ainda tem conseguido causar um impacto, uma onda de casos. Nos locais que têm muita vacinação, os casos graves não têm sido tão grandes, por isso a importância de vacinar todo mundo. Mas a gente que vinha de um momento de finalização de uma onda [pandêmica], com aquela sensação de que tudo acabou e que está no final da pandemia, agora tem que aguardar.

Por mais que seja desagradável, a gente tem que ficar atento à possibilidade de agora, em setembro ou outubro, a gente enfrentar uma nova onda da doença. Então é melhor a gente já começar a se preparar pra não ser pegue de surpresa. Por mais que o cenário atual seja confortável, o que tá vindo pela frente pode não ser. É bom a gente se cuidar logo de agora. 

Diante da ameaça da variante Delta, que tipos de cuidados devem ser tomados? 

Os cuidados são os mesmos. Resumindo em três pontos: os cuidados do ponto de vista comportamental, máscara, álcool gel, etc. Como a gente sabe que é um vírus mais transmissível, ele vai se aproveitar mais de alguma distração, um momentozinho que a gente se descuide, ele vai ter uma chance maior de passar. Mas se a gente utilizar adequadamente esses recursos, funcionam. A outra ferramenta é identificar precocemente as pessoas com sintomas, testar os contatos dela e afastar. Também funcionam.

Como é um vírus muito mais transmissível, a gente tem que ser muito mais eficiente em detectar cedo, testar cedo e tirar aquela pessoa de circulação, botar ela em isolamento ou quarentena cedo. Um terceiro ponto de proteção é vacinar mais, o máximo de pessoas possível, de preferência com as duas doses. A gente sabe que a vacina perde um pouquinho a força pra essa variante, mas ela continua protegendo.

Então, usando adequadamente essas três ferramentas, a gente vai conseguir estar protegido. Mas como é um vírus muito transmissível a gente vai ter que, digamos, cumprir isso de uma forma mais rigorosa do que com as variantes anteriores.