Maior montanha do Ceará está embaixo d’água e recebe navio alemão em expedição para pesquisa

No Dia do Meio Ambiente, o Diário do Nordeste debate sobre o Banco de Aracati, que guarda uma biodiversidade ainda desconhecida em mais de 3,5 mil metros de altura

A maior montanha do Ceará está, na verdade, debaixo d’água: o Banco do Aracati, a cerca de 120 km do litoral do município de Aracati, possui mais de 3,5 mil metros de altura de uma biodiversidade ainda desconhecida. Na tentativa de investigar o que existe por lá, uma expedição internacional coletou amostras para identificar nutrientes, peixes e condições ambientais, em maio.

No Dia Mundial do Meio Ambiente, lembrado nesta segunda-feira, 5 de junho, o Diário do Nordeste apresenta os detalhes já descobertos da montanha submarina chamada Banco do Aracati, que é 3 vezes maior do que o Pico da Serra Branca, em Catunda, de 1.154 metros, considerada a montanha em terra mais alta do Ceará.

A estrutura natural debaixo do mar pode ter relevância para a preservação de espécies marinhas, como reserva de peixes, e conter minerais de interesse econômico. O “oásis” na imensidão azul, mesmo distante do contato humano, é ameaçado pela poluição e pelo aquecimento global, numa escala ainda não dimensionada.

Devido à distância e alta profundidade, os cientistas ainda buscam as primeiras informações sobre o banco oceânico. Mas já se sabe que essas formações são de origem vulcânica e abrigam espécies como atuns, cavalas, dourados, espadartes e tubarões.

Há inúmeras estruturas naturais semelhantes distribuídas pelo Nordeste, que formam corredores ecológicos e devem ser priorizadas para conservação da biodiversidade marinha, como avaliam cientistas.

A iniciativa para conhecer o Banco do Aracati é da Universidade Federal do Ceará (UFC) em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), além de pesquisadores dos EUA e da Alemanha. A Marinha do Brasil também dá apoio às atividades.

Marcelo Soares, pesquisador no Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da UFC, compara o espaço às serras cearenses, onde a vida animal e vegetal são destaque.

“Da mesma forma que a Serra de Baturité e a Chapada do Araripe, por exemplo, têm uma vida incrível, e uma quantidade imensa de recursos, é a mesma coisa lá. Tem uma área de pesca importante e de grande biodiversidade”, conclui.

Para investigar os detalhes disso, foi utilizado o Navio Maria S. Merien, de origem alemã, que possui estrutura de laboratórios e de equipamentos específicos para esse tipo de coletas em montanhas submersas. As amostras foram feitas no dia 22 de maio e os resultados podem ser apresentados no período de um ano.

Dois pesquisadores foram até o Banco do Aracati, onde encontraram o navio alemão e juntaram esforços para as coletas.

O Navio segue nas próximas semanas rumo ao arquipélago de Açores, em Portugal, onde também deve fazer análises. As amostras brasileiras serão analisadas no Ceará, em Pernambuco e em São Paulo.

Montanha submersa

O Banco do Aracati possui uma imensidão de 56 km de comprimento,33 km de largura e uma ampla biodiversidade devido à dinâmica no mar. Isso porque as correntes marinhas levam muitos materiais que “batem” na estrutura e se fixam.

"Essas montanhas submarinas fazem parte de uma cadeia de montes vulcânicos conectada com Fernando de Noronha e o Atol das Rocas", explica Marcelo Soares.

Estamos estudando porque esses locais são oásis da vida marinha. Imagina um local que nasce a mais de 4 mil metros de profundidade, e tem alguns espaços muito rasos, entre 20 e 350 metros…
Marcelo Soares
Pesquisador no Labomar

Ralf Schwamborn, professor do Departamento de Oceanografia da UFPE, participa da pesquisa e acrescenta que os bancos modificam as fortes correntes ao seu redor e geram um fenômeno chamado "ressurgência".

“Nestes bancos, as águas profundas, ricas em nutrientes inorgânicos, são misturadas com as águas superficiais, e com isso fertilizam as camadas mais rasas, o que gera a  ‘ressurgência’”, explica.

Para o especialista, estudar as dinâmicas física, química, biológica e ecológica desses ecossistemas pode mostrar como os bancos oceânicos sustentam a atividade pesqueira. Apesar da relevância ambiental, o Banco do Aracati também está vulnerável aos danos ambientais.

“Esses ecossistemas únicos estão gravemente ameaçados por inúmeros fatores, como o aquecimento global, a acidificação dos oceanos, a sobrepesca e a poluição com macro e microplásticos”, ressalta o especialista.

Por dentro da expedição

O Relatório Semanal do navio alemão, ao qual a reportagem teve acesso, registra que ainda no domingo (21), à noite, os pesquisadores chegaram aos montes submarinos e começaram as medições da temperatura e da salinidade da água.

Foram coletadas amostras de água da superfície e até no mar profundo. Algumas delas foram colhidas em 4.200 metros de profundidade para estudar a composição química da água, os nutrientes inorgânicos dissolvidos e os organismos microscópicos.

Alguns artigos científicos já foram produzidos sobre os bancos oceânicos, mas não foram produzidas imagens até o momento. Ralf contextualiza que há um projeto para retornar ao local e registrar o Banco do Aracati em vídeos.

“Esses bancos oceânicos também foram objeto de pesquisas bilaterais Brasil-Alemanha na década de 1990, a bordo do navio oceanográfico alemão Victor Hensen”, detalha Ralf.

Conheça alguns equipamentos usados:

  • Rosette (ou roseta): é um conjunto de um grande número de garrafas Niskin, que se fecham automaticamente em profundidades previamente programadas e coletam amostras de água em cada camada. Alcança até 4.200 m de profundidade.
  • UVP (Under water vision profiler): faz imagens em tempo real de partículas orgânicas e animais microscópicos, como zooplâncton, em várias profundidades. As imagens são usadas para medir, identificar automaticamente e catalogar os organismos na água.
  • Multinet: Equipamento que coleta animais microscópicos em várias profundidades.
  • ADCP (Acoustic Doppler current profiler): é um perfilador hidroacústico de correntes. O equipamento mede correntezas em várias profundidades.
  • CTD (Conductivity-Temperature-Depth): sonda que mede profundidade, salinidade, temperatura e clorofila.

Em meio aos equipamentos complexos, um momento lúdico também marcou a expedição. Os pesquisadores levaram bolas de isopor e um bicho de pelúcia de uma escola alemã para mostrar os resultados da pressão debaixo d’água.

As bolas de isopor, pintadas por crianças alemãs, foram compactadas após serem levadas aos 4.200 metros de profundidade. Por serem impermeáveis, não voltaram ao tamanho original. Ao contrário do ursinho, que voltou intacto à superfície.

“Isso serve para mostrar aos alunos e a todos os demais o efeito da pressão da coluna de água de forma muito clara”, detalha o relatório. Incentivo à Ciência na infância.

Avanço científico

Essa é a primeira expedição científica internacional para entender, literalmente, com mais profundidade, quais as riquezas do Banco do Aracati. 

"É uma alegria muito grande, eu sonhava há muito tempo fazer pesquisas lá, mas é algo muito caro por ser longe e fundo. Nós conseguimos fazer nessa parceria com os americanos e alemães", descreve Marcelo Soares.

Conhecer a montanha submersa também é uma forma de preservar a reserva de biodiversidade, como analisa Ralf. “São verdadeiros "oásis" de produtividade em meio a um "deserto azul", conclui.