As chuvas extremas causam mortes, derrubam moradias e impactam milhões de pessoas no Rio Grande do Sul. No mesmo período, uma onda de calor eleva a temperatura no Sudeste em 5ºC com risco à saúde da população. Viver nesse contexto de desequilíbrio ambiental também prejudica a mente com uma reação: a ansiedade climática.
Ansiedade climática e ecoansiedade são termos para o medo crônico relacionado aos desastres causados pelas mudanças climáticas, o que gera uma preocupação sobre o próprio futuro e das próximas gerações, conforme a Associação de Psicologia dos Estados Unidos.
Os sintomas são muito parecidos com o transtorno já conhecido – a ansiedade –, mas ligados a catástrofes, como explica a psicóloga clínica Cecília Alves, mestre em Psicologia. Porém, a ecoansiedade não é uma doença catalogada em manuais médicos.
"Quanto mais entramos em contato com imagens, informações e a certeza de que as situações catastróficas existem, maior a nossa sensação de que aquilo também pode acontecer conosco", acrescenta sobre o quadro.
Sintomas ligados à ecoansiedade:
- Pânico
- Impotência
- Raiva
- Tristeza profunda
- Sensação de estar presenciando algo absurdo e chocante
- Sensação de risco para a própria vida
Luísa Weber Bisol, psiquiatra e professora de Medicina Clínica na Universidade Federal do Ceará (UFC), frisa os prejuízos para a mente no cenário climático atual.
“Uma literatura crescente relata que esses desastres naturais tiveram impactos diretos na saúde global, especialmente na saúde mental. De fato, tais desastres aumentam os riscos de depressão, transtorno de estresse pós-traumático, transtornos de ansiedade, violência e suicídio”, detalha a especialista.
Mais pessoas são acometidas com o quadro à medida que os eventos extremos estão acontecendo com maior recorrência e ampliando para áreas que não costumavam ser afetadas.
As mudanças climáticas são transformações nos padrões de temperatura e clima, seja de forma natural ou por interferência humana, como a queima de combustíveis fósseis. No entanto, as cidades brasileiras ainda não possuem infraestrutura para resistir aos eventos extremos.
"Inclusive, no nosso Estado, tem chovido bastante, com alagamento em vários lugares. Então, a sensação de perigo e de correr risco, ou ser prejudicado, cada vez aumenta", conclui Cecília. Nesta semana, o Diário do Nordeste ouviu relatos de famílias que perderam móveis, eletrodomésticos e ficaram com medo de novos estragos por chuvas intensas.
E são vários os tipos de fenômenos que castigam a população. O Observatório do Clima e Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), divide os eventos climáticos extremos em 4 categorias:
- Hidrológico: inundações bruscas, alagamentos, enchentes e deslizamentos;
- Geológicos ou geofísicos: processos erosivos, de movimentação de massa e deslizamentos resultantes de processos geológicos ou fenômenos geofísicos;
- Meteorológicos: raios, ciclones tropicais e extratropicais, tornados e vendavais;
- Climatológicos: estiagem e seca, queimadas e incêndios florestais, chuvas de granizo, geadas e ondas de frio e de calor.
O que é ansiedade climática?
Ecoansiedade, ansiedade climática, ansiedade ecológica... Os termos são definidos como estado de inquietação e angústia causados pela possibilidade de consequências graves das mudanças climáticas e pela percepção de impotência em relação aos danos irreversíveis ao meio ambiente.
A psiquiatra Luísa Bisol analisa que o conceito surgiu em meio à falta de ações políticas e o aumento da preocupação ambiental pela sociedade. “Outros termos foram propostos para 'ecoansiedade', como ‘solastalgia’, ‘estresse climático’ e ‘ecoangst’ (ecoangústia)”.
Os profissionais também investiram seriamente no assunto desenvolvendo psicoterapias, abordando recomendações e atendimentos psicológicos, teorias publicadas em livros e respondendo entrevistas
A Academia Brasileira de Letras contextualiza que a expressão "ecoansiedade" foi apresentada pela Associação de Psicologia dos Estados Unidos em 2017. Em 2021, o termo entrou para o dicionário de Oxford e, desde então, é mais usado.
Para a geóloga Sara Ferreira, de 28 anos, a ecoansiedade entrou no vocabulário no último ano, quando sentiu uma tensão no corpo ao dirigir. "Eