Prefeitura aprova construção de prédio com 98m acima do limite em área do antigo ‘Hotel Esplanada'

O custo para a mudança de alguns índices, incluindo o aumento da altura, foi calculado pela Prefeitura em R$ 54 milhões. A concessão foi autorizada e a obra aguarda o licenciamento

Um terreno na Av. Beira-Mar, em Fortaleza, na esquina com a Av. Barão de Studart, onde entre 1978 e 2015 existiu o prédio do Hotel Esplanada, abrigará mais um superprédio na Capital. A área do hotel desativado em 2002 está vazia desde que o imóvel foi demolido entre 2014 e 2015. Em fevereiro de 2023, a empresa Idibra, do Grupo Dias Branco, dono do terreno, pleiteou junto à Prefeitura a construção de um prédio de 170,63 metros e recebeu a concessão. O tamanho ultrapassa em 98,63 metros a altura estipulada para a região.

O espaço em questão está localizado em uma área supervalorizada e de vista privilegiada da cidade, de frente para o mar, no quadrilátero composto pelo Av. Beira-Mar, Av. Barão de Studart, Av. Historiador Raimundo Girão e a Rua Francisco Dias Ribeiro, no bairro Meireles. 

Conforme o projeto da empresa apresentando à Prefeitura no pleito da concessão da Outorga Onerosa (mecanismo que permite a flexibilização de parâmetros, mediante o pagamento feito ao poder público) a edificação de 170,63 metros será uma torre residencial com 40 apartamentos, sendo 20 deles com área privativa de 673,22m² e outros 20 de 661,94m². 

No processo, a Prefeitura cobrou pela outorga R$ 54,8 milhões. Mas, a empresa vai apenas completar esse valor, pois em 2016 (ano em que começou a vigorar em Fortaleza o mecanismo legal que regulamentou a aplicação da Outorga Onerosa) a Prefeitura já havia dado uma concessão para que a fossem alterados alguns padrões nesse mesmo terreno, e, na época, a empresa desembolsou R$ 25,9 milhões. 

Como o empreendimento não foi construído, segundo registros da Prefeitura, o processo “ficou caduco” e foi necessário abrir outro, tendo em vista que o projeto arquitetônico também foi modificado.

A atualização desse valor, diz a Prefeitura, ficou em R$ 36,6 milhões, e agora será descontado no pagamento da nova outorga.  Logo, no cálculo final, restará à empresa pagar R$ 18,1 milhões na nova empreitada. Para isso, um Termo de Compromisso para a realização do pagamento da contrapartida ainda deverá ser firmado, segundo a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma).  

Esse valor será repassado ao Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), que deve servir para aplicações na conservação urbanística, em programas de urbanização e obras de infraestrutura. Somente depois dessa oficialização, diz a Seuma, o empreendimento passará pelo processo de licenciamento ambiental e da construção.

Mudança atípica

Em 2016, a empresa já havia solicitado junto à Prefeitura a alteração de parâmetros para construir no local uma edificação de 126,74 metros, um residencial multifamiliar com 31 apartamentos. Na época, tal qual agora, a proposição foi aprovada pela Comissão Permanente de Avaliação do Plano Diretor (CPPD), que é a quem decide sobre a concessão das outorgas. 

Mas, naquela discussão, conforme registrado em ata publicada pela Prefeitura, a alteração de parâmetros como a altura e o índice de aproveitamento foi problematizada por representantes da Universidade Federal do Ceará (UFC) e  Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB). Na ocasião, foi ponderado sobre as possíveis consequências geradas ao ampliar os índices de forma acentuada, atendendo à solicitação. 

Os dois representantes foram os únicos a votar contra a aprovação da Outorga. Outras 19 instituições presentes na reunião votaram a favor. 

Em 2016, as mudanças pleiteadas pela construtora foram as seguintes:

  • Que o Índice de Aproveitamento (medida que diz respeito a quantas vezes é possível construir em m² acima de um terreno) passasse de 3,00 para 6,00;
  • Que o gabarito (altura) passasse de de 72,00m para 126,74m;
  • Alterações nos recuos da torre inferiores a 14%;
  • Alterações nos recuos do térreo e acima do térreo.

