Dormir e relaxar dentro de uma rede é um hábito tipicamente cearense. Se a alternativa à cama é tão boa, por que não tentar reproduzir a experiência para ajudar recém-nascidos a se desenvolverem melhor? Acumulando bons resultados, hospitais do Ceará utilizam o suporte em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) neonatais há mais de cinco anos. Hoje, mais de 100 bebês são beneficiados anualmente.
A chamada “redeterapia” é uma técnica na qual bebês prematuros - nascidos abaixo de 37 semanas e geralmente com peso inferior a 1,5kg - com quadro clínico estável são colocados em pequenas redes dentro da incubadora. Elas ajudam a criança a adquirir uma posição mais confortável, semelhante à que ficava no útero materno.
Como a incubadora é aquecida e umidificada, com pouca luminosidade e quase sem ruídos para simular o ambiente gestacional, ajuda a promover o crescimento e desenvolvimento do recém-nascido. Dependendo da unidade, as redes podem ser fabricadas ou adaptadas a partir dos lençóis dos pacientes - em ambos os casos, o tecido deve ser leve e delicado.
O tratamento também acelera o processo de recuperação e alta dos bebês, conforme profissionais especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste. Na rede pública cearense de maior complexidade, o método é utilizado no Hospital Regional Norte (HRN) e no Hospital Geral Dr. Waldemar Alcântara (HGWA), ambos do Governo do Estado, e na Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC), vinculada ao Governo Federal.
“É uma técnica que causa maior aconchego, favorece os reflexos primitivos, a estabilização dos sinais vitais e o desenvolvimento. Além disso, a rede tem identificação cultural, as mães ficam muito felizes quando veem o bebe aconchegado, como sinal de que estão apresentando melhora do quadro”, explica a médica neonatologista do HRN, Renata Freitas.
Segundo a especialista, o bebê prematuro não consegue lidar bem com o excesso de estímulos luminosos e sonoros do ambiente externo, além da manipulação para coletas de exames e trocas de fraldas.
Rebeca Moreira Lima, fisioterapeuta da UTI neonatal do HGWA, complementa que esses fatores geram estresse. Assim, quanto mais ele se irrita, mais utiliza as reservas energéticas para chorar e sentir dor, comprometendo seu desenvolvimento.
“A gente nota que, na redeterapia, eles conseguem manter uma frequência cardíaca e ritmo respiratório mais regulares, se irritam com menos facilidade e ficam mais calmos”, registra.
Benefícios imediatos
Renata Freitas, do HRN, garante que os benefícios do tratamento são imediatos. Ao se acalmar, “o bebê se organiza”, e a médio prazo os avanços se acumulam: ocorre a suspensão do oxigênio mais rápido, a diminuição do tempo de internamento, a regulação do sono e a melhor aceitação da dieta. Tudo isso facilita a recuperação.
Uma das beneficiadas pela técnica na unidade é a pequena Maria Clarice, nascida no dia 5 de fevereiro. Já são quase quatro meses de tratamento, segundo Maria Fernanda Carvalho, 21, mamãe de primeira viagem da cidade de Bela Cruz, já que a menina nasceu com apenas 600 gramas.
A universitária conta que a filha já se alimenta pela mamadeira e iniciou o processo de saída do respirador artificial, com expectativa de alta para o próximo mês. Para ela, o uso da rede foi essencial.
“Achei lindo o jeito que colocaram ela na redinha, ajudou muito ela a ficar mais calma. Sempre colocam ela mais de frente, mais apertadinha, daí ela se sente mais abraçada e tranquiliza”, comemora. Atualmente, Clarice já atingiu 1,7kg.
Posição de relaxamento
A orientação médica para que a criança seja colocada na rede é feita em parceria com a equipe de fisioterapia, para garantir que ela permaneça na posição mais adequada ao seu desenvolvimento.
A fisioterapeuta Rebeca Moreira Lima, do HGWA, explica que é preciso fazer avaliações constantes - geralmente a cada 3 horas - para verificar a adaptação de cada bebê à postura colocada e se não houve desconforto.
É nesse momento que, muitas vezes, as equipes profissionais são surpreendidas pela forma como os pequenos se comportam.
Eles colocam a mão na boca, o pé pra fora, ou o braço pra cima, como se estivessem de férias. É cada posição mais engraçada que a outra. Além disso, é uma das formas de a gente avaliar a aceitação deles
A neonatologista Renata Freitas ressalta que alguns também cruzam a mão sobre o peito e simulam balanços. “Por isso essa identificação cultural das mães. Elas associam o bem estar do comportamento adulto ao bebê, mas a gente coloca a perninha de volta pra não ficar pendurada”, emenda.
Normalmente, os pacientes deixam de ter a redeterapia recomendada quando alcançam a estabilidade do organismo, ganham peso suficiente para saírem das incubadoras e têm condições de iniciar o método canguru, dentro de uma bolsa acoplada à mãe.
Humanização do processo
Os bebês que utilizam a redeterapia no Ceará contam com equipe multidisciplinar formada por neonatologistas, enfermeiras, técnicas de enfermagem, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e nutricionistas.
Valdênia Pereira Cavalcante, terapeuta ocupacional das unidades neonatais da Meac, garante que a redeterapia já é utilizada há 8 anos no local. Hoje, em média, são disponibilizadas entre 10 e 15 redinhas. A indicação é para prematuros com, pelo menos, 34 semanas de vida, e peso menor que 2 kg.
“É muito interessante a forma como a gente conseguiu trazer a humanização para dentro da rede. A família fica super feliz, que é nosso maior objetivo”, finaliza Rebeca Lima.