Jericoacoara tem dona? O que se sabe sobre disputa em que mulher diz ter 80% da Vila no CE

Acordo entre a empresária e o Governo do Estado prevê transferência de parte da vila turística a ela; comunidade protesta

Cerca de 50 mil m² da Vila de Jericoacoara, em Jijoca, devem ser transferidos pelo Governo do Ceará à propriedade de uma empresária cearense. Iracema Correia São Tiago, 78, afirma ser dona de uma área equivalente a 80% da vila turística desde os anos 1990. O assunto é tratado em processo extrajudicial entre ela e a Procuradoria Geral do Estado (PGE).

O acordo para transferência das terras foi firmado em 2023, sem participação da comunidade, segundo o Conselho Comunitário de Jericoacoara, que é contra o acerto. A PGE concedeu, então, um prazo de 20 dias para a entidade se manifestar, prazo que finda em 4 de novembro.

O Diário do Nordeste conversou com um familiar de Iracema São Tiago, com representante da comunidade de Jeri e com órgãos públicos estaduais e federais para reunir o que se sabe sobre o caso e quais as possíveis repercussões da transferência das terras.

Afinal, Vila de Jericoacoara tem ‘dona’?

Segundo Iracema, que se manifesta por meio de advogados, o ex-esposo (José Maria de Morais Machado) adquiriu, em 1983, três terrenos em Jericoacoara, totalizando mais de 714 hectares de área – propriedade assegurada por escrituras públicas. Dentro desta área estão cerca de 80% da Vila de Jericoacoara.

Em 1995, a cearense se divorciou do marido, ficando com esse território na partilha de bens. Em paralelo, no mesmo ano, o Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace) iniciou o processo de regularização fundiária em Jeri, cadastrando moradores e transferindo a eles o título de propriedade das terras onde moravam.

Para fazer isso, o Estado arrecadou 88 hectares da Vila de Jericoacoara. Isso significa que o poder público não encontrou documentos que atestassem que as terras já tinham dona – e, então, as tomou como propriedade para transferir oficialmente aos moradores.

Mas dos 88 ha arrecadados em 1995, 73 ha já pertenciam, com registro cartorial, a Iracema São Tiago. Anderson Parente, advogado da família, acredita que a falta de tecnologia, “com matrículas escritas à mão ou datilografadas”, e a mudança de localização dos cartórios da região à época podem ter impedido o Estado de encontrar os registros das terras.

A Procuradoria Geral do Estado (PGE) reconhece a autenticidade das escrituras, pontuando, em nota ao Diário do Nordeste, que está “tudo regularizado perante o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), conforme atesta o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural”.

Dos 73 hectares pertencentes a Iracema, ela reivindicou ao Idace, inicialmente, a retomada de apenas 18 ha, que seriam a única área não ocupada por moradores, comércios ou terrenos de interesse público. O restante foi cedido pela empresária.

Em resumo, então:

  • 88,3 hectares da Vila de Jericoacoara foram arrecadados pelo Estado em 1995;
  • Destes, 73,5 ha estão dentro da área privada pertencente a Iracema São Tiago;
  • Dentro desta porção privada, 55,3 ha já estão titulados a moradores e comerciantes de Jeri ou ao Município, e seriam, então, cedidos pela proprietária; 
  • Restaram 18,2 ha a serem restituídos à propriedade dela.

Contudo, Samuel Machado Guimarães, empresário do ramo agropecuário e sobrinho de Iracema, afirmou, em entrevista ao Diário do Nordeste, que o acordo inicial já foi modificado, de modo que, hoje, a família reivindica uma área “de no máximo 5 hectares”, o equivalente a 5 campos de futebol.

“Em cima dos 80% que falam que ela tem, ela está ficando com menos de 4%, que foi justamente o que o Estado e o Município dispuseram a ela. Para não mexer na vida coletiva, foi aberta mão dessas áreas. Foram feitos todos os tipos de concessões necessárias ao acordo, para não mexer em momento algum na rotina da Vila”, diz.

