"Eu ainda vou comprar um ônibus e transformar numa casa para morar dentro". Esse é o objetivo de vida da aposentada Maria Celia Cláudio, de 68 anos, que passou como herança o amor pelos veículos aos filhos. Um deles levou o encantamento por coletivos para a vida profissional e se tornou motorista. Fernando Victor, de 40 anos, revela que a brincadeira de criança, incentivada pela mãe, se tornou cotidiano — e hoje ele se autointitula "Motorista do Amor".
"Sempre foi o sonho dela ser motorista. A nossa diversão era sair para uma missa, tomar um sorvete na [avenida] 13 de maio, descer para a rodoviária, bater foto. Naquela época nós não tínhamos como bater foto como hoje. Coloquei na minha cabeça: 'vou realizar o sonho da minha mãe. E hoje trabalho como motorista de ônibus por amor. É onde levo meu nome: 'Motorista do Amor'", contou ao Diário do Nordeste.
Detestados por muitos, os ônibus possuem fãs chamados de busólogos. São pessoas apaixonadas pelos veículos, que têm como atividade de lazer o estudo de ônibus e de assuntos relacionados. O dia desse grupo e dos motoristas de coletivos é celebrado nesta quinta-feira, 25 de julho.
Paixão por ônibus
No âmbito profissional, Fernando Victor explica que fica feliz com a interação com passageiros e as experiências que vive. Como admirador de coletivos, gosta de acompanhar os lançamentos de novos modelos e fica feliz ao rever clássicos.
Ele se considera parte da categoria de busólogos desde os 2 anos. "De lá para cá, viajei o Brasil inteiro andando de ônibus". Ele acumula mais de 24 mil fotos de veículos e passagens antigas por todo o Brasil.
Mãe do motorista, dona Célia explica que o filho quase nascia em um ônibus. "Eu estava com oito para nove meses [de gestação], e a gente resolveu viajar [para Recife]. Quando chegamos lá, o fiscal falou: 'a senhora é louca'. Aí me colocaram numa parte de luxo. Bem pertinho de nascer. Só foi chegar [a Fortaleza] e nasceu", relembrou.
O filho narra que um dos momentos mais felizes que viveu em um coletivo foi quando teve dona Célia como passageira.
Eu não tinha visto ele ainda dirigindo. E quando passei em frente ao Terminal da Parangaba eu falei para minha menina: 'o Victor tá ali'. Aí corri para a pista e ele veio. Eu chorei muito. Fiquei muito feliz. Ainda deu uma voltinha comigo no terminal
De todas as capitais do País e o Distrito Federal, Victor só não conhece Maceió e Porto Alegre. O motorista contou que fez uma "loucura" durante um mês viajando somente de ônibus, como passageiro, fazendo o itinerário: Fortaleza - São Paulo - Porto Velho - Manaus - Santarém - Belém - Fortaleza. "Deu um mês fechado. Algumas hospedagens foram no ônibus ou na rodoviária", relembrou.
A distância mais longe que ele já fez como passageiro foi de Fortaleza a São Paulo sem pausas. Porque o que Victor gosta é de "quebrar viagens", realizando várias paradas nas cidades.
Fãs fotografam ônibus e viajam para conhecer veículos
Uma das atividades do busólogo é fotografar os ônibus. A reportagem esteve na visita de um grupo a uma garagem, no bairro Parangaba, em Fortaleza — um dos pontos de encontro dos apaixonados pelos coletivos. No encontro, era possível ver pessoas de todas as idades, de 7 a 40 anos. Todos são parte do Mob Ceará, uma página nas redes sociais administrada por Narcisio Santos e Paulo Henrique Felicio.
O grupo foi criado há 13 anos, e todos os admiradores de ônibus são bem-vindos. "A gente acolhe todos esses busólogos. Desde os mais novos como os mais antigos. Cada uma expressa sua paixão de forma diferente. Seja na filmagem dos ônibus, na coleção de miniaturas, viagens ao Interior que costumamos fazer também para ver ônibus antigos", relatou Narcisio, que é motorista de aplicativo.
Recém-chegado ao grupo, Francisco Erick, de 11 anos, começou a gostar de ônibus aos quatro anos e conheceu o grupo nas redes sociais com a ajuda da mãe. "Vejo como um hobby. Eu fui começando a gostar... Tô até hoje gostando de ônibus. Tiro foto de carro novo por dentro, gravo vídeos dos ônibus se movimentando", contou o garoto em sua segunda visita a garagens.
Narcisio conta ainda que o grupo viaja a cada cinco ou seis meses para o Interior para conferir os veículos dos municípios. "A gente escolhe uma cidade específica e vamos fazendo buscas, porque no Interior a idade média dos ônibus é maior e a gente acaba encontrando os que a pertenceram a Fortaleza, operando em outros serviços. A gente fica feliz, revive muitas coisas", descreveu.
Gabriel Esteves é operador de telemarketing e iniciou a história com a busologia na escola, em 2017. "A empresa que operava no meu bairro incluiu um carro com ar-condicionado. Até então não tinha tido isso, e eu tava saindo da escola e vi aquele ônibus passando... E fiquei olhando para ele. No dia seguinte, eu enganei a professora para sair mais cedo para pegar aquele ônibus que eu queria ver. Peguei ele por dois dias seguidos. No terceiro dia peguei um número na lateral do carro, pesquisei e descobri de onde veio aquele ônibus, como ele surgiu, quando ele foi comprado, tudo", relembrou.
Coleção de miniaturas
Para o colecionador de miniaturas e operador de máquinas Ailton Basílio, de 36 anos, a paixão por ônibus começou na infância, ao perceber que o barulho do veículo anunciava a chegada da mãe dele do trabalho.
"Gravava o ônibus que ela vinha, a numeração. Conhecia também de longe pelo barulho que fazia. E ali começou a despertar minha paixão. Minha paixão por miniatura foi por gostar de modelos e tê-los gravados para a história. Porque, com o passar dos tempos, os ônibus são vendidos. E, com a miniatura, eu já tenho a minha réplica e a história gravada para mim, para o meu cotidiano", descreve.
O colecionador possui 46 miniaturas de ônibus e se considera busólogo desde 2007.
Os veículos em tamanho pequeno são de empresas de Fortaleza e Região Metropolitana, sendo urbanos, rodoviários e de fretamento. Ailton explica ainda que os objetos são encomendados a um fabricante de Caucaia, pelo valor, em média, de R$ 260.
'Eles criam a história'
O professor Mario Ângelo, atuante na área de Engenheira de Transportes, ressalta que os coletivos são veículos úteis para a sociedade. "Esse encantamento com os ônibus serve inclusive para cativar outras pessoas, mostrar que é um modo de transporte interessante. É melhor do que você ficar admirando carrões", afirma.
Ângelo ainda frisa que busólogos são fundamentais para guardar a memória dos veículos. "Se a gente utilizasse mais ônibus ao invés de automóveis, seria melhor. E esse pessoal, com esse trabalho deles, também tem essa utilidade. Eles criam a história. De algum modo você consegue ver se o sistema, como o sistema evoluiu, o que melhorou. Ou o que continua na mesma, porque você vai verificando, eles vão mostrando os veículos ao longo do tempo", explica.