Já 2023, a empresa solicitou uma nova Outorga para executar as seguintes alterações: 

  • Que o Índice de Aproveitamento (medida que diz respeito a quantas vezes é possível construir em m² acima de um terreno) passasse de 3,00 para 7,40;
  • Que o gabarito (altura) passasse de de 72,00m para 170,63m;
  • Mudanças nos recuos  

Na reunião em fevereiro de 2023, em que a outorga foi aprovada, a ata não registra nenhum voto contrários à proposta. Na ocasião, estavam presentes representantes dos seguintes órgãos da gestão municipal e de demais entidades: 

Poder público

Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC)

Procuradoria Geral do Município (PGM)

Secretaria das Finanças do Município (Sefin)

Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (SDE)

Instituto de Planejamento de Fortaleza (Iplanfor)

Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor)

Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP)

Outras representações

Câmara de Dirigentes Lojistas de Fortaleza (CDL)

Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza

Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Ceará (Sindionibus)

Sindicato da Construção Civil (Sinduscon)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

A empresa Dibra (Dias Branco Participações) é a detentora do terreno e do projeto e a construção do empreendimento será executada pela Idibra, incorporadora e construtora também pertencente ao Grupo Dias Branco, em parceria com a Diagonal.

Questionado sobre a previsão da assinatura do termo de compromisso para pagamento do valor da outorga, o consultor da empresa Idibra, Geraldo Magela Alves, informou que "estamos no aguardo do retorno da Prefeitura de Fortaleza". Ele reiterou as informações já apuradas pelo Diário sobre o processo de solicitação da outorga. 

Sobre as mudanças nos pedidos de 2016 e 2023 como, por exemplo, o acréscimo de altura no projeto atual, ele disse apenas que "foi a demanda de mercado". Em relação à previsão de quando as obras do empreendimento devem ser, efetivamente, iniciadas, Magela declarou que "estamos em fase de planejamento e contratação das empresas que vão executar as fundações". 

Esplanada já havia extrapolado altura

O empreendimento será erguido na área que abrigou o Hotel Esplanada, edificação inaugurada na orla de Fortaleza em 1978 e demolido entre os anos de 2014 e 2015. 

Conforme artigo “Vida e morte do Hotel Esplanada, de Paulo Casé, em Fortaleza”, dos pesquisadores, arquitetos e professores do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, Ricardo Alexandre Paiva e Beatriz Helena Nogueira Diógenes, publicado em 2019, a construção do hotel remonta a época da “consolidação da orla como espaço de lazer, pela valorização imobiliária”. 

Além disso, ocorreu em meio à verticalização da Praia do Meireles, conferindo à paisagem da orla “uma nova configuração”. O trabalho explica que, embora houvesse restrições na década de 1970 para a construção de edificações altas na orla, o próprio Hotel Esplanada, cujo projeto data de 1971, foi incluído como exceção e teve a construção permitida pela Prefeitura com altura acima da prevista na legislação. 

Até 1979, diz o trabalho, “ano em que lei municipal 5.122-A instituiu, entre outras diretrizes, a verticalização em várias áreas da cidade; os edifícios altos localizados naquela via (Beira-Mar) só podiam ter até oito pavimentos”. Com a lei, o gabarito estabelecido passou a ser de 72 metros. 

Nesse contexto, registra o artigo, “o Hotel Esplanada, com 21 andares, cumpriu um papel importante, tanto no processo de verticalização da Beira-Mar, como na gênese do desenvolvimento da atividade turística e hoteleira na capital cearense”. 

Histórico do antigo hotel

Conforme o Centro de Documentação do Sistema Verdes Mares (Cedoc), matéria de junho de 1988, do Diário do Nordeste registra que o hotel foi projetado pelo arquiteto carioca Paulo Casé, tendo 21 andares e 238 apartamentos. Uma das características é que todos os apartamentos tinham a frente para o mar. 

No hotel , diz o artigo “Vida e morte do Hotel Esplanada, de Paulo Casé, em Fortaleza”, o acesso principal era feito pela Av. Barão de Studart e o de serviços pela Av. Raimundo Girão. A entrada junto à Av. Beira Mar, servia para “o coffee shop e para os banhistas, fazendo a ligação entre o mar e a piscina”. 

Segundo registros do Diário do Nordeste, o Esplanada foi o primeiro do Ceará com a classificação cinco estrelas. Arquivos do Cedoc também indicam que o hotel foi fechado no dia 6 de abril de 2002 para reforma e, à época, estava sendo reformado para “ganhar uma nova administração”. 

Já em 2004, o Grupo Otoch, então proprietário do hotel, vendeu a edificação ao grupo português Dorisol Hotels. Passados 10 anos, em junho de 2014, o empresário cearense Ivens Dias Branco adquiriu a propriedade do grupo, já com planos de construção de um edifício residencial. Em novembro do mesmo ano teve início a demolição que durou pouco mais de um ano. O empresário faleceu em 2016.