Os moradores serão impactados?

O acordo entre a PGE e a proprietária dos terrenos, como ressalta a procuradoria, “estabelece que, de toda a Vila de Jericoacoara, apenas uma parte menor da área arrecadada, menor que 10%, não ocupada por pessoas em moradia/trabalho ou construções, é que passariam ao proprietário”. 

A reportagem não conseguiu precisar, com órgãos e comunidade, quantas famílias compõem a Vila.

“A atuação da PGE se deu justamente no sentido de resguardar as pessoas e propriedades que já habitavam a área antes da reivindicação do proprietário, protegendo-as de serem retiradas por ordem judicial”, situou o órgão estadual, em nota à reportagem.

Anderson Parente, advogado da família, reforça que “tudo o que foi pleiteado nos requerimentos nunca mexeu em quem estava lá”, e que a família “se apegou aos imóveis livres, sem construção nem nada, imóveis sem posse”.

Samuel, sobrinho de Iracema, garante que “foi orientação dela não reivindicar nada que tivesse alguém morando, só o que estivesse desocupado”, o que, segundo ele, foi ao encontro do que a PGE propôs, o que facilitou o estabelecimento de acordo amigável. 

“Foi o encontro do útil ao agradável. A tia Iracema disse: ‘se tiver área desocupada, recebo. Se não tiver, não recebo mais nada, fica a arrecadação valendo. Quero a comunidade intacta.’”

O advogado Anderson Parente acrescenta que “se a comunidade está se sentindo lesada e precisa apresentar documentos e trazer alguma discussão, estamos de portas abertas para nos reunir com quem for”.

Por que a comunidade é contra a transferência das terras

Lucimar Marques, presidente do Conselho Comunitário de Jericoacoara, relata que a comunidade descobriu sobre o acordo após buscar regularizar um terreno onde seria instalada uma Horta Viva, área cedida pelo Idace à entidade – mas que está entre as reivindicadas por Iracema São Tiago.

Segundo Lucimar, os terrenos que a família afirma serem desocupados são “áreas verdes, onde nunca foi permitida construção nenhuma”, e incluiriam trecho da Praia da Malhada, uma das mais importantes da região.

“Vamos defender nossas áreas verdes e de preservação, porque são nossas, fazem parte do nosso mundo, os turistas amam. Jericoacoara não passou a existir de 1983 pra cá não, já tem mais de 100 anos. Por que a nossa história pra trás não existe pra eles?”, questiona. A Vila foi fundada em 1923, de acordo com a Câmara Municipal de Jijoca de Jericoacoara.

A presidente do conselho acrescenta que “a Praia da Malhada é protegida ambientalmente”, e observa que “quem comprou pousada de frente pra ela vai ser prejudicado”. “Não queremos entregar nossas terras pra quem nunca teve terra aqui. Eles pagaram o IPTU esses anos todos? Fizeram alguma manifestação quando o Idace começou a regularizar as terras?”, questiona.

A reportagem buscou ouvir o ICMBio sobre o assunto. Em nota, o instituto disse apenas que “possui ciência do caso e vem acompanhando as informações repassadas pelo Conselho Comunitário de Jericoacoara”, adicionando que “as unidades de conservação criadas em áreas de propriedade privada passam pelo processo de regularização fundiária”.

“Cabe ressaltar que a Vila Turística fica fora do território do Parque Nacional de Jericoacoara, e faz parte da área urbana do município de Jijoca de Jericoacoara”, finaliza a nota.

Por que a família demorou a buscar as terras?

A reivindicação das terras pela família junto ao Idace, processo extrajudicial no qual a PGE entrou como mediadora, foi formalizada apenas em julho de 2023 – 28 anos após o divórcio entre Iracema São Tiago e José Maria Machado. As datas constam na petição redigida pelos advogados de Iracema ao órgão estadual.

Samuel, sobrinho da empresária, justifica que “em 1995, quando saiu o divórcio, a tia Iracema recebeu as terras, ficou muito abalada, e não tinha gerência de nada disso, porque ela era do lar”, e que só em 2002 ele e os primos “se juntaram para começar a regularizar as terras dela”.

