A pandemia de Covid teve efeitos devastadores, além da saúde, na educação. Mas, apesar dos impactos negativos, em algumas realidades, se tornou um marco, alterando experiências de ensino e aprendizado e as dividindo entre antes e depois desse momento.
Em Fortaleza, no bairro Conjunto Ceará, aos 13 anos, o aluno da rede pública municipal Tiago Marques de Melo, testemunha exatamente esse processo, ao constatar que as próprias percepções sobre a escola mudaram. A relevância da educação se impôs. O ambiente foi ressignificado e os resultados já despontam.
Tiago ingressou na rede pública no ano de início da pandemia. Ele cursava o 6º ano e passou por diversas adaptações: aulas remotas, distância, novos colegas e professores, e no avançar do processo, chegou ao retorno presencial às salas de aula. Foi tempo de construir novos laços e ressignificar o próprio percurso.
Esta matéria integra a série “Terra de Sabidos", publicada pelo Diário do Nordeste com patrocínio da Assembleia Legislativa do Ceará e cujo foco é contar histórias de estudantes da rede pública estadual do Ceará e da rede municipal de Fortaleza, que, via educação, tiveram as trajetórias alteradas, conquistado oportunidades, e reconhecimentos local, estadual e nacional.
Escola de tempo integral
Na Escola Prisco Bezerra na qual a rotina, segundo ele, “é puxada”, já que o equipamento é uma das unidades de tempo integral na Capital, vieram experiências inéditas. O interesse, a motivação e o desempenho mudaram, conta. E nesse percurso, em 2022, no 8º ano, Tiago foi medalhista de ouro na Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBA).
Foi a 1ª vez que ele, filho de professores da rede municipal (a mãe hoje é da gestão de uma escola e o pai é professor em outra), participou de olimpíadas escolares. O processo abriu portas, e Tiago relata querer mantê-las abertas. A expectativa é participar de outras tantas olimpíadas que forem possíveis nos 4 anos ainda que terá na educação básica.
Na unidade, conta o professor de ciência da Escola Prisco Bezerra, Pedro Henrique Aragão, além da OBA, os alunos participam da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), Olimpíada Brasileira de Física e da Olimpíada de Ciência Energética.
“Na escola, a gente tenta fazer de forma bem generalizada (o estímulo, a participação nas olimpíadas), quando é na hora da inscrição, inscrevemos todos que podem participar. Porém, alguns procuram muito mais, procuram tirar muito mais dúvidas, se engajam muito mais, tem um maior interesse. Essa é uma forma que a gente vê de tentar sempre puxar, sempre acreditar nos nossos alunos e que eles podem querer”.
Na prova da OBA, Tiago achava que seria “bem difícil” e completa: “difícil foi, só que eu achava que seria mais”. Dentre as questões, explica, “tinham as de cálculos, raciocínio e conhecimento próprio”.
Sobre o resultado, Tiago conta: “quem fica no grupo da escola é minha mãe. Eu estava deitado e minha mãe do outro lado da casa, e ela gritou e avisou que eu tirei medalha de ouro. Eu senti alegria e muita surpresa. Muito pelo fato da dificuldade que eu estava pensando que ia ser a prova”.
A percepção de que o resultado “é surpreendente”, evidencia aspectos indesejáveis, mas comuns na trajetória de muitos estudantes, e mais ainda nos da rede pública: a desconfiança sobre a própria capacidade e conhecimento.
“Quando saem os resultados são sempre uma surpresa muito grande para eles, porque a autoestima deles, às vezes, não é tão elevada. Acham que participar de uma olimpíada, ganhar medalha, é algo impossível”, reforça o professor de Ciência.
Tiago completa que “a olimpíada é estimulante porque pode mostrar que você se destaca”, e acrescenta: “não tem o que perder fazendo uma olimpíada. Se você não tirar um lugar bom, você só não tirou um lugar bom. Mas se você tirar um lugar bom, você tem benefícios”.
Preferências e futuro
Nas preferências estão matemática e geografia. Sendo que o apreço à primeira tem um elemento a mais: Tiago relata ter tido muita dificuldade quando fazia o Fundamental I. Hoje, o caminho é menos tortuoso.
“Acho essa escola bem melhor do que a que eu frequentava. Mas muito porque agora eu entendo o que eu estou fazendo. Do quinto ano para baixo, eu achava que escola era algo besta. Não tirava notas boas. Mas no sexto ano, teve a pandemia, e eu finalmente entendi o que é uma escola e isso fez eu me empenhar bem mais nos meus estudos”.
Nos planos há o desejo de ingressar no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). A motivação vem de casa, “gosto de pensar no meu irmão, como ele tá em uma faculdade, isso também me inspira um pouco”.
Os planos de futuro se aliam à esperança de ser alguém “bom”, segundo o próprio Tiago. Aos 11 anos, ele define que esse avanço precisa ser “socialmente e economicamente”. Estudar, diz ele: “é uma das coisas mais importantes, é criar o seu futuro”.