O que mudou no Centro de Fortaleza em 50 anos? Veja 7 grandes alterações no bairro histórico

São transformações em logradouros, modificando aspectos físicos e usos, mas também alterações “simbólicas” em locais que mexem com o imaginário popular

Um bairro que encarna a história da cidade em si. Prédios, logradouros, formatos, vias e paisagens. Vestígios que sinalizam para os outros 120 bairros de Fortaleza, que a memória da Capital passa, necessariamente, por lá. O Centro de Fortaleza e seus inúmeros recursos, contradições e conflitos, no decorrer do tempo, apaga e reergue símbolos

O Diário do Nordeste lista ao menos 7 mudanças ocorridas no Centro nos últimos 50 anos. São transformações em logradouros, modificando aspectos físicos e usos, mas também alterações “simbólicas”, marcadas por processos que mexeram com o imaginário popular e com o próprio protagonismo do Centro. 

Em 1973, explica o professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza (Unifor), Pedro Boaventura, em Fortaleza e outras grandes cidades começou a ficar mais acirrado o “fenômeno da descentralização”. 

“A cidade cresce a partir do seu núcleo original, que no caso de Fortaleza é ali no (Riacho) Pajeú, na Catedral, a 10ª Região, e daí ela começa a se expandir”, reitera.

Ele acrescenta que há 50 anos, essa descentralização impulsionou novas centralidades em alguns bairros e polos. Além disso, ressalta, o Centro apesar de ser uma área economicamente forte, passou a experimentar o fenômeno pendular: “de dia o Centro ferve e à noite ele fica esvaziado”. 

Já o professor do curso de História e do Programa da Pós-Graduação em História, Culturas e Espacialidades da Uece, Gleudson Passos, ressalta que nas últimas 5 décadas, o Centro viveu “mudanças enormes do ponto de vista arquitetônico, mesmo que tenha a permanência de inúmeras construções antigas”. 

Mas, a aposta, defende o professor, é que “o Centro, apesar dos desgastes, nunca vai deixar de ter centralidade. Sempre vai ter essa referência. Para conhecer Fortaleza, tem que circular pelo Centro em algum momento. Só se conhece Fortaleza incluindo o Centro”.  

Confira algumas mudanças

1. Transformação na Estação e na Praça 

Uma das mudanças recentes no bairro foi a entrega da Estação das Artes, nas proximidades da Praça da Estação. Em 2022, o Governo do Estado concluiu a reestruturação do equipamento, que durante décadas serviu como ponto de embarque e desembarque, e ele foi reaberto com outro tipo de uso: um Complexo Cultural. 

A estação e os galpões da antiga Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), foram transformados e hoje abrigam a Estação das Artes, o Mercado Gastronômico, a Pinacoteca do Ceará, o Centro de Design e o Museu Ferroviário, além das novas sedes da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Ceará (Iphan-CE). 

No passado, a Estação foi erguida aproveitando uma estrutura já existente da Estrada de Ferro de Baturité (1873).

Oficialmente, a Estação João Felipe foi inaugurada em 9 de junho de 1880. Um decreto presidencial de 1946 denominou Estação João Felipe. O equipamento é tombado tanto pelo Governo Federal, como pelo Estadual. 

O arquiteto Robledo Valente, explica que em 2019 foram feitos estudos de prospecção da Esplanada da Estação João Felipe. Esses estudos, completa ele, "se basearam principalmente no conjunto de edificações e não entrou no escopo do projeto a Praça”. 

Em relação à praça, ele conta que antes ela “tinha um busto do General Sampaio, que depois foi para a 10ª Região Militar, se chamou Senador Carreira, depois da via férrea para depois, em 1932, se chamar Castro Carreira, porém ficou mais conhecida popularmente como Praça da Estação”.

Em uma imagem de 1900 é possível ver a estátua do General Sampaio na Praça, que era um campo de terra batida “com poucos caminhos e  os combustores de gás”, acrescenta ele.

