As praias de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, são importantes pontos turísticos do Ceará, reconhecidas internacionalmente pela gastronomia e pela prática de esportes como surfe, kitesurf e windsurf. No entanto, um novo projeto pretende transformar uma delas em espaço autorizado para o naturismo, permitindo o trânsito de pessoas sem roupa.
A iniciativa é da Associação Naturista do Ceará (Anace), entidade criada em 2020 para defender a filosofia naturista e dar ao estado do Ceará representatividade no âmbito nacional. Atualmente, ela é formada por 32 pessoas, de acordo com o presidente Evandro Cruz.
O representante explica que a praia naturista é uma demanda não só do grupo, mas de praticantes de outros Estados e países que visitam o Ceará. Hoje, a Federação Brasileira de Naturismo (FBrN) reconhece 8 praias de naturismo no país, sendo apenas duas no Nordeste:
- Praia do Pinho, em Santa Catarina, primeira do Brasil e reconhecida em 1988
- Praia de Pedras Altas, em Santa Catarina
- Praia da Galheta, em Santa Catarina
- Praia de Barra Seca, no Espírito Santo
- Praia Olho de Boi, no Rio de Janeiro
- Praia do Abricó, no Rio de Janeiro
- Praia de Tambaba, na Paraíba
- Praia de Massarandupió, na Bahia
“Pela extensão geográfica do Ceará, já era pra termos uma. Acredito que isso precisava de alguma associação para tomar a frente”, pensa Evandro. Do litoral de 573 km, ao longo de 20 municípios, foi escolhida uma área próxima à praia da Barra do Cauípe, no sentido Porto do Pecém.
Desde janeiro deste ano, a Anace elabora o projeto junto a projetistas e topógrafos - estudando o tamanho e a delimitação da área - e líderes comunitários. Nas contas da associação, há 24 comunidades próximas (incluindo indígenas, quilombolas e ribeirinhas) que precisam ser incluídas na iniciativa, já que a movimentação poderá gerar emprego e renda.
Os habitantes também são cotados para contribuir com a manutenção e limpeza do ambiente, outro pilar defendido pelos adeptos do naturismo.
O local precisa ser bem reservado. Não é algo da noite para o dia, estamos fazendo um projeto muito bem embasado e incluindo a comunidade. Queremos deixar tudo legalizado, organizado, com infraestrutura, barracas para comer e beber e espaço de camping, para movimentar a economia. No ato da aprovação, o poder público entra com a segurança.
O presidente já conheceu quatro praias naturistas no Brasil e vem consultando suas regulamentações e dirigentes para verificar o que é possível adaptar, incluir ou excluir do contexto cearense.
A decisão de tornar real a proposta dos naturistas depende de regulamentação de Prefeituras e Câmaras Municipais. Segundo Evandro, a expectativa é enviar o documento à Câmara Municipal de Caucaia no mês de outubro.
Em nota divulgada na manhã de quarta-feira (17), a Prefeitura de Caucaia informou que "não há ciência e nunca houve qualquer debate, sequer foi avaliado", o uso da praia do Cauípe como ponto da prática do naturismo.
Nudismo ou naturismo?
É importante esclarecer que o naturismo é um comportamento que valoriza a vida ao ar livre. Assim, a nudez social é entendida como forma de convivência íntima e integração com a natureza, além de estabelecer contato com a própria essência e aceitar o próprio corpo.
A prática não é ilegal e está amparada por um Código de Ética aprovado em 1996. São faltas graves passíveis de expulsão dos locais, por exemplo, “ter comportamento sexualmente ostensivo e/ou praticar atos de caráter sexual ou obscenos nas áreas públicas”, bem como praticar violência física.
No Brasil, o termo “nudismo” precisou ser substituído por “naturismo” para evitar sua vinculação a atividades sexuais. Porém, ainda hoje, a atividade é rodeada de preconceitos e tabus.
“Todos somos conscientes de nosso papel como naturistas e multiplicadores da causa. Mostramos que a prática não é só estar nu e desmistificamos que naturismo é algo ligado ao sexo”, defende Evandro Cruz, ressaltando o aspecto de sustentabilidade da filosofia. “O naturista faz a limpeza da praia, do sítio, de trilhas, e se preocupa em deixar o ambiente como encontrou”, destaca.
Legislação em análise
No Brasil, o naturismo já está previsto em leis estaduais e municipais, mas falta regulamentação nacional sobre o tema. Há cinco anos, está em tramitação em Brasília o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 64/2018, que regulamenta a prática em âmbito nacional.
Segundo o texto, o espaço naturista é aquele devidamente sinalizado e autorizado pelo poder público estadual, municipal ou do Distrito Federal, situado em área destinada exclusiva, como praias, clubes, imóveis rurais, acampamentos ou outras hospedagens.
As autoridades municipais também poderão condicionar a licença a determinados limites de área e períodos do ano. “A prática da atividade em áreas autorizadas não constitui ilícito penal”, descreve a possível norma.
O projeto foi desarquivado em março deste ano e encontra-se na Secretaria Legislativa do Senado Federal, aguardando ser colocado em pauta.
Atualmente, apesar de o Código Penal não proibir a prática de modo claro, o naturista flagrado nu em área não permitida pode ser detido por ato obsceno (artigo 233). A pena é detenção, de três meses a um ano, ou multa.