O projeto de lei para reforma do Ensino Médio foi aprovado pela Câmara dos Deputados nessa terça-feira (9) e será enviado para sanção presidencial, abrindo mais um capítulo da mudança na modalidade das escolas públicas e privadas do País. No Ceará, a adequação afeta o cotidiano de professores e alunos que devem ter a carga horária modificada já em 2025.
Todas as alterações no Ensino Médio são elaboradas na Lei 13.415/17 analisada pelos senadores, que fizeram alterações no documento. Por isso, os deputados revisaram o texto, fizeram nova votação e vão encaminhar para o presidente Lula (PT). Ao receber o projeto de lei, há o prazo de 15 dias úteis para aprovação ou veto presidencial.
Contudo, as discussões se arrastam há 7 anos, quando foi alterada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Naquele momento foi estabelecida a ampliação do tempo mínimo do estudante na escola de 800 horas para 1.000 horas anuais. A aplicação de todas as regras pelas escolas deve acontecer a partir de 2025 e os estudantes terão um período de transição para as mudanças.
Foram criados os “itinerários formativos” para que os estudantes possam escolher disciplinas do próprio interesse. A ideia é que a escola seja mais atrativa e o ensino mais eficaz para os alunos. Mas tirar isso do papel não é uma tarefa fácil nem para estudantes e nem para professores.
Jucineide Fernandes, secretária executiva do Ensino Médio e Profissional da Secretaria da Educação do Ceará (Seduc), adiantou ao Diário do Nordeste que, de imediato, deve haver uma articulação com o conselho de educação e professores para adequar o tempo dos estudantes na escola.
"Queremos organizar o currículo para que, em 2025, a gente já comece com a nova carga horária da formação geral básica, reorganizar os currículos para garantir 2.400 horas. Para nós, isso não é tão difícil porque temos muitas escolas em tempo integral", pondera.
A grande mudança para nós agora é o aumento para 2.400 horas, o que a gente considera super positiva, os professores desejavam mais aulas de história, de química, língua portuguesa e matemática...
Em relação à estrutura e unidades escolares, Jucineide indica que serão construídas 138 escolas até 2026. "Já demos ordem de início para mais de 50 e temos em torno de R$ 100 milhões para infraestrutura de vestiários, refeitórios, cantinas, salas de aulas, laboratórios. É padrão que toda escola tenha laboratório de informática e de ciências, multimeios", completa.
"Estamos com a meta de climatizar todas as salas de aula até o final de 2026, porque o tempo integral exige maior conforto para os nossos estudantes e professores. Temos um investimento importante na alimentação escolar", destaca.
Um dos principais desafios para os municípios cearenses é atender os diversos interesses dos estudantes no atual contexto, como explica o gestor da Área de Impacto Nacional do Centro Lemann de Sobral, Rogers Mendes.
“O Ceará já tinha uma proposta de tempo integral do Ensino Médio e já vinha experimentando a perspectiva de trabalhar a partir do interesse dos estudantes, mas há uma quantidade significativa de municípios em que há só uma escola”, completa.
No Ceará a gente percebe um esforço, as escolas passam por reparo, mas temos muito a caminhar na diversificação dos espaços. O avanço tecnológico sempre vai exigir uma atenção de atualização para tornar a escola contemporânea ao seu tempo
De imediato, um dos esforços será para não criar alarde na comunidade escolar. “Exigirá dos sistemas que haja primeiramente uma campanha de tranquilização dos estudantes, porque qualquer mudança vai ser de forma gradual e mantendo um ritmo”, conclui.
Carga horária do Novo Ensino Médio
Entre as mudanças aprovadas pelos deputados está a ampliação da carga horária da formação geral básica, que passa de 1.800 para 2.400 horas, somando os 3 anos do ensino médio. Dessa forma, sobram 600 horas para os estudantes decidirem os temas que vão se aprofundar e é nesse momento que entram os chamados "itinerários formativos".
A carga horária total do ensino médio continua a ser de 3.000 horas nos três anos (5 horas em cada um dos 200 dias letivos anuais).
Os itinerários formativos são divididos da seguinte forma:
- linguagens e suas tecnologias;
- matemática e suas tecnologias;
- ciências da natureza e suas tecnologias; ou
- ciências humanas e sociais aplicadas.
No momento, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação estipula um total de 1.800 horas para a formação geral básica, direcionando 1.200 horas para os itinerários de formação, após a reforma do ensino médio de 2017.