“Em 2002, com a criação do Parque Nacional de Jericoacoara, começamos a buscar as plantas e documentos cartoriais (para provar a propriedade das terras). Foi quando descobrimos a arrecadação do Estado, que começou em 1995, no auge da separação”, relembra Samuel.

De acordo com a PGE, “a discussão sobre a questão junto ao Idace precede julho de 2023”, já que “em 2022, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) já havia sinalizado ao Estado a sobreposição” das áreas registradas por Iracema e pela arrecadação estadual.

O ICMBio é o órgão ambiental brasileiro responsável por gerir e proteger as unidades de conservação federais, que é o caso do Parque Nacional de Jericoacoara, criado oficialmente em fevereiro de 2002.

Quem é a família ‘dona’ da Vila de Jericoacoara

O imbróglio sobre o território da Vila envolve Iracema Correia São Tiago, ex-mulher de José Maria de Morais Machado. Ele, já falecido, era nativo de Sobral, na Região Norte, e, segundo o sobrinho, Samuel Machado, adquiriu diversas fazendas e terrenos para plantio de caju e coco, desde os anos 1980.

Segundo Samuel, o tio chegou a registrar, em fotografias datadas de agosto de 1982, a região de Jericoacoara onde planejava adquirir a Fazenda Junco I. Nas imagens, às quais o Diário do Nordeste teve acesso, aparecem as casas da Vila, ladeadas por uma grande extensão de dunas e terras.

Um dos questionamentos da comunidade atual de Jeri é sobre desconhecer Iracema, o que Samuel rebate. “Não têm como conhecerem minha tia, ela mal ia lá. E ela perdeu o sobrenome ‘Machado’ após o divórcio. Lá conhecem a família Morais Machado”, afirma.

À reportagem, Samuel mostrou fotos que seriam do tio, José Maria, reunido com nativos e pessoas que levou à região para trabalhar nas plantações. “Ele chegava a ficar nas casas de lá, pra fiscalizar os trabalhos”, recobra o familiar.

O que a família pretende fazer com as terras?

A reportagem questionou Samuel, sobrinho de Iracema e empresário do ramo agropecuário, sobre o que a família pretende fazer nas terras que reivindica e das quais deve retomar a propriedade legalmente. O representante familiar afirmou que ainda não sabem ao certo.

“Primeiro estávamos preocupados em resolver as questões e receber os títulos. Com isso na mão, vamos fazer todos os estudos adequados pra isso. Mas acredito que o que a família quer fazer é alguma coisa que melhore o emprego, o turismo e acrescente coisas boas à região”, diz.

O advogado Anderson Parente, que acompanhou a entrevista, acrescentou que “ninguém sabe o que será feito, mas o Plano Diretor da cidade será respeitado, porque não pode ser de outra forma”. “Não dá pra imaginar que vai ser construído um hotel enorme com 15, 20 andares. Não tem na região, não é permitido.”

O que dizem os gestores públicos

O prefeito eleito de Jijoca de Jericoacoara, Leandro Cézar, se posicionou “totalmente contra a ‘doação’ dessas áreas verdes”, e afirmou, em vídeo nas redes sociais, que a futura gestão está “pronta para defender nosso patrimônio natural”.

“Nossa prioridade é proteger nossas áreas verdes e garantir que Jeri continue sendo esse lugar único e preservado que todos amamos”, disse.

Já o governador Elmano de Freitas afirmou, em entrevista ao programa O Povo News, que “é importante você reconhecer o direito das pessoas”, explicando o processo de arrecadação das terras e reforçando que a documentação que comprova a propriedade de Iracema “é válida”. 

“A PGE passou meses investigando em cartório a origem dessa escritura. Tenho absoluta confiança nos procuradores do Estado, e a conclusão a que chegaram é que a escritura é válida”, pontuou, acrescentando que, por lei, “o Estado está obrigado a reconhecer”.