O arquiteto explica que, possivelmente, baseado em fotos encontradas, o desenho original da Praça é de 1932, mas “com o tempo perdeu as árvores e depois virou um terminal de ônibus, perdendo assim suas características originais”.

Durante a década de 1970 a praça foi adaptada para servir como terminal de ônibus. Entre interrupções e retornos a praça teve essa função até o início da última reforma. 

“Quando restauramos edificações, temos que ter em mãos testemunhos que comprovem a história das edificações como fotos, desenhos, estudos de prospecções e relatos que podem ser de publicações ou orais. No caso das Praça da Estação, existem várias fotos e talvez alguns desenhos de posse da antiga RFFSA que tenham vestígios iconográficos sobre o desenho da Praça quando a esplanada definitiva foi entregue”.
Robledo Valente
Arquiteto

Ele destaca que “é saudável para as cidades e seus habitantes ter seus bens materiais tombados ou não restaurados, pois estamos restaurando a história da cidade e seus significados afetivos junto à população”.

2. As várias ‘versões’ da Praça do Ferreira

A Praça do Ferreira é um dos logradouros mais ressaltados quando se fala em ícones culturais e sociais de Fortaleza. No decorrer dos anos tem sido também um dos símbolos da cidade a passar por sucessivas reformas. 

Em distintas fases, a praça já teve caixa d'água, bancos de duas faces, "frades-de-pedra" para amarrar cavalos, quiosques de famosos cafés, coreto (que serviu de palanques para diversas manifestações políticas), dentre outras características.

A última grande intervenção ocorreu há pouco mais de 31 anos, entre agosto e dezembro de 1991. 

Na época, o projeto assinado pelos arquitetos Delberg Ponce de Leon e Fausto Nilo, durante a gestão do prefeito Juraci Magalhães, segundo registros do Centro de Documentação do Sistema Verdes Mares (Cedoc), tentou resgatar características da praça  na década de  1930. 

Isso porque resgatou, dentre outros elementos, a Coluna da Hora, cartão postal da cidade, que havia sido erguida em 1933 pelo prefeito Raimundo Girão, que havia derrubado o coreto e erguido a primeira Coluna da Hora, derrubada em 1967. 

Na obra de 1991 também foram recriados jardins do início do Século XX e segundo edições do Diário do Nordeste da época, aos pés da Coluna foi estruturada a fonte e resgatada a cacimba cavada em 1824 pelo Boticário Ferreira, razão do nome da praça”.

No decorrer das reformas, a cacimba tinha sido soterrada e só na última grande intervenção em 1991, foi redescoberta, mudando o projeto dos arquitetos. 

3. Praça José de Alencar já teve terminal de ônibus

Nos últimos três anos, a Prefeitura voltou a anunciar a idealização de projeto de uma estrutura de embarque e desembarque de ônibus nas proximidades da Praça José de Alencar.  A ideia ainda segue ritos burocráticos para sair do papel. 

Mas, vale recordar que nos últimos 50 anos, a praça já teve estrutura semelhante. Abrigou coletivos, deixou de recebê-los, depois tornou a ser ponto de embarque e hoje se mantém sem eles.

Na atualidade, a ideia é estruturar um miniterminal de ônibus que funcionará ao lado da praça. 

O equipamento deve ser implantado especificamente entre a praça e a Estação de Metrô. Conforme o projeto deverá ter duas plataformas para embarque e desembarque de passageiros, e uma terceira para integração com o transporte metroviário.

Na década de 1950, a praça foi o principal ponto de partida de várias linhas de ônibus no Centro.

Nos anos 1960, devido a congestionamento surgiram discussões para a retirada dos ônibus do local. Já em 1971, a Praça da Estação passou a receber os coletivos. 

Mas nas últimas 5 décadas, em 1979, a Praça José de Alencar voltou a receber as linhas. 

O Diário do Nordeste de outubro de 1985 registra que “a Praça José de Alencar sofrerá alterações com o alargamento da Rua Liberato Barroso e a abertura da Rua 24 de maio”. Naquele período, ao menos 55 linhas de ônibus paravam na praça.

