A promotora de vendas Erivanda Barroso mantém um pequeno jardim dentro de casa, no bairro Presidente Kennedy, em Fortaleza. Além de ser um hobby – “eu sempre gostei, onde vejo, pego uma” –, ela percebe um ambiente mais fresco, auxiliado por um pequeno corredor a céu aberto que conecta a sala e a cozinha da residência. Também pudera: por lá, faz muito calor.
“Quando tá muito quente mesmo, de agosto pra lá, tem ninguém que aguente. Eu preciso me refugiar no banheiro”, brinca a moradora, que confessa já ter pensado em comprar um ar-condicionado para amenizar o problema. Enquanto isso, mantém as plantas do jardim interno regadas e bem cuidadas, além de adornar as janelas com jarros vistosos.
Erivanda não está errada: urbanistas de todo o mundo recomendam investir em áreas verdes, internas ou externas, para preservar recursos naturais, minimizar desastres e contribuir para a melhoria da qualidade e temperatura do ar.
Essa é a terceira e última reportagem da série “O Futuro é Verde”, especial do Diário do Nordeste que debate como as cidades precisam se adaptar às mudanças aceleradas do clima e como as respostas estão, em sua maioria, na valorização do ambiente natural.
Maria Thereza Chaves, mestranda em Tecnologia e Gestão Ambiental pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), explica que há dois fatores para o apoio da vegetação na mitigação de ilhas de calor:
- Sombreamento direto: as árvores absorvem uma parte do calor do sol e atuam como uma barreira entre os raios solares e as construções, pisos, paredes e telhados;
- Resfriamento evaporativo: a árvore funciona como uma bomba, retirando água do solo, transferindo para a atmosfera e influenciando positivamente a umidade do ar.
Outros benefícios associados à presença de áreas verdes dentro de centros urbanos são:
- melhoria da saúde física e psicológica das pessoas, pelo incentivo à prática de atividade física
- redução da poluição do ar
- controle de escoamento de águas pluviais
- valorização estética
- criação de habitats para fauna e flora, principalmente de pequeno porte.
Ainda assim, a pesquisadora lamenta serem raros os casos de cidades onde há a devida preservação dessas áreas, principalmente de forma bem distribuída entre zonas nobres e regiões periféricas. “Isso repercute diretamente na necessidade de a gente pensar políticas públicas, planos, programas e projetos para a proteção da vegetação que ainda existe e para a criação de novos pontos”, afirma Thereza.
Interesse crescente
Nas contas da Prefeitura, Fortaleza tem uma média de 20,42 metros quadrados (m²) de áreas verdes por habitante, acima do mínimo estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de 12 m².
O número é comemorado por Luciana Lobo, secretária municipal de Urbanismo e Meio Ambiente, mas ela reconhece que há um esforço da gestão em aumentar a cobertura vegetal. “Temos uma política de arborização bem forte. De 2021 para cá, mais de 255 mil mudas foram plantadas ou distribuídas. Por causa da quadra chuvosa, sempre intensificamos no primeiro semestre”, detalha.
A gestora ressalta que os benefícios não são imediatos, mas devem ser melhor percebidos em “5 ou 7 anos”, ou seja, o tempo necessário para as árvores se desenvolverem. Ainda segundo ela, quando há necessidade de supressão vegetal por alguma obra, o empreendedor deve realizar novo plantio, de preferência próximo ao local onde está havendo a retirada, e reportar o monitoramento do crescimento à gestão durante 2 anos.
Brenda Rolim, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-CE), entende de outra forma. Para ela, Fortaleza vem crescendo de uma maneira muito rápida e pouco fiscalizada, “até desordenada”, e a cidade perdeu muita cobertura verde.
“A gente tem que tentar salvar o que ainda tem e convencer a própria população a criar novas áreas verdes. Existem construtoras que, para criar um ambiente interessante em seus empreendimentos, instalam praças dentro dos terrenos, para poder gerar uma vida mais aprazível, uma qualidade ambiental e paisagística”, ilustra.
As áreas verdes não apenas ajudam a melhorar o microclima ao redor das edificações, mas também proporcionam um ambiente mais saudável e agradável para os moradores. Além disso, a legislação e os programas de certificação ambiental têm incentivado práticas sustentáveis, promovendo soluções que aumentem a eficiência energética e o conforto térmico das construções.
De fato, segundo Patriolino Dias, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon-CE), há uma tendência crescente de incentivar mais áreas verdes nos novos condomínios. A inclusão de jardins verticais, telhados verdes e parques internos, por exemplo, são algumas das estratégias já adotadas no Estado.
No entanto, lembra Brenda Rolim, é preciso ampliar essas iniciativas para a cidade toda. Ela cita a construção de parques lineares, semelhantes a alguns instalados na China e no México, como bom exemplo de conexão entre áreas urbanas e pavimentadas com a natureza. Em Fortaleza, ela elogia a criação do Parque Rachel de Queiroz, no bairro Presidente Kennedy.