Leia as notas de posicionamento na íntegra:

Nota do Idace:

“O Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace) informa que, durante o processo de arrecadação das áreas devolutas da Vila de Jericoacoara, realizado junto ao Cartório de Registro de Imóveis de Acaraú na década de 1990, não foram localizadas matrículas de propriedades inseridas na poligonal correspondentes às terras arrecadadas.

Mesmo sem a identificação de certidões de titularidade à época, o Governo do Ceará, como em todos os processos de arrecadação públicos, inseriu uma ressalva na matrícula correspondente à área. Essa ressalva estabelece que, caso surgisse um proprietário com documentação legítima que comprove a propriedade de um imóvel dentro da poligonal, com registro anterior à arrecadação estadual, o Estado reconheceria esse direito, excluindo a área da matrícula pública.

A ausência de tecnologias como o georreferenciamento e outras ferramentas de precisão disponíveis atualmente levou à sobreposição das propriedades. Dado o impacto desse processo, especialmente sobre as pessoas que já residiam e trabalhavam no local, a questão foi encaminhada à Procuradoria Geral do Estado do Ceará (PGE-CE). 

A PGE-CE, com assessoramento técnico-cartográfico do Idace, conduziu um acordo que visou proteger as famílias e comerciantes locais, evitando que fossem removidos de suas casas e estabelecimentos em decorrência de eventuais litígios. No âmbito desse acordo, mediado pela PGE-CE, a proprietária renunciou a todas as áreas dentro de sua propriedade que estivessem ocupadas por moradores ou por empreendimentos comerciais, turísticos e de serviço.

Essas áreas, que representam mais de 90% da matrícula da proprietária, permanecerão sob propriedade do Estado, permitindo a continuidade do processo de regularização fundiária e garantindo a permanência de famílias e comerciantes. Atualmente, há 743 lotes geocadastrados na Vila.

Somente os terrenos que ainda estavam registrados em nome do Idace e que não estavam ocupados serão transferidos à proprietária, representando uma pequena porção da Vila. Além disso, todas as vias e acessos locais foram preservados.

Ressalta-se que o reconhecimento do direito de propriedade, conforme o acordo, não isenta a proprietária de cumprir as normas ambientais e as restrições municipais para construções. Essas regras, independentemente do titular da propriedade, continuarão sendo observadas, com a devida fiscalização dos órgãos competentes.”


Nota da PGE/CE:

“A Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE) esclarece que a Vila de Jericoacoara trata-se de área arrecadada pelo Idace ao estado do Ceará. Por ser uma área arrecadada, é obrigado se fazer constar, na respectiva matrícula, a ressalva quanto à obrigação do Estado de, aparecendo algum proprietário que comprove que possui imóvel, dentro da matrícula estadual, registrado em data anterior à arrecadação, promover o reconhecimento desse direito, retirando da sua matrícula a área comprovadamente de outro proprietário.

Em processo que teve início no Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), ficou comprovado, à vista de documentos oficiais, que, na matrícula arrecadada referente à Vila de Jericoacoara, havia um registro anterior de propriedade abrangendo praticamente toda a Vila. 

Ressalta-se que, embora iniciado processo de reconhecimento da propriedade em 2023, o Estado, em 2022, já havia sido sinalizado pelo ICMBio, formalmente, sobre a existência da matrícula que embasou o acordo, a qual abrangeria também área do Parque Nacional de Jericoacoara.

Dado o impacto do processo, sobretudo para as pessoas já estabelecidas no local, ele foi encaminhado à PGE-CE, que conduziu um acordo de forma a proteger as famílias que já trabalham e residem na região, uma vez que, caso simplesmente se retirasse a área do real proprietário da matrícula do Estado, muitos residentes e donos de comércios locais poderiam ser obrigados, até judicialmente, a sair de suas casas e estabelecimentos. 

Isso significa que inúmeras pessoas que tiveram seus títulos concedidos pelo Idace nos últimos 10 ou 15 anos, bem como todos aqueles estabelecidos na região que ainda estavam na espera da regularização pelo Idace seriam prejudicados, perdendo seus estabelecimentos e residências. 