Em 1987, o Diário do Nordeste noticiou que a carência de recursos dificultava a transferência do terminal de ônibus da José de Alencar para o quarteirão que fica entre o logradouro e a praça da Lagoinha.  No mesmo ano, a estação foi extinta no local.

4. Dois endereços do “Beco da Poeira” 

Um dos comércios populares mais conhecidos e simbólicos do Centro de Fortaleza, o “Beco da Poeira”, nasceu na década de 1980 e ficou no mesmo local até 2010, quando saiu das proximidades da Praça José de Alencar e foi para a Av. Imperador, também no Centro. 

Conforme o Centro de Documentação do Sistema Verdes Mares (Cedoc), edições do Diário do Nordeste registram que antes do galpão, com travessias estreitas, piso irregular e lotado de boxes começar a operar em 1987, o “Beco da Poeira” já existia em condições mais precárias do que a estrutura conhecida que funcionou por mais de 20 anos próxima à praça.  

Em 1987, a edição do Diário do Nordeste informou que “o espaço conhecido como Beco da Poeira foi destruído, drenado e aplainado para que pudesse receber feirantes, vendedores de carnes, peixes, frutas e verduras, remanescentes da praça José de Alencar”.

Antes da instalação da estrutura que durou até 2010, diz o jornal em novembro de 1987, “foram removidas 53 barracas, pequenos bares, restaurantes, casebres e até motéis”. 

Registrado oficialmente como Centro de Pequenos Negócios, em 1989, o Beco da Poeira funcionou no entorno da praça até abril de 2010, quando a estrutura foi removida para a construção de uma das estações da Linha Sul do metrô.

Na época, o espaço foi cedido para a Associação de Vendedores Autônomos do Estado do Ceará (Aprovace). 

A mudança no Beco da Poeira mobilizou a opinião pública. Comerciantes protestaram contra a retirada dos boxes, mas a decisão da remoção foi cumprida.

Hoje, o comércio continua em um espaço da Av. Imperador, e a Prefeitura tenta construir um mini-terminal na área que abrigou o Beco da Poeira e fica ao lado da Estação José de Alencar. 

5. Mercado Central mudou de lugar em 1997

Os mercados públicos são estruturas que marcam a história das cidades. Em Fortaleza, o funcionamento do mercado Central data de 1809, como espaço de venda de carnes, frutas e verduras. Mas, isso não ocorria na estrutura que hoje é conhecida como Mercado Central, na Av. Alberto Nepomuceno próximo à Catedral Metropolitana. 

Até 1997, o Mercado Central de Fortaleza funcionava em um prédio na Rua Conde D’Eu.

Somente em janeiro de 1998 passou para a atual estrutura. Em 1931 houve uma restrição de venda de produtos como carnes e frutas, o que favoreceu, à época, o surgimento dos boxes de artesanato. 

Inaugurado em 1998, o Mercado Central é um local bastante visitado por turistas e evidencia aspectos da cultura, arte e gastronomia local. O novo mercado tem mais de 500 boxes distribuídos em 5 pavimentos. O equipamento está localizado ao lado da margem esquerda do Riacho Pajeú. 

A Lei 8073 de 21 de outubro de 1997, publicada na edição do Diário Oficial do Município em 5 de novembro de 1997, assinada pelo prefeito Juraci Magalhães, diz que a Prefeitura outorgou à Associação de Lojistas do Mercado Central a administração do novo equipamento, de 9.690,75 m² na Av. Alberto Nepomuceno.

A medida vedou aos permissionários mudarem o ramo do comércio que exerciam na estrutura anterior.  

Já o antigo prédio do Mercado, por alguns anos funcionou como espaço administrativo, abrigando o Centro de Referência do Professor, da Prefeitura de Fortaleza. Em julho de 2013, passou a ser a sede do Centro Cultural Banco do Nordeste. 

6. Saída da Assembleia e do Tribunal de Justiça; planos de retorno da Câmara

Outro aspecto é a saída de prédios de instituições de poder do bairro. Dentre eles, a sede da Assembleia Legislativa. A instituição foi sediada no Centro até 1977. Entre 1871 e 1977 foi abrigada no prédio em que atualmente é o Museu do Ceará. Em 1977, a Assembleia foi transferida para a atual sede na Av. Desembargador Moreira, no bairro Dionísio Torres. 

O Tribunal de Justiça do Ceará, que atualmente fica no Cambeba, também já foi sediado no Centro. A instituição já teve 4 sedes, sendo 3 delas foram no bairro. 

Após ter funcionado na antiga Rua Amélia, hoje Senador Pompeu, (1ª sede); no prédio que é o Sobrado Dom José Lourenço, na Rua Major Facundo, (2ª sede); e na Rua Barão do Rio Branco (3ª sede), o TJ  foi para o Cambeba em 1986.

Já a Câmara Municipal, que é outro órgão cuja sede já foi no Centro, tem projeções diferentes das demais instituições: plano de retorno ao Centro. 

No bairro, o legislativo municipal já foi sediado próximo a Praça da Sé; na sede da Academia Cearense de Letras; na Rua Sena Madureira; em prédios próximos às Praças do Ferreira e do Carmo; e na Rua Barão do Rio Branco. 

Em 1971, a Câmara migrou para a Rua Antonele Bezerra, no bairro Meireles e em 2004 foi transferida para a Rua Thompson Bulcão, no bairro Patriolino Ribeiro, onde funciona até hoje.

Mas, há alguns anos a possibilidade de retorno do legislativo ao Centro vem sendo debatida.

Em 2020, o Governo do Estado transferiu o uso do antigo Lord Hotel para a Prefeitura. O prazo da cessão é de 25 anos. 

O atual presidente da CMFor, Gardel Rolim, já disse ao Diário do Nordeste que irá retomar o debate com parlamentares e “com outros segmentos da cidade”.

“Sou favorável à ideia, é importante para a Câmara estar no Centro, para que as pessoas possam ter proximidade com o parlamento, mas precisamos discutir a melhor forma, a melhor maneira de fazer isso”, disse. 

7. Chegada do Metrofor

No decorrer do tempo, o Centro de Fortaleza viu o uso dos bondes elétricos ascender e decair. No bairro também manteve ativo pontos de embarque e desembarque do trem que liga Fortaleza a Caucaia. E, em agosto de 1999, testemunhou a renovação desse modal de transporte, quando tiveram início as obras do metrô de Fortaleza.  

O equipamento foi inaugurado em 2012. Mas as estações do Centro foram as últimas a serem entregues, sendo concluídas somente em 2013. No percurso de 24,1 km da maior linha metroviária em operação no Ceará, interligando Fortaleza a Maracanaú e Pacatuba,  três estações estão localizadas no Centro. São elas: São Benedito, José de Alencar e Chico da Silva. 

A implantação do modal, dentre outros aspectos, incrementou as formas de chegada e partida do Centro da cidade.

O bairro concentra boa parte dos 3,9 km do trecho subterrâneo do metrô, e por isso, a paisagem não foi tão impactada pela implantação do modal. Contudo, a estruturação das estações alterou o uso de alguns espaços, como a Estação José de Alencar, que para ser executada precisou retirar o “Beco da Poeira”. 

Outro ponto de mudança é o projeto da Linha Leste do metrô, cuja assinatura da ordem de serviço ocorreu oficialmente em 2018. A linha que será subterrânea também terá estações no Centro. 

Mas, antes do início das obras, já em 2014, a intervenção alterou algumas dinâmicas no bairro. Uma delas, ainda em 2014, foi a suspensão do embarque e desembarque na histórica estação João Felipe - que hoje é a sede da Estação das Artes.

Desde então, o equipamento permanecia fechado, sendo reaberto em 2022, com a entrega da nova Praça da Estação e do complexo da Estação das Artes.