Jucineide Fernandes contextualiza que desde o início das discussões sobre as mudanças há diálogo com os professores e estratégias para diminuir os problemas durante a implementação. "A lei aprovada em 2017 trazia algumas premissas como o ensino integral e isso, na nossa rede, não foi uma grande novidade, porque a gente já trabalhava com competências emocionais, projeto de vida, expansão da carga-horária", lista
Rogers Mendes lembra que o movimento exige um empenho maior dos profissionais da educação que já estão na rede de ensino para a formação dos estudantes com o novo modelo.
“A formação em serviço é a saída: convidar os professores para repensar como atender os itinerários para que seja viável para eles ministrarem. Não cabe apenas a secretaria, mas exige dos professores desenvolver novas competências docentes”, avalia.
O que muda no Novo Ensino Médio
Além da ampliação da carga horária, a dinâmica de elaboração e revisão do Novo Ensino Médio apresenta algumas mudanças, como um trecho colocado pelos senadores que obrigava o ensino médio a ter, no mínimo, 70% da grade como disciplina básica e apenas 30% para os itinerários formativos.
Contudo, isso foi alterado pelos deputados e os itinerários formativos podem ser estendidos para mais do que 30%. Também foi retirada pelo relator do projeto, Mendonça Filho (União-Pernambuco), a exigência de condição excepcional para o ensino médio à distância.
Um dos pontos mais relevantes é em relação ao ensino superior que, a partir de 2027, terá o processo seletivo relacionado às diretrizes nacionais de aprofundamento. O estudante, no entanto, terá o direito de optar por uma das áreas de conhecimento, independentemente do itinerário formativo cursado no ensino médio.
Confira tópicos de destaque do projeto de lei:
- Ensino noturno: uma mudança feita pelo Senado e aprovada pelos deputados indica que os estados deverão manter pelo menos uma escola da rede pública com oferta de ensino médio regular no turno noturno.
- Formação técnica e profissional: a formação geral básica pode ser de 1.800 horas, outras 300 horas podem ser para aprofundamento de estudos em disciplinas relacionadas à formação técnica e 900 horas para o curso técnico.
- Ensino presencial: será admitido também, de forma excepcional, a mediação por tecnologia, na forma de regulamento elaborado com os sistemas estaduais de ensino.
- Contratação de profissionais: ao contrário do texto original, continua a permissão para o contrato de profissionais de notório saber para aulas na educação profissional técnica de nível médio.
- Itinerários: todas as escolas devem ofertar, no mínimo, 2 itinerários formativos de áreas diferentes. Os estudantes poderão escolher por itinerários complementares.
Matérias do Novo Ensino Médio
O texto que será enviado para sanção detalha que as disciplinas devem ser dentro da base comum curricular nas 4 áreas de conhecimento. Porém, o espanhol permanece como uma disciplina não obrigatória.
Apesar disso, no Ceará, a proposta é que haja a disponibilidade do idioma nas escolas estaduais. "A gente pretende ofertar em toda a rede, mas a gente precisa nesse cenário ter professor com licenciatura em espanhol em todas as escolas", acrescenta Jucineide.
Outro tópico é que o Ensino Médio para comunidades indígenas pode ser ministrado nas línguas maternas. Não vai mais constar na LDB a obrigatoriedade de ensino de língua portuguesa e de matemática nos 3 anos da modalidade, assunto que será tratado na Base Comum Curricular.
O projeto de lei determina que as escolas devem montar as propostas pedagógicas considerando elementos como promoção de metodologias investigativas no processo de ensino e aprendizagem e conexão dos processos de ensino e aprendizagem com a vida comunitária e social.
Como se posiciona o Ceará
Enéas Arrais Neto, doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e professor no Instituto Federal de Educação do Ceará (IFCE), analisa que há uma disputa política na definição do modelo pelo Congresso Nacional.
“O Ceará é um caso específico na realidade nacional, porque nós viemos de governos que têm uma convergência na perspectiva da educação, algo de centro-esquerda, entendendo a escolarização como algo bom”, completa.
Na visão do especialista, isso está ligado ao Ceará ter se tornado referência em educação em relação a estados com maior potencial econômico, como São Paulo. “Isso é interessante e coloca os estudantes cearenses num patamar diferente”.
O doutor em Educação frisa a necessidade de constante análise dos conteúdos abordados com os estudantes, numa perspectiva progressista. “Não adianta escolas estarem melhorando sem o cuidado de saber como estamos formando essas pessoas. Formar alguém que pode ser racista, misógino ou fascista não é nenhuma vantagem”, pondera.