A garotinha mal acorda e já está com o celular na mão. O menino troca a brincadeira na rua pela próxima fase do videogame. O adolescente passa horas em frente ao computador e nem sinal de cumprir as atividades. Como mensurar o reflexo do uso excessivo de telas por parte de crianças e adolescentes? Quais os efeitos dessa prática a curto, médio e longo prazo?
A questão percorre dos núcleos familiares às escolas, passando por consultórios e espaços de convivência. “É importante entender que o uso de tecnologias sempre tem que ser acompanhado pelos responsáveis, principalmente as redes sociais. Por meio dos celulares, crianças e adolescentes têm acesso a todo tipo de conteúdo, inclusive de violência”, introduz Maria Cecília Alves, psicóloga clínica e mestra em Psicologia.
Segundo a estudiosa, não há um programa educacional para boas práticas no uso de tecnologias. Resultado: efeitos recaem na geração mais jovem, tanto no aspecto de dispersão de foco como na falta de limites sobre condutas agressivas na rede. “Os adolescentes estão imersos em um universo no qual não são instruídos a como agir adequadamente”.
Mais recentes dados da pesquisa Tic Kids Online Brasil – sobre a utilização da internet por pessoas de 9 a 17 anos no País – apontam que assistir a vídeos, programas, filmes ou séries (84%), ouvir música (80%), enviar mensagens instantâneas (79%) e usar redes sociais (78%) foram as ações online mais realizadas por crianças e adolescentes no Brasil em 2021.
Nesse sentido, plataformas que possibilitam a criação e o compartilhamento de vídeos têm se popularizado entre os de menor idade. Além da presença intensa nesses meios, o TikTok (34%) e o Instagram (33%, frente a 24% em 2018) também foram reportados como as principais redes sociais utilizadas pela população investigada naquele ano.
“É importante que os pais saibam o que acontece na vida digital dos filhos – que páginas eles seguem, que pessoas e assuntos eles pesquisam e se interessam, qual a identidade do filho dentro da internet. São pontos que nem todos os responsáveis estão confortáveis em descobrir”.
Deixar que sejam crianças
Professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e especialista em Psicologia da Adolescência, Layza Castelo Branco complementa a ideia ao argumentar que, na dinâmica contemporânea, é praticamente impossível evitar que crianças e adolescentes não tenham acesso a dispositivos móveis e os conteúdos que deles emergem. “Isso faz parte, inclusive, do processo educacional delas”.
O foco, portanto, é evitar mesmo o exagero em usos e práticas. Para ela, a principal saída é oferecer aos pequenos atividades de interação que não estejam necessariamente ligadas a telas. Um bom exemplo são brinquedos e brincadeiras. Por meio deles, é possível trabalhar aspectos como comunicação, participação e vivência coletiva.
“Quando fazemos atividades assim, o corpo produz neurotransmissores que proporcionam sensações de prazer e bem-estar, além da sensação de integração social”. Cabe aqui uma ressalva: mais que promover a inserção dos jovens em ações dessa natureza, é fundamental estimular que as brincadeiras sejam brincadeiras, e não campos de qualificação e exigência.
Segundo Layza, muitos pais e responsáveis enxergam em práticas esportivas ou em atividades de menor impacto – a exemplo de pintura, desenho, teatro e aprendizados musicais – um terreno para a competitividade, minando as possibilidades de desenvolvimento saudável por parte das crianças e adolescentes.
“Digo isso porque não sei o que é mais prejudicial: estar diante de uma tela ou sair da tela para uma atividade esportiva na qual a criança acha que precisa ser a melhor de todas. Nessa perspectiva, o tempo livre é para ser livre mesmo. As crianças precisam estar só com as crianças em algum momento – claro que sob a supervisão de algum adulto, mas que ele não precise intervir naquela dinâmica”.
Em resumo, a consequência mais danosa da utilização exagerada das telas é sobretudo a ausência desse contato, do abraço compartilhado, do estar junto olho no olho. A interação social é aprendida, conforme Layza, nesses detalhes. “Sem isso, haverá dificuldade de dividir, compartilhar, compreender a leitura do corpo do outro. São prejuízos muito severos”.
E nas escolas?
No caso da vivência escolar, mais que o controle do uso de celulares e aparelhos móveis – questão complexa para o atual contexto, tendo em vista ser a geração mais jovem ser bastante familiarizada ao mundo digital – o mais importante é estabelecer acordos francos e dialógicos quanto a esses usos, entendendo desafios e possibilidades.
A opinião é do professor Dr. João Paulo Pereira Barros, docente do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFC e coordenador do Grupo de Pesquisas e Intervenções sobre Violência, Exclusão Social e Subjetivação (Vieses). “É fundamental pensarmos como têm ocorrido esses usos e, especificamente, que conteúdos têm sido consumidos na internet, seja dentro ou fora da escola”, defende.
“Tratando-se da violência escolar, é bastante preocupante a disseminação cada vez maior de discursos de ódio e ideologias extremistas, insuflados e autorizados por autoridades políticas nos últimos anos. Particularmente, é necessária atenção à forma como jovens se subjetivam a partir desse recorte, a exemplo de discursos misóginos, racistas, armamentistas e a espetacularização da violência – seja na mídia, nas redes sociais ou nos jogos”.
A observação do estudioso é de que estamos assistindo a grupos online sem restrições nas plataformas, “palco da organização e repercussão desses e de outros atos violentos”. Por sua vez, destaca João, isso tem se dado em um contexto de ampliação do culto e do acesso a armas e de autorização da violência por figuras públicas extremistas e reacionárias, que acabam por respaldar e encorajar jovens ao cometimento de atos desse tipo.
Maria Cecília Alves endossa a discussão ao afirmar: “Na escola, seria interessante tomar medidas para agregar a tecnologia ao ensino. Proibir o uso talvez não traria os efeitos esperados. Hoje, a tecnologia faz parte da nossa vida, então é muito melhor que os estudantes saibam como usá-la para o aprendizado e relacionamentos sociais de maneira saudável".
Ao mesmo tempo, também é necessário dar nome às ações. Conceituar violência pode ser um bom começo. “A violência tem diversas nuances e disfarces. Ensinar aos filhos que não está tudo bem tratar mal colegas e professores já é um passo importante na construção desse entendimento”.
De acordo com a psicóloga, falar sobre esse tema é também direcionar o olhar para soluções. Uma vez que os pequenos entendem que determinados comportamentos são nocivos, eles precisam buscar ajuda.
“Aí entram os profissionais da escola e os pais. Por isso a importância de qualificar todos os envolvidos na educação para o manejo de situações assim, sempre lembrando que cada idade tem uma compreensão diferente do mundo. É destacar que crianças e adolescentes estão sendo vistos e ouvidos, que suas vidas e segurança sempre serão prioridade”.