“É uma maneira o menos intervencionista possível, então você não tem grandes áreas pavimentadas, cria caminhos e tenta deixar todo o entorno o mais natural e drenante possível, pensando que a área que a pessoa tem que conviver é a própria natureza”, afirma, lembrando que a temperatura do microclima da região pode diminuir em média 5% depois da criação de um parque.
Soluções tecnológicas
Para começar a mudança, não são necessários grandes investimentos. Num experimento conduzido no IFCE Fortaleza, a pesquisadora Thereza Chaves estuda a viabilidade e a eficácia de um jardim de chuva, Solução Baseada na Natureza (SBN) de baixo custo capaz de mitigar efeitos de enchentes e ajudar na regulação da temperatura ao redor.
Esses jardins são áreas de plantio cuidadosamente dimensionadas, em depressões desniveladas com o piso, para receber grandes volumes de água que escorrem de telhados ou encanamentos. Neles, podem ser cultivadas diversas plantas nativas.
“Ele é particularmente importante quando a gente pensa na taxa de impermeabilização do solo, que está crescendo muito com a urbanização, e ainda mais com o aumento da intensidade de chuvas devido às mudanças climáticas”, aponta a mestranda.
Estudos fora do país já têm indicado uma redução de temperatura de até 20 °C dentro do jardim em comparação com seu entorno. No Brasil, a ideia já foi implantada publicamente em São Paulo e em Belo Horizonte; nesta última, em maio, foi autorizada uma lei que dá desconto de 10% no valor do IPTU caso o morador adote ou construa um jardim.
Segundo Thereza, ainda que não chova durante todo o ano, o modelo implantado no IFCE tem se mantido úmido mesmo no tempo seco e garantido a sobrevivência das espécies vegetais plantadas nele. Por isso, ela acredita que eles poderiam ser reproduzidos em diversos espaços da cidade, desde que estudados e mensurados.
“É um material de baixo custo e você não precisa de uma mão de obra super especializada. A gente também tem a oportunidade de transformar jardins convencionais em jardins de chuva. Assim, descongestionaria os sistemas de drenagem convencionais e jogaria o escoamento para um jardim de chuva, que vai retornar aquela água para o ciclo hidrológico natural e prevenir inundações”, define.
Planejamento cuidadoso
A secretária Luciana Lobo acredita que a discussão sobre o microclima é importante, mas prefere pensar numa estratégia “mais arrojada”: os Corredores Verdes. Eles constam no processo de revisão do Plano Diretor de Fortaleza, principal lei municipal que orienta como a cidade deve crescer, que está em curso desde 2019.
“Se você entrar no Parque Rio Branco, que tem vegetação frondosa e é um refúgio verde, você tem um microclima lá. Mas não é possível reproduzir Parques Rio Branco na cidade inteira. Por isso, pensamos em Corredores Verdes que façam uma interligação de forma que a cidade toda tenha esses refúgios”, explica a gestora.
A proposta do Plano Diretor, a médio prazo, é estimular o Sistema de Espaços Livres (SEL), formado pelo conjunto de áreas de preservação permanente (APPs), parques, praças, microparques e conectores verdes de eixos viários e cicloviários.
O objetivo seria ligar porções de “ecossistemas naturais ou seminaturais”, recuperando caminhos de APPs degradadas ou descaracterizadas; facilitando a dispersão de espécies e a recolonização de áreas degradadas; e integrando-os ao sistema de transporte ativo (a pé ou bicicleta) para gerar melhor conforto ambiental.
Já a longo prazo, numa política continuada, a proposta é “ampliar e manter a arborização de vias públicas, associadas aos corredores ecológicos, parques, escolas, postos de saúde, creches e hospitais, considerando como critérios de priorização o Índice de Vulnerabilidade às Mudanças Climáticas, o Plano de Adaptação de Fortaleza e o Plano Municipal de Arborização”.
Plantando uma espécie correta, mesmo que demore mais tempo para crescer, você tem em 5 ou 10 anos um benefício garantido. Você consegue reduzir 5 ºC numa rua arborizada em relação a uma não arborizada, e tem benefícios para os pássaros, para a impermeabilização do solo, para o bem estar psicológico das pessoas.
Antônio Sérgio Farias-Castro, engenheiro agrônomo especialista em Botânica e fundador do Movimento Pró-Árvore, aponta a necessidade de um planejamento baseado em evidências. Ele lembra que a cidade ainda não possui um inventário arbóreo, ou seja, um diagnóstico de espécies e de onde existe cobertura verde.
Por isso, para o especialista, não bastam os números, mas a qualidade dos plantios e da manutenção das árvores. “É uma coisa séria porque estamos falando de seres vivos. Você tem que saber os organismos que está propagando na cidade e se não são espécies danosas, porque um erro desses só vai ser constatado dois ou três anos depois”, indica.
Brenda Rolim, do CAU, arremata: investir na qualidade da cidade é investir na qualidade de vida das pessoas. “Quanto mais a cidade respeita o meio ambiente e tem ações afirmativas em relação a isso, mais é valorizada e mais recebe investimentos. Isso traz benefícios tanto sociais como econômicos”, pensa.