Uma campanha de tamanho expressivo, direcionada a um público de um país continental e em meio à escassez de vacinas. No Brasil, além da falta de imunizantes contra a Covid, dados imprecisos sobre a quantidade de pessoas nos grupos prioritários afetam a vacinação.
No Ceará, o poder público tem se deparado com esse obstáculo. Cidades têm demandado um número de doses acima do estimado pelo Ministério da Saúde. A diferença em um município já chega a ser de quase 1 mil doses a mais.
Dos 184 municípios cearenses, em 14, até o momento, devido à meta subestimada por dados defasados, o número de pessoas que tomaram a 1ª dose, nas fases 1, 2 e 3 (parcialmente), já supera a quantidade estabelecida como objetivo inicial.
Ou seja, nessas cidades, conforme o Vacinômetro, da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa,) a vacinação já alcançou mais de 100% da meta estabelecida pelo Ministério da Saúde nas fases mencionadas.
A diferença para mais entre a meta e o total de doses aplicadas, até agora, ocorreu em: Tururu, Ubajara, Várzea Alegre, Potengi, Quiterianópolis, Hidrolândia, Sobral, Graça, Coreaú, Jaguaruana, Missão Velha, Aurora, Choró e Aracoiaba.
Em Tururu, na região do Litoral Oeste/ Vale do Curu, a meta era vacinar 3.558 pessoas, mas 4.511 receberam a 1ª dose, conforme informações do Vacinômetro até o dia 20 de maio.
Na cidade, entre todos os grupos prioritários dessas fases, só as aplicações nas gestantes e nos trabalhadores da saúde estão abaixo do que foi projetado como meta.
Nos demais, como idosos e profissionais da segurança, a quantidade de pessoas vacinadas foi sempre acima do calculado. Nos idosos com 70 anos em diante a diferença chegou a ser de 486 pessoas a mais.
Dados defasados
Essa variação nas metas não era improvável de ocorrer devido à complexidade dessa campanha, mas, na prática, afeta o processo de vacinação que já é lento.
Isto porque quando os imunizantes chegam ao Ceará, e são distribuídos pela Sesa, conforme os cálculos do Ministério da Saúde, mesmo que a meta já tenha sido atingida, ainda há pessoas daqueles grupos na fila da vacina.
Nos municípios, o acesso ao imunizante que já é restrito, torna-se ainda difícil, e as gestões ficam impedidas de avançar para etapa seguinte, como os novos grupos prioritários.
A presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems-CE), Sayonara Cidade, reconhece o gargalo e explica que, inicialmente, as metas traçadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) tiveram como base a vacinação da gripe, que não é uma campanha de imunização tão complexa como a da Covid.
“A base foi a vacinação da gripe porque era um público parecido para as primeiras fases. Mas consideramos que a busca pelas vacinas é diferente. Muita gente dos grupos prioritários que não busca a da gripe, busca a da Covid”.
Ela diz que para as fases 1 e 2 o Ministério da Saúde utilizou informações do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização (SIPNI) integrado ao E-SUS AB - esse último utilizado pelos agentes de saúde - para calcular as metas.
“No caso dos profissionais da Saúde, além de pegar a meta que tinha no SIPNI, ele pegou também o cadastro dos estabelecimentos de saúde. Esses dois sistemas serviram de base para calcular”. Grandes diferenças no número de idosos foram percebidas nessa etapa.
Na terceira fase, no caso das comorbidades, indica ela, o Ministério da Saúde está fazendo pelo E-SUS AB, e o Ceará tem fortalecido o Saúde Digital - sistema estadual de cadastro utilizado para a vacinação e controle de aplicação das doses -, para complementar o diagnóstico sobre o número real de vacinas demandadas.
No sistema do Ministério da Saúde, explica, as limitações são decorrentes do cadastro dos dados, pois, opina Sayonara, “nem todas as pessoas com comorbidades, por exemplo, são acompanhadas nas unidades básicas de saúde”.
De acordo com ela, hoje, quando o Ministério da Saúde determina que a cidade irá receber, por exemplo, 2 mil doses, e a população cadastrada no Saúde Digital para ser vacinada é de 3 mil, é preciso entrar em contato com a Sesa e informar oficialmente a diferença.
A discrepância é equacionada na distribuição, mas é preciso justificar e comprovar por ofício o desequilíbrio entre a meta inicial e a realidade.
Utilização do Saúde Digital
O ideal para reduzir as diferenças é que os municípios utilizem o Saúde Digital, mas conforme Sayonara, nem todos o fazem ainda. Na contagem oficial mais recente, quatro ainda não faziam uso, diz ela.
Na sexta-feira (21), uma portaria da Sesa, Nº2021/558 estabeleceu que todos os municípios devem utilizar o Saúde Digital.
Segundo a portaria, se houver algum impedimento de registrar a vacina no ato da aplicação, o Município deverá, em até 72 horas, fazer o registro no Saúde Digital, informando, no mesmo prazo, “a natureza do impedimento e as providências adotadas para saná-las”.
Segundo o Governo Estadual, o uso do Saúde Digital segue uma recomendação do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) por transparência na aplicação das doses.
O promotor de Justiça, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Saúde (Caosaúde) do MPCE, Eneas Romero, explica que esse problema de metodologia é antigo e algumas metas foram estabelecidas com dados defasados, como, por exemplo, a questão de ter usado o Censo, cujo o último, é de 2010.
“Tem uma defasagem, um perfil populacional variou de estado para estado. Por exemplo, a população de idosos no Ceará aumentou muito e isso se refletiu nesse Estado. Então, o primeiro ponto é esse. No caso dos profissionais de saúde, houve outro problema metodológico do Ministério. Uma subnotificação no sentido, por exemplo, de que eram previstos os profissionais de saúde, mas um faxineiro que limpa a UTI tem que ser vacinado, porque a exposição dele é muito grande. Essas pessoas também não estavam incluídas”.
Revisão da meta
No início de abril, o MPCE, o MPF e o MPT solicitaram ao Programa Nacional de Imunização a revisão da meta de vacinação para Covid-19 no Estado do Ceará, com o acréscimo de 1,4 milhão de doses para os grupos prioritários, sobretudo, os trabalhadores da saúde.
A estimativa do Ministério da Saúde para envio de vacinas ao Ceará foi de 254.231 trabalhadores da saúde. Mas, conforme alertado pelo órgão, "tal número não reflete a quantidade real do grupo no Estado, especialmente com a inclusão de diversas pessoas no grupo de saúde, de forma que as vacinas disponibilizadas são insuficientes para atender a demanda desse grupo prioritário”.
A reportagem entrou em contato com o Ministério da Saúde, mas, até a publicação desta matéria, não recebeu respostas da pasta.