Prefeitura de Fortaleza sabia desde o início do ano que IJF teria crise em agosto, revela Conselho

Atual momento do maior hospital municipal da Capital é marcado pela precarização de serviços, suspensão de cirurgias e falta de remédios e itens básicos

A Prefeitura de Fortaleza sabia desde o início deste ano que o Instituto Dr. José Frota (IJF), o maior hospital municipal da capital cearense, poderia viver uma crise a partir de agosto de 2024 se algo não fosse feito em prol da unidade. É o que aponta o Conselho Municipal de Saúde de Fortaleza (CMSF) em um relatório produzido após visita da entidade à unidade de saúde, no dia 19 de novembro, e apresentado em reunião nesta quarta-feira (27).

O documento, ao qual o Diário do Nordeste teve acesso, esmiúça uma série de informações repassadas, durante visita à unidade de saúde, à comissão de conselheiros por representantes da direção do IJF, composta pelo superintendente geral, José Maria Sampaio, uma diretora técnica e uma assessora técnica, cujos nomes não foram informados.

Esses detalhes da visita foram discutidos durante a 192ª reunião extraordinária do Conselho Municipal de Saúde de Fortaleza, realizada na tarde desta quarta-feira (27), na sede da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), e acompanhada pelo Diário do Nordeste.

O relatório apresentado aponta que, após a posse da atual gestão do IJF, em janeiro deste ano, um diagnóstico situacional levantou a presença de “uma grande dívida financeira advinda de gestões anteriores” aliada a um orçamentário anual insuficiente.

Os representantes da direção informaram que as Despesas de Exercícios Anteriores (DEA) do hospital, neste ano, chegaram a mais de R$ 40 milhões, segundo o documento.

O levantamento indicava também a necessidade de “ação imediata”, já que os recursos orçamentários e financeiros só cobririam as despesas do hospital até o mês de agosto. O relatório do Conselho Municipal cita que já se previa que os maiores impactos do colapso se dariam sobre o abastecimento de insumos e medicamentos e em relação ao quadro de funcionários.

“Segundo a direção do hospital, desde o início do ano já se sabia que ia chegar um momento de crise. A previsão era que em agosto o hospital entraria em uma crise tal que faltaria o que está faltando, ou seja, medicamentos, insumos, além de outros problemas (como) redução na alimentação dos pacientes e dos acompanhantes”
Claudio Ferreira
Membro do Conselho Municipal de Saúde de Fortaleza (CMSF)

Como mostrou uma série de reportagens do Diário do Nordeste, a precarização de serviços, a falta de remédios e itens básicos e a suspensão de cirurgias são alguns dos cenários que marcam o atual momento do hospital especializado no tratamento de traumas de alta complexidade.

A situação teria sido “imediatamente informada e acompanhada por ‘órgãos de controle’” do Município, a exemplo da Controladoria e Ouvidoria Geral do Município (CGM), da Secretaria Municipal da Saúde e da Secretaria Municipal do Planejamento, Orçamento e Gestão (SEPOG).

“A direção do IJF procurou semanalmente o COGERFOR (Comitê de Gestão por Resultados e Gestão Fiscal de Fortaleza), mostrou a situação de crise e nenhuma solução foi oferecida. Segundo a direção do hospital, o cenário atual de crise já havia sido visualizado desde aquela época”, complementa o Conselho.

A SMS e o IJF foram questionados pelo Diário do Nordeste acerca da informação de que o colapso já era anunciado e sobre as ações implementadas para contornar a crise. Em nota, a Pasta informou apenas que a força-tarefa — criada em 21 de novembro — atua para garantir celeridade nos processos e normalizar a situação ‘o quanto antes’. (veja mais detalhes a seguir) 

SECRETÁRIO NÃO COMPARECE À REUNIÃO DE CONSELHO

Os Conselhos de Saúde, dentre eles o CMSF, são órgãos colegiados, deliberativos e permanentes do Sistema Único de Saúde (SUS) em cada esfera de governo. Eles fazem parte da estrutura das secretarias de saúde dos municípios, dos estados e do governo federal e atuam na formulação de estratégias, na fiscalização e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente.

