Há exatos dez anos, em 28 de novembro de 2014, o mundo se despedia de um dos maiores comediantes da América Latina: Roberto Gómez Bolaños. Também conhecido como Chespirito, o ator e escritor mexicano foi responsável por "Chaves" e "Chapolin", duas séries de sucesso que ultrapassaram barreiras sociais e linguísticas e caíram no gosto dos brasileiros.
Dono de bordões como "foi sem querer querendo", "ninguém tem paciência comigo" e "não contavam com a minha astúcia", Bolaños se tornou um símbolo de excelência para a comédia mundial, com trabalhos que mostravam o pesar e a graça da realidade latino-americana.
Até os dias de hoje, os trabalhos do comediante são populares em audiência e se conectam com o público, que não se cansa de assistir às histórias que ainda são populares mesmo após 50 anos.
Com 85 anos bem vividos, a trajetória de Chespirito é cheia de altos e baixos, mas que ensinam como o sucesso não vem sem esforço, "há menos que o coração sustente a juventude que nunca morrerá".
Veia artística surgiu cedo
Nascido em 21 de fevereiro de 1929, na Cidade do México, Roberto Mario Gómez y Bolaños foi filho de uma secretária bilíngue, Elsa Bolaños Cacho de Gómez Linares, e do pintor, cartunista e ilustrador Francisco Gómez Linares, que faleceu quando Roberto tinha apenas seis anos. Mesmo com pouco tempo de convivência, o jovem sabia que havia herdado do pai o talento para as artes e a comunicação, principalmente como contador de piadas.
Mas, apesar da veia artística, ao se tornar um jovem adulto, Roberto decidiu tomar outro caminho e foi cursar engenharia mecânica na Universidade Nacional Autônoma do México. Contudo, não chegou a se formar e nunca exerceu a profissão. Ao invés disso, abraçou os desejos do coração e foi caçar trabalhos em rádios e televisões locais.
Poucos anos depois, no início na década de 1950, Roberto iria se deparar com a oportunidade que mudaria sua vida para sempre. Em 1952, a agência de publicidade D'Arcy, no México, estava com duas vagas, uma para aprendiz de produtor de televisão e outra para redator publicitário. Bolaños se interessou pela primeira oportunidade, mas, ao chegar lá, percebeu que a fila estava enorme e por isso aplicou para a vaga de redator, que tinha menos pretendentes.
Assim, com apenas 23 anos de idade, iniciou os trabalhos como escritor de roteiros para propagandas, jingles e vinhetas publicitárias, o que não só o levaria a dominar a escrita comercial e artística, mas a atrair olhares de figuras poderosas do meio televisivo da época.
Um "quase-astro" cai na televisão
Em pouco tempo no ramo publicitário, Roberto se destacou pelos roteiros criativos e engraçados e assim começou a trabalhar como roteirista do programa Viruta e Capulina (Marco Antonio Campos e Gaspar Henaine). Na época, a dupla de comediantes tinha programas na rádio e na TV, e Bolaños chegou até a aparecer como figurante em alguns dos episódios.
Além dos programas de televisão, Roberto escrevia para os filmes da dupla, como "Dos locos en escena" (1960), além de prestar serviços para outros comediantes, como Enrique Guzmán e Leonorilda Ochoa, muito populares no México.
Assim, a qualidade dos roteiros do "pequeno Shakespeare", ou "Chespirito", como ficou conhecido, foi reconhecida pelos produtores da recém criada Televisión Independiente de México, que chamou o jovem escritor para criar em uma série de comédia para a emissora, em 1969.
Roberto então surgiu com a ideia de "El Ciudadano Gómez", estrelado e escrito por ele mesmo. Apesar de ter durado apenas 13 episódios, o programa fez muito sucesso com o público e crítica.
Não demorou muito para ele ganhar mais espaço nos horários nobres da emissora, e com isso, no início da década de 1970, Chespirito começaria a produzir o que viria a ser os grandes sucessos da carreira dele.
A criação de "Chaves" e "Chapolin"
A princípio, os dois personagens mais populares de Roberto tinham histórias curtas, como quadros de um programa maior, chamado "Chespirito". Quando a atração foi encerrada, em 1973, a dupla criação de Bolaños ganhou séries independentes, transmitidas em horário nobre, no México.
Assim, a história de "Chaves" e "Chapolin" na televisão começou a ser escrita, com a ajuda de um elenco talentoso, composto pelos atores Carlos Villagrán (Quico), Ramón Valdés (Seu Madruga), Florinda Meza (Dona Florinda), Rubén Aguirre (Seu Barriga), Édgar Vivar (Professor Girafales), Angelines Fernández (Dona Clotilde), Raúl Padilla (Jaiminho), Horacio Gómez Bolaños (Godinez) e María Antonieta de las Nieves (Chiquinha).
As histórias destes personagens marcantes ficaram seis anos no ar semanalmente, sendo retransmitidas, na década de 1970, com grande sucesso em países como Guatemala, Argentina, Equador e Venezuela. Em 1979, as séries se transformaram novamente em quadros menores para uma segunda versão do "Programa Chesperito", que ficou no ar até 1995.
Sucesso no Brasil
O público brasileiro conheceu "Chaves" e "Chapolin" apenas em 1984, 11 anos após a estreia no México. A chegada aconteceu no SBT, com o episódio "O Caçador de Lagartixas", em meio a descrenças dos investidores da emissora que a atração seria um sucesso. Porém, o personagem surpreendeu: as produções até hoje estão entre as mais populares no canal e foram transmitidas pela emissora durante quase 36 anos. Durante a trajetória no Brasil, os programas também foram transmitidos em canais privados como o Multishow e na plataforma de streaming Prime Video.
Em 2011, Chespirito, já debilitado, chegou a receber em casa, no México, o youtuber Fábio Ribeiro, do canal "Anos Incríveis", e cantou com ele uma versão de "Boa Noite, Vizinhança", dos episódios de Acapulco. Assista:
O sucesso dos programas no País permaneceu até 2020, quando as séries foram impedidas de serem veiculadas no mundo inteiro. Quatro anos depois, em outubro deste ano, o legado de Roberto Bolaños retornou momentaneamente ao SBT, mas ainda luta para encontrar um espaço na atual grade de programação da emissora.
A relação do País com Roberto sempre foi especial, e em diversas ocasiões o escritor declarou o amor que sentia pelo público do local. É sempre válido lembrar, também, que a última publicação de Chespirito nas redes sociais foi uma resposta a uma fã brasileira. "Todo meu amor para o Brasil", escreveu.
*Sob supervisão da jornalista Mariana Lazari