Conheça a história do Cangayceiros, 1ª equipe LGBT a disputar um torneio profissional no Ceará

Para conseguir manter o projeto, o grupo criou um sócio-torcedor

O Brasil é conhecido como o país do futebol. Mas é também um dos lugares onde mais pessoas LGBTQIA+* sofrem violência. O esporte mais popular do país também reflete o lado da sociedade que segrega e desrespeita essa comunidade quando deveria incluir. Na busca por abrir espaços para quem gosta de praticar a modalidade, nasceu o Cangayceiros Futebol Clube. Primeira equipe LGBT a disputar um torneio profissional de Fut7 no Ceará, representou recentemente o estado na final nacional da Champions Ligay de 2023, também de forma inédita. Para conseguir custear os gastos de viagens e manter o projeto, o grupo criou um sócio-torcedor. 

Focado em incluir e agregar esse público na prática esportiva, as primeiras conversas para a criação do que seria apenas um racha semanal aconteceram em 2019, através das redes sociais. O time cresceu e, além da prática lúdica (aberta para todos), tem também uma equipe principal, que participa das competições. Toda ela, sim, composta por pessoas LGBTs. Em 2022, houve um aumento de 76% de casos de homofobia nos estádios, nas redes e na mídia. O dado foi divulgado num relatório da CBF em parceria com a Torcidas Canarinhos LGBTQ+.

“É um espaço para que a gente possa ser acolhido, principalmente no meio do futebol. Que é um meio muito lgbtfóbico, machista... Principalmente a galera que é mais afeminada. O meio héteronormativo faz uma exclusão bem direta. Além disso, é um espaço que a gente pode ficar a vontade, sermos nós mesmos, sem julgamentos de ninguém. E a gente veio para a competição, não para passear. A gente veio com intuito de garantir vaga nas finais e mostrar o futebol cearense”, ressaltou  Lucas Bertullino, presidente, atleta e um dos fundadores do grupo. 

Em agosto, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) determinou que cânticos homofóbicos no futebol sejam punidos. No Regulamento Geral da Competição, a CBF detalha que pode haver advertência, multa, perda de pontos dos clubes, portões fechados, além de impedimento de registro de atletas. Alguns times como Corinthians e Ceará já sofreram algumas dessas sanções em 2023.

Em campo, caso as ofensas sigam, a arbitragem tem permissão para interromper o jogo e declarar vitória ao adversário caso os gritos homofóbicos continuem. O STJD também orienta que os árbitros sinalizem na súmula os casos de lgbtfobia, que podem render maiores punições aos clubes.

CHAMPIONS LIGAY

A disputa da Ligay nacional foi nos dias 18 e 19 de novembro, com a participação de cerca de 600 atletas em 30 equipes. O time cearense conquistou a vaga após ser campeão invicto da etapa regional da competição. Ao todo, 20 pessoas fizeram parte da delegação que viajou para o Sul. 

 

SÓCIO-TORCEDOR

Além dos gastos com viagens para os torneios, o time também precisa se manter durante os treinamentos. Para receber apoio, o grupo disponibilizou uma chave pix e deu o passo inicial numa espécie de programa de sócio-torcedor. No site Benfeitoria, o interessado pode escolher quanto doar mensalmente, sendo o valor mínimo de R$3,00, e então concorrer a brindes do time durante o ano.

“A pessoa pode ser sócio-torcedor nos apoiando, e aí tem algumas regalias. A gente tem a possibilidade de sortear camisas oficiais do time e outros produtos. Tem o pix da Cangayceiros, que a pessoa pode se sentir à vontade para fazer uma doação com o valor que ela acha necessário”, ressaltou Lucas Bertullino. 

O colorido da bandeira LGBT pinta metade do escudo do Cangayceiros Futebol Clube, que carrega também o chapéu, símbolo sertanejo do cangaço. É a mistura do regional, da tradição nordestina e daquilo que também compõe esse povo: diversidade. A luta por respeito passa pelos pés de quem chuta a bola e demarca espaço, mas também de quem veste a camisa de uma sociedade mais inclusiva, que entenda o quanto é plural. 

"É para mostrar mesmo à sociedade que é espaço de todos: de trans, de uma travesti, de um gay... É uma forma de dar visibilidade ao time, que saiu do Ceará sem  patrocínio, por mais que a gente vá atrás e a galera feche as portas... Aos trancos e barrancos, passando perrengue... A gente realmente mostra que podemos pertencer àquele espaço, jogar futebol, pode fazer qualquer outra atividade por sermos pessoas normais”, finaliza Lucas.

*LGBTQIA+ significa: Lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e queer. O sinal "+" reconhece as demais orientações sexuais e identidades de gêneros as quais os membros se reconhecem.