O órgão é composto por representantes de usuários, trabalhadores, gestores e prestadores de serviços em saúde. O Conselho Municipal de Saúde de Fortaleza conta com 24 conselheiros titulares e seus respectivos suplentes.

Durante a 192ª reunião extraordinária do CMSF nesta quarta-feira (27), os conselheiros destacaram a ausência do secretário municipal de saúde, Galeno Taumaturgo Lopes, e de representantes do Instituto Dr. José Frota.

Segundo a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), o secretário participou, ontem, de uma reunião com a equipe de transição municipal. Porém, o presidente do CMSF, Pedro Alves de Araújo Filho, destacou que a agenda havia sido mantida após a confirmação da presença do gestor.

“Eu procurei confirmar pela manhã se ele realmente estaria aqui na reunião do conselho e me foi confirmado pelo gabinete. Quando foi agora, já no início da reunião, recebi uma ligação informando que o secretário teve que ir para essa reunião com a comissão de transição e que não seria possível estar aqui”, afirmou.

Os dois representantes da Secretaria Municipal de Saúde que estavam presentes na reunião eram Karol Moita, coordenadora de Planejamento e Governança, e Adriano Cândido, coordenador de Gestão de Pessoas.

Além disso, os conselheiros também apontaram que não foram recebidos para uma segunda visita às dependências do IJF, que estava marcada com a direção do Instituto para a última terça-feira (26). O grupo esperou por mais de 1h30 na recepção.

Com disso, a comissão “percebeu-se envolvida em uma situação de descaso inaceitável e decidiu manifestar sua insatisfação e indignação com o tratamento desrespeitoso com a representação do controle social e da participação popular da saúde municipal retornando ao CMSF”, informa a entidade, em um segundo relatório de visita.

A reunião também debateu a questão de subdimensionamento da equipe de profissionais, uma problemática que atingiria todas as categorias do hospital. Nesse sentido, dados do relatório apontam que, do quadro atual de 3.268 servidores, apenas 2.834 estão em exercício efetivo.

“A representação da direção afirmou que diante da escassez de recursos houve a necessidade de se ‘priorizar o que é urgente’, ou seja, precisando pagar-se insumos ou cooperativas, priorizava-se o pagamento dos insumos. Que não tiveram nenhuma promessa de solução do problema por parte da Prefeitura de Fortaleza”, indica o CMSF.

Devido aos problemas de recursos, a gestão do IJF solicitou duas suplementações orçamentárias em 2024 para COGERFOR, mas não obteve retorno positivo. Os pedidos não atendidos, inclusive, são citados na Ação Civil Pública (ACP) ingressada pelo Ministério Público do Estado do Cerará (MPCE), segundo confirmou a promotora de Justiça, Ana Cláudia Uchoa, em conversa com a reportagem. 

No desdobramento mais recente do processo, uma audiência de conciliação foi realizada para debater a situação do IJF, com a participação de representantes do Ministério Público, da Procuradoria Geral do Município, da Prefeitura de Fortaleza, na última terça-feira (26). O encontro determinou que a gestão municipal deve apresentar um plano de ação, até o dia 6 de dezembro, para tentar conter a crise.

VEJA NOTA DA PREFEITURA DE FORTALEZA NA ÍNTEGRA:

“A Prefeitura de Fortaleza vem tomando as providências necessárias para garantir o atendimento aos pacientes e o abastecimento de medicamentos e insumos no IJF desde a identificação dos problemas. A força-tarefa formada por representantes das Secretarias da Saúde, Finanças e Procuradoria Geral do Município atua para garantir celeridade nos processos e normalizar a situação o quanto antes. 

Em relação ao Plano de Ação, este será apresentado em audiência no próximo dia 06 de dezembro. A força-tarefa já identificou as dificuldades, iniciando as negociações com fornecedores e cooperativas e tomando as ações necessárias para executar o plano.

O IJF é um hospital de portas abertas de alta complexidade que atende pacientes vindos de todo o Estado, sendo mantido em sua maior parte com recursos municipais. Aproximadamente metade dos pacientes atendidos na unidade são oriundos de outras cidades do interior do estado. Não existe, em toda a rede pública ou privada do Ceará, uma única instituição de saúde que disponha de uma equipe multidisciplinar tão completa quanto à do IJF, capaz de atender as necessidades dos pacientes que chegam à emergência.”