As universidades federais no Ceará perderam 13% da verba para assistência estudantil – investimento usado em bolsas e auxílios transporte e aluguel, por exemplo – nos últimos 7 anos, com R$ 56,3 milhões, em 2015, caindo para R$ 48,7 milhões, no último ano. O menor repasse do Governo Federal também abrange os recursos para infraestrutura.
Essa parte do orçamento, que inclui obras e compra de equipamentos para aulas e pesquisas, teve R$ 3,6 milhões em 2022, um valor similar ao de 20 anos atrás, quando as universidades receberam R$ 3,8 milhões, em 2002. Os dados são do Painel Financiamento da Ciência e Tecnologia, elaborado pelo Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência (Sou Ciência).
Os valores, atualizados até janeiro de 2023, foram coletados no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP) do Ministério do Planejamento. O levantamento não detalha quantos alunos são afetados por essa realidade.
A análise é feita na soma dos recursos na Universidade Federal do Ceará (UFC), com a Reitoria em Fortaleza, Universidade Federal do Cariri (UFCA), em Juazeiro do Norte, e a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), em Redenção.
Soraya Smaili, coordenadora do Sou Ciência e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), lamenta a desvalorização da assistência estudantil devido aos prejuízos que, nos casos mais extremos, levam à desistência dos alunos.
“Em 2013 nós tivemos a implantação da lei das cotas e atualmente as universidades têm mais de 60% dos estudantes de famílias de baixa renda e mais de 70% são de famílias que as mães não tiveram ensino superior”, analisa.
Essa queda significa que uma parte dos estudantes que precisava da assistência não foi atendida e dados mostram que tivemos uma evasão porque os estudantes não conseguiam estudar, principalmente nos primeiros anos da pandemia.
Em paralelo a esse problema, os estudantes matriculados são afetados pela queda de investimentos em infraestrutura. Para ter uma noção do corte, em 2010, as universidades cearenses chegaram a ter R$ 45,3 milhões para essa área.
“Os cortes nos itens de infraestrutura são maiores e isso afeta obras que não puderam ser concluídas, falta de equipamentos para pesquisa, livros que não puderam ser adquiridos e falta de centros de computadores”, exemplifica Soraya.
Além da perda na formação para os estudantes, as instituições também têm o cotidiano atrapalhado. ”Hoje as universidades sofrem muitos ataques cibernéticos porque têm equipamentos muito antigos”, completa.
Adriano Otindio Gomes, de 29 anos, reconhece a relevância do auxílio transporte e moradia que recebeu por 6 anos desde que veio de Guiné Bissau para estudar na Unilab.
"O auxílio estudantil é muito importante, principalmente, para nós estrangeiros, porque através dele conseguimos pagar as despesas. Embora, desde o início da universidade, ainda estamos recebendo o mesmo valor, então isso torna complicado para nós, porque o mercado de hoje é diferente", completa.
A soma dos dois auxílios dá R$ 530 e só o aluguel atualmente em Acarape, no Maciço de Baturité, próximo à Universidade, custa R$ 500.
"A minha universidade está a precisar de aumento de professores, principalmente no instituto de ciências exatas, que só oferece disciplina anual, precisamos também de mais transporte", acrescenta Adriano.
Expansão das universidades
Soraya Smaili contextualiza que o Ceará tinha apenas a UFC como instituição de nível superior até 2010 e houve um processo de expansão na última década.
"De maneira geral, no País, tivemos um crescimento de 100% de matrículas entre 2008 e 2012, quando chegamos em 2013 estávamos no auge da expansão e o orçamento deveria ter acompanhando isso", avalia.
A UFC, como uma universidade de grande reputação acadêmica, e 2 novas, a Unilab e o Cariri, que foram muito afetadas pelo corte, principalmente, dos últimos 4 anos.
Ela explica que o painel começou a ser elaborado no último ano com foco no financiamento da Ciência, mas nesta edição tem o objetivo de mostrar os valores repassados ano a ano para as instituições federais, de 2000 a 2002.
“Essa análise é um tanto diferente e mostra a diversidade do nosso País e que, em cada estado, as universidades têm um modelo diferente, apesar de fazerem parte do mesmo sistema”, detalha.
O que dizem as universidades
A Universidade Federal do Ceará, em nota assinada pelo reitor Custódio Almeida enviada ao Diário do Nordeste, reconhece que a falta de reajustes nos repasses do Governo Federal “tem tido impacto direto na execução orçamentária, criando dificuldades inclusive para o pagamento de contratos, especialmente aqueles relativos ao custeio”.
A gestão atual busca assegurar, sobretudo, a manutenção da assistência estudantil, conforme a nota. Foi priorizado o pagamento das empresas que fornecem refeições aos vários Restaurantes Universitários da UFC, tanto na Capital quanto no Interior, ainda de acordo com a instituição.
“Temos garantido o pagamento de bolsas de graduação, com valor reajustado, equivalente ao valor das bolsas do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), da Capes (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e da Funcap (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico)”, detalha.
Além disso, o funcionamento do transporte intercampi também não foi comprometido. “Para isso, a UFC recorreu a recursos de seu orçamento próprio, além de recursos garantidos pelo Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES).
Como se trata de um problema que aflige todas as Instituições Federais de Ensino Superior do País, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) está articulando junto ao Ministério da Educação recursos para permitir a cada universidade e instituto federal o cumprimento das obrigações contratuais até o fim do ano.
Já a Universidade Federal do Cariri, criada em 2013, informou por meio de nota que o comparativo total não se aplica à instituição. A UFCA destacou a previsão no Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2024 (PLOA), um aumento em torno de R$ 600 mil nos recursos relativos ao Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes).
“Mesmo com esse aumento, a UFCA precisa de ainda mais recursos para que todos os seus estudantes com perfil Pnaes sejam contemplados pela assistência estudantil na Universidade”, ponderou a Universidade.
Por sua vez, a Unilab destacou que “a ausência de atualização dos valores destinados à Assistência Estudantil compromete de forma significativa a permanência na universidade pública como um todo, não apenas na Unilab, especialmente daquele público que possui maiores indicadores de vulnerabilidade social e econômica".
Em nota, a instituição analisou que existem essas vulnerabilidades são acompanhadas de outros marcadores sociais, como violência doméstica, de gênero, por orientação sexual, racismo e xenofobia.
“Nesse cenário, o acesso ao ensino superior torna-se a única estratégia possível para a superação dessas dificuldades, por meio da formação educacional e acesso ao mercado de trabalho mais qualificado, capaz de promover alguma qualidade de vida no futuro”, completou a Unilab.
As limitações orçamentárias, aliadas ao processo inflacionário vivido no Brasil nos últimos anos, tornam essas ações mais frágeis quanto ao cumprimento desse objetivo, comumente descambando para retenção e/ou para a evasão de discentes do ensino superior público, necessitando, portanto, de uma urgente atualização quantos aos valores destinados no orçamento federal.