Foi para evitar esse prejuízo, que, na PGE-CE, se pensou em um acordo com o proprietário. Nesse acordo, conseguiu-se a renúncia dele de todas as terras que, mesmo estando dentro de sua propriedade, estivessem ocupadas com moradores ou quaisquer tipo de construções. 

Essas áreas, que correspondem a mais de 90% da matrícula do proprietário, permaneceriam com o Estado a fim de se dar continuidade ao processo de regularização da área, mantendo as pessoas em suas residências e o comércio local. 

Somente terrenos que ainda estavam no nome do Idace e que não estavam ocupados de alguma forma, ou seja, uma parte menor considerando o todo da Vila, é que passariam ao proprietário. Além disso, todas as vias e acessos locais foram preservados. 

Esclarece-se também que o reconhecimento do direito de propriedade, como previsto no acordo, de forma alguma, isenta o proprietário, nos respectivos espaços, de observar as regras ambientais e as restrições municipais para construções, as quais, independente do dono, continuarão sempre prevalecendo, cabendo aos órgãos competentes a devida fiscalização.

Ressalta-se que as tratativas para condução do acordo se deram de forma transparente e republicana. Além do próprio Idace, os órgãos públicos locais contribuíram com o procedimento, prestando as informações necessárias, sempre buscando proteger os interesses da comunidade e da própria Vila, cuja relevância para o turismo e a economia estadual é inquestionável e, por isso, precisa ser protegida, havendo sido essa a principal intenção do acordo. 

Importante enfatizar que, nas tratativas do acordo, em momento algum se cogitou a venda, doação ou regularização fundiária de terras pelo Idace, havendo-se promovido apenas reconhecimento de propriedade pretérita à matrícula do Estado. 

Informa-se, ademais, que, em 16/10/2024, a PGE-CE recebeu representantes da comunidade local, esclarecendo os fatos e se mantendo aberta ao diálogo, inclusive para receber manifestações, com o compromisso de apreciá-las conforme a legislação.”

Nota do Conselho Comunitário de Jericoacoara:

“A comunidade de Jericoacoara foi surpreendida uma semana atrás com a notícia de que estava sendo costurado, há mais de um ano, um acordo entre PGE e IDACE, sem a sua participação e conhecimento, para transferir passivamente terras na Vila de Jericoacoara a um particular que se diz dono de terras no local, mesmo sem jamais ter ocupado nenhuma área na vila de Jericoacoara.

A comunidade teve acesso aos documentos apenas esta semana e precisa analisar o processo administrativo para oferecer sua posição, ficando o processo suspenso.

Entretanto, a análise preliminar dos advogados consultados pela comunidade é de que a ameaça jurídica de perdas de área da vila e de terras de particulares seria mínima. Considerando que todos são posseiros há várias décadas e que as áreas públicas foram arrecadadas pelo estado há 26 anos sem que este particular tenha reclamado. Na verdade, mesmo antes da arrecadação das terras pelo Governo em 1998, referida família jamais ocupou uma única terra dentro da Vila de Jericoacoara.

Os documentos geram muitas dúvidas porque são antigos, de uma época onde medidas de fazenda eram realizadas em braças e não havia precisão topográfica. Os representantes da comunidade pretendem fazer uma análise independente nos documentos da terra.

Para além dos documentos e da parte jurídica, a comunidade de moradores e os empresários locais acham que a condução do caso feita pelos órgãos do Governo do Estado não é acertada, considerando que Jericoacoara é um importante patrimônio do acervo turístico do Ceará, que movimenta a sua economia e atrai visitantes.

