Quando Jonas Santos, 17, iniciou o ensino médio em 2021, em plena pandemia, o sentimento foi de estar “totalmente perdido”. O baque de entrar na nova fase recém-saído do ensino remoto, porém, foi amenizado por uma experiência inesperada: a entrada no grêmio estudantil.
Neste 11 de agosto, quando se celebra o Dia do Estudante, o Diário do Nordeste ouviu adolescentes da rede estadual de ensino sobre a importância pessoal e profissional das vivências nos grêmios. Um sentimento é unânime entre eles: o de crescimento.
“Me sinto mais maduro”
Por convite de uma amiga, então presidenta do grêmio da Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Matias Beck, em Fortaleza, Jonas começou a participar das reuniões de estudantes e “se encontrou”.
Com o objetivo principal de “tirar essa visão que a comunidade tem de que escola pública é ruim”, o adolescente passou a desenvolver, junto aos outros membros do grêmio, projetos de esportes e cultura, para aproximar os demais alunos da escola.
Outra ação que fazemos é a entrega de absorventes todo mês pras meninas, além de conversar com os alunos que ficam mais reservados nas salas, no intervalo, pra saber o que tá acontecendo, se podemos ajudar. É melhor quando um aluno ajuda o outro.
Para Jonas, a experiência contribuiu, inclusive, para consolidar uma das escolhas mais importantes da vida de um adolescente: a profissão a seguir. “Vai ser gestão empresarial. Aqui, tomo decisões rápidas, gestiono pessoas, preciso ter ideias de projetos, e acho que posso usar isso na vida profissional”, pondera o estudante.
“Quando a gente entra no grêmio, fica mais maduro, vira adulto, porque está cuidando de outros jovens, outros alunos. Isso mudou a minha visão do meu futuro”, frisa Jonas.
“Alunos precisam de representação”
Não é possível saber se a fala articulada de Jamilly de Oliveira, 16, veio antes ou depois de se tornar presidenta do grêmio estudantil da Escola Estadual de Educação Profissional Miguel Gurgel, em Messejana – mas o tom desenvolto se destaca.
“O contato direto com a gestão da escola e poder levar as necessidades reais dos alunos até ela” são, segundo a adolescente, as possibilidades que mais a estimulam no trabalho. “Uma escola com grêmio está fortalecida, por ter esse contato com os alunos, que têm o direito de falar do que precisam”, opina Jamilly.
No grêmio, desenvolvi autonomia, senso de liderança, de criatividade, de responsabilidade, de planejamento. Estar na presidência, escutar e acolher todos os alunos não é fácil. Mas estamos crescendo.
A fala, sempre no plural, indica outro aprendizado que Jamilly carrega do grêmio para a vida: “acolher” e “incluir”, que talvez foram os verbos mais conjugados por ela, durante a conversa e as ações mais fortalecidas pelo grêmio no “pós” pandemia.
“Estamos desenvolvendo um projeto pedagógico de auxílio pros alunos que têm dificuldades em matérias, pra puxá-los pra escola, pra se sentirem mais acolhidos no ambiente escolar. Queremos fortalecer projetos que incluam os alunos”, pontua a estudante.
Ter uma parcela jovem pensante é ideal não apenas para a comunidade escolar, mas para a sociedade como um todo. Num ano de eleições, Jamilly reforça que o grêmio contribui para fortalecer a ideia de democracia e do que se quer dos futuros governantes.
“A gente é um grêmio democrático, que luta pela educação, anda junto com os estudantes e visa a democracia em todas as decisões que são tomadas. Então queremos que nossos representantes políticos ajam igual”, sentencia.
“Conseguimos tirar 130 títulos de eleitor”
Ver como a juventude pode ser “participativa e protagonista da própria história” despertou em Gabriel Sousa Santos, 17, o encantamento por estar no grêmio. Hoje, ele preside o órgão estudantil na EEMTI Simão ngelo, em Penaforte, na divisa do Ceará com Pernambuco.
Num contexto em que a população “precisa escolher entre estudar e trabalhar”, tendo “a falta de emprego e de conhecimento” como regra, Gabriel aponta que direcionar os estudantes a buscarem uma carreira, sem desistir, “é o principal propósito”.
O que mais motiva o grêmio é trazer protagonismo pros alunos, mostrar que eles podem ter voz, reivindicar direitos, ter a gestão como aliada e não como inimiga. Trazer diálogo e, com ele, melhorias. Mostrar o que é ser cidadão.
O intuito de fortalecer o que é cidadania, aliás, resultou numa ação dos gremistas para emissão em massa de títulos de eleitor entre os estudantes de 16 anos ou mais. Com um notebook fornecido pela escola e usando a própria hora do almoço, os alunos emitiram 130 documentos.
“Antes disso, fizemos um trabalho sobre a importância da cidadania, o poder de cada voto, o que é direito político e civil. Os alunos se interessaram muito”, orgulha-se Gabriel, cuja fala politizada e consciente contrasta com a pouca idade.
O futuro médico resume ainda, em poucas palavras, um conceito que muitos adultos ainda desconhecem: o do respeito ao outro como dever essencial.
“São muitas mentes que pensam diferente num lugar só, e quando a gente assume um grêmio estudantil, precisa ouvir todas. Vivemos num país muito intolerante. No grêmio, começamos a ouvir pessoas que sofrem racismo, homofobia, passam fome. E quando começamos a ouvir, podemos ajudar.”
80% das escolas estaduais têm grêmio
O foco em fortalecer a atuação dos grêmios estudantis foi adotado pela Secretaria Estadual da Educação (Seduc) desde 2016, segundo Jucineide Fernandes, secretária executiva do Ensino Médio e Profissional.
Ela explica que gestores e estudantes são mobilizados na tentativa de universalizar esses órgãos, fundamentais para estreitar os laços entre alunos e escola e estimular o sentimento de pertença – o que contribui para a permanência dos jovens nos estudos.
Os grêmios são os locais onde os estudantes se sentem representados, levam as reivindicações. A escola respeita esse espaço do jovem, que participa do planejamento das ações.
Jucineide afirma que, periodicamente, são realizados fóruns estaduais e regionais da rede estadual com participação dos gremistas. “Eles também têm assento no conselho escolar, trazendo a visão do estudante para o planejamento das escolas”, destaca.
Todo o apoio com materiais, espaço para reuniões e logística é fornecido pela rede estadual, a fim de facilitar a atuação dos estudantes – que se torna complementar ao processo de ensino-aprendizado e de desenvolvimento de competência.
“A participação no grêmio é o primeiro momento que os jovens começam a desenvolver habilidades sociais, comunicativas e de liderança, o que garante um exercício da cidadania mais forte, de defesa da democracia e dos direitos de opinar nas decisões. Isso garante o pertencimento ainda maior do aluno àquela escola”, finaliza a gestora.
Qual a origem do Dia do Estudante?
Em 11 de agosto de 1827, Dom Pedro I autorizou a criação dos primeiros cursos superiores no Brasil, em Pernambuco e São Paulo, ambos de Direito. Cem anos depois, o jurista Celso Gand Ley propôs que a data homenageasse todos os estudantes.
Também nessa data, em 1937, foi a criada a União Nacional dos Estudantes (UNE), entidade que representou a categoria em diversos movimentos populares, como as "Diretas Já".
Outra data voltada a homenagear a classe estudantil é 17 de novembro, Dia Internacional do Estudante, em alusão à resistência estudantil à ocupação nazista, em 1939, na antiga Tchecoslováquia.