O ensino remoto tem sido solução para manter os estudos de grande parte dos alunos do Ceará, durante a pandemia, mas um processo importante e básico não é alcançado de forma plena por meio das telas: a alfabetização das crianças.
A primeira fase de retomada das aulas presenciais municipais de Fortaleza iniciou nesta quarta-feira (8), Dia Mundial da Alfabetização, com retorno das turmas de infantil 3, 4 e 5, além dos 1º e 2º anos do ensino fundamental.
Maria José Barbosa, doutora em Educação e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), aponta que o foco do retorno deve ser o acolhimento, já que o principal dano desse longo período de afastamento das crianças do ambiente escolar foi justamente a perda da interação.
O ensino na educação infantil tem como principal eixo a interação e brincadeira, o que é difícil de ocorrer no ensino remoto. Isso influencia o desenvolvimento de vivências com as diversas linguagens, dentre elas a escrita, em situações de leitura e escrita propostas pelas professoras.
A professora descreve que o ambiente ideal para um processo de alfabetização pleno é o que promove interação das crianças entre si e com professores, o que foi proporcionado, em certo nível, pelas aulas online – às quais, porém, nem todos tiveram acesso.
“Ficou visível, em diversas pesquisas, que muitas crianças de classes populares não tiveram momentos virtuais com professores, devido à falta de recursos tecnológicos, como aparelhos, pacote de dados, internet”, observa Maria José.
das crianças estudantes do Ceará estavam matriculadas na rede pública, em 2020, segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2021.
Atraso na alfabetização
O retardo na alfabetização, potencializado pela pandemia, repercute em toda a vida escolar. Para Ana Thays, 8, o distanciamento fez o processo de letramento “regredir bastante”, como descreve a mãe, Camila Almeida, 37. A menina precisou repetir a série que cursava em 2020.
“Minha filha faz hoje o 1º ano do fundamental, mas ela deveria estar no 3º ano. Devido à pandemia, ela se atrasou mais ainda, e regrediu bastante em relação à alfabetização. Ela não sabia ler, e com o distanciamento da escola, ficou mais difícil”, afirma.
Camila justifica que, por ter outra filha pequena, precisou “se desdobrar” para acompanhar Ana Thays nos estudos. “Com toda essa turbulência, a leitura e aprendizado dela foram se complicando. Agora que voltou à escola, está se adaptando e enfim está lendo”, revela.
Seja na rede pública, seja na privada, os prejuízos preocupam um estado que vinha em constante avanço dos indicadores educacionais, principalmente quanto ao letramento. Em 2019, o Ceará alcançou o melhor resultado do Brasil em alfabetização no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
No mesmo ano, 44,2% dos estudantes do 2º ano do ensino fundamental do Ceará atingiram os três níveis mais altos de proficiência em língua portuguesa, numa escala de 1 a 9. Outros 47,3% ficaram nos níveis 4 a 6, e 8,4% tiveram baixo desempenho (níveis 1 a 3). Os dados são do Anuário Brasileiro da Educação Básica 2021.
dos cearenses de 15 ou mais foram considerados alfabetizados em 2020.
Ticiana Santiago, psicopedagoga e doutora em Educação, pontua que é preciso “investir em metodologias que sejam significativas para cada contexto e localidade”, sempre inserindo a família na rotina de ensino e aprendizado as crianças.
Isso porque, como ela explica, “o processo de alfabetização vai além das letras e composição de frases”, e será necessário considerar e valorizar as experiências “fortes e desafiadoras” que as famílias viveram durante a pandemia.
Retorno às salas de aula
Na próxima semana, serão incluídas no retorno às escolas as turmas de infantil 1 e 2, e os alunos matriculados nos 3º, 4º e 5º anos do fundamental, de acordo com a Secretaria Municipal de Educação (SME). Todas as turmas retornarão com 50% da capacidade.
A SME garante que “todas as escolas foram analisadas e passaram ou estão passando por adequação da estrutura, de acordo com o protocolo sanitário de prevenção à Covid-19”, incluindo “instalação de lavatórios e abertura de passagem e melhor circulação de ar”.
Ainda conforme a Prefeitura de Fortaleza, os casos suspeitos e positivos de coronavírus na rede municipal de ensino serão monitorados, para que haja o rastreamento de quem teve contato e bloqueio da disseminação da doença. O uso de máscaras e outros EPIs é obrigatório.
Por que começar pela educação infantil?
Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, salienta que “a educação infantil é uma etapa de estruturação de até 90% do cérebro”, e que a escola “é o espaço fundamental pra que isso aconteça em plenitude”. “Quando se está há 1 ano e meio sem escola, se tira essa possibilidade das crianças”, completa.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, Rui Aguiar, chefe do escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em Fortaleza, também destacou que o retorno da educação infantil “é super prioritário”, visto que “as crianças de 4 a 5 anos já perderam 75% das possibilidades de acesso”.
Isso porque a fase obrigatória de educação infantil no Brasil possui quatro semestres, ou seja, dois anos, dos quais 1 ano e meio já foi “perdido” em meio ao ensino distante imposto pela pandemia.
É preciso então, segundo Rui, “garantir a elas pelo menos seis meses de vivência da educação infantil presencial”, que “faz a diferença e permite uma criança voltar a ter um ritmo”.
Início da volta às aulas
Aferição de temperatura ao entrar nas escolas, higienização constante das mãos com álcool, uso de máscara de proteção, distanciamento entre alunos e professores marcaram o retorno às aulas em Fortaleza nesta quarta-feira.
Assegurar o cumprimento dos protocolos de segurança sanitária são a principal ferramenta de combate ao coronavírus na nova fase de volta aos encontros presenciais.