O governo não é obrigado a fazer este acordo e pode lutar na justiça contra este particular e mesmo que seja derrotado, o que achamos improvável, tem a opção de indenizar o eventual direito. Nós moradores achamos muito estranho que o Governo esteja sendo tão passivo e generoso neste momento, cedendo em um acordo administrativo em seus gabinetes, ao invés de lutar pelo patrimônio de todos os Cearenses

Na opinião dos moradores, mesmo que ocorra (uma improvável) derrota, depois de uma longa luta judicial, ainda é mais vantajoso para o Ceará e seus cidadãos que este eventual direito seja indenizado ao invés de conceder-lhe as terras mais belas de Jeri, que desfigurariam para sempre este destino que é tão importante para a economia Cearense.

Os moradores acham que a estratégia do IDACE/PGE não é acertada porque não leva em consideração eventuais danos ambientais e à indústria do turismo cearense e que é urgente que este assunto também seja analisado pela Secretaria de Turismo e entidades do Trade, para que sejam levantados pontos que talvez fujam à compreensão do IDACE e da PGE.

A comunidade e os empresários de Jericoacoara acham muito estranho que um assunto de tamanho relevância, que pode impactar um dos patrimônios turísticos mais importantes do Ceará, tenha sido tratado apenas dentro de gabinetes de dois órgãos sem que esta tenha sido chamada para os debates não só a comunidade local, como também o Ministério Público, órgãos ambientais, Secretarias do Turismo, e tem o sentimento de que não foram consideradas todas as consequências negativas que o acordo representa para o Ceará.”

Carta aberta publicada pela família:

"Gostaríamos de tranquilizar os moradores, comerciantes, empresários e trabalhadores da Vila de Jericoacoara. Nos últimos dias, muitas informações distorcidas foram trazidas a público e pedimos a oportunidade de esclarecer os fatos e fazer com que a verdade prevaleça.

Nossa família nunca pediu ao Idace a totalidade das terras da fazenda Junco I, que se sobrepõe à Vila de Jericoacoara. Desde que entendemos que tínhamos o direito de questionar a arrecadação feita pelo Governo do Ceará, nossa condição para fazer isso era a de respeitar os terrenos legitimamente ocupados e titulados. Nunca se falou em tomar casas ou construções de quem quer que fosse.

A nossa reivindicação é para que nos seja dada a titularidade dos terrenos que não estão ocupados e que não sejam do interesse do Governo do Estado. E asseguramos que qualquer uso desses terrenos no futuro ocorrerá respeitando o Plano Diretor do Município. Não existe a possibilidade de causarmos qualquer transtorno para a coletividade.

Queremos participar do desenvolvimento de Jeri, como tantas outras pessoas que estão aí, muitos de outros estados e do estrangeiro. Por que eles podem e nós, cearenses, não podemos? Queremos nos somar e não dividir. Queremos dialogar e não agredir.

Estamos sendo vítimas de uma campanha de difamação. Não somos grileiros. Nossa família investe no desenvolvimento da região há muitos anos e tudo isso começou com o José Maria Machado (Zé Maria), da Firma Machado, que é de Sobral e chegou na região em 1979. A legitimidade da nossa documentação foi aferida e comprovada pelos órgãos competentes em níveis estadual e federal. Além do reconhecimento pelo Idace, ICMBio e SPU, a propriedade é certificada pelo Incra e georreferenciada.

A alteração na metragem da área dos terrenos tem relação com o avanço da tecnologia e o aumento da precisão da medição. E os pontos de referência não mudaram: ao Norte, com o Litoral/Terra de Marinha e ao Sul, com o Córrego da Forquilha, no Travessão das Pedrinhas.

Já nos colocamos à disposição do Conselho Comunitário, do atual prefeito e do prefeito eleito para conversar e esclarecer quaisquer dúvidas, mas não obtivemos nenhum retorno. Seguimos à disposição para o diálogo. Pedimos ao povo de Jeri que não se deixe influenciar pela má fé de uma ou outra pessoa que queira, de fato, se apossar desses terrenos - como já fizeram anteriormente. São essas pessoas que estão desenvolvendo uma campanha para aterrorizar o jijoquense e nos difamar. Isso nós não podemos permitir.

Queremos paz e diálogo com quem ama a Vila de Jericoacoara de verdade.

Iracema Correia São Tiago e filhos
23/10/24"