Ao abrir a porta de casa, numa sexta-feira comum, vó Vanda não imaginava dar de frente com 9 netos adultos, de mochilas nas costas e flores nas mãos, para ficarem juntinhos como na época das férias escolares, em Fortaleza. Em meio à rotina agitada da família, encontrar tempo foi o presente entregue à matriarca de 90 anos.
O Diário do Nordeste traz a história do amor que atravessa gerações para Vanda de Castro no Dia dos Avós, celebrado nesta sexta-feira, 26 de Julho. A origem desta data faz homenagem à Santa Ana e São Joaquim, avós de Jesus, pela tradição católica.
Assim, obedecendo as sagradas escrituras de Salmos 71:9, que diz "Na velhice, não me abandones", os netos se reuniram para surpreender a idosa em fevereiro deste ano e já planejam uma nova ocasião para este Dia dos Avós.
São 14 netos ao todo, mas como alguns vivem fora da capital cearense, 9 deles conseguiram formar um grupo inspirado num movimento compartilhado nas redes sociais. A ideia é passar uma noite com os avós sem aviso.
“De pronto, todo mundo topou porque minha avó tem um papel muito importante na família. Ela nem sempre está fisicamente, mas é presente na vida de todos”, resume a neta Marcela Gondim, de 39 anos.
Minha avó tem um problema no ombro, mas parecia que ela não tinha dor nenhuma. A sensação que dava é que naquele momento a dor ficou de lado e ela conseguiu se divertir bastante
Interessada por jogos, vó Vanda disputou baralho e bingo com os netos. Ao descobrir o brinquedo “jenga” – uma torre de madeira que vai sendo modificada por cada participante até cair – encontrou um novo favorito.
"Fiquei muito emocionada e feliz de ver os meus netos aqui na minha casa, com sacolas e malas para passarem a noite comigo. Fiquei com os meus netos brincando, cantando, rindo, fazendo piada até de madrugada", lembra a avó.
Sou grata a Deus pela família grande e unida que Ele me deu, sempre estão presentes na minha vida, nunca faltam na minha casa
Marcela atesta a felicidade da avó ao ver que o momento realmente teve um impacto positivo. “Ela está contando isso para todo mundo, até para o médico, e ele pediu para fazer de novo, porque ela está muito feliz”, acrescenta.
Por isso, a família resolveu comemorar também o Dia dos Avós, que foi um pouco adiado devido a um quadro de gripe. Enquanto isso, Marcela aproveita para lembrar da infância, vivida em contato direto com a avó.
“A família é muito grande e a nossa infância foi na casa da vovó no sítio onde a gente passava as férias. Ela era a avó que brigava, que tinha de acordar cedo. A gente podia brincar, mas ela sempre foi muito disciplinadora, porém muito amorosa”, pondera.
Rotina da vó Vanda
Esse amor compartilhado entre 6 filhos, 14 netos e 16 bisnetos leva a uma cena incomum para muitas famílias: quando vó Vanda precisa ficar no hospital, há uma certa competição para saber quem vai acompanhá-la.
“A gente só não faz mais momentos como esse (surpresa) pela loucura da vida, mas ela sempre foi uma pessoa muito brincalhona, referência como esposa, mãe, e em todos os lugares da vida dela”, conclui Marcela.
Vó Vanda compartilha a rotina com uma filha e um neto, além da cachorrinha Dara. Há 4 anos, o companheiro por cerca de 70 anos de vida, Fernando Xavier de Castro, partiu.
“A gente teve muito medo quando ele faleceu, ela chegou a ter uma certa depressão. Então, isso também faz com que a gente tente preencher a vida dela”, observa Marcela. Com pouco tempo, também precisou lidar com a morte de uma filha.
Ainda assim, a matriarca cuida da alimentação com constância e faz fisioterapia para se manter em movimento. “Sempre foi muito vaidosa, sempre muito cuidadosa com a saúde, comendo frutas e verduras”, completa.
Essa energia toda, inclusive, a leva vez ou outra para a Arena Castelão, onde assiste aos jogos do Fortaleza, o time do coração, e ainda tira fotos com os torcedores.
Em casa, entre encontros e visitas, a avó permanece deixando boas marcas na família, como na filha de Marcela, que descobriu o “melhor cheiro do mundo” na “bivó”.
Saúde mental dos idosos
Os idosos convivem constantemente com a perda. Seja de familiares, amigos ou da própria mobilidade, como contextualiza a psicóloga clínica Cecília Alves, mestre em Psicologia. Por isso, a família surge como um dos principais pilares para ter qualidade nessa fase da vida.
"O que nós percebemos muito sobre o processo do envelhecimento é que, a partir de uma certa idade, as pessoas parecem fazer parte de uma outra categoria, deixam de ser o ‘João’ ou a ‘Maria’ e se tornam o idoso, como se essa pessoa não tivesse mais as habilidades e características", completa.
Evitar o isolamento é uma atitude que beneficia não só aos idosos, mas a todos da família. "A convivência entre idosos e netos é muito rica, são universos diferentes. Existe um fortalecimento de questões emocionais, sensação de pertencimento, de segurança e validação", frisa.
Enquanto uma casa com crianças se torna colorida e agitada, a presença dos idosos pode trazer reflexões e maior calma para aproveitar a vida.
"É muito característico da juventude uma percepção equivocada de que o mundo passou a existir no momento em que se torna adulto. Nós temos um passado, nossa sociedade tem uma história, e quanto mais estudamos sobre a nossa cultura mais claro fica o que vivemos hoje"
A gente sai de uma visão egocêntrica da vida e passamos a entender um pouco da dinâmica de uma realidade totalmente diferente. Todos nós, com sorte, vamos envelhecer e ter um vínculo com outras gerações é ajudar o nosso próprio processo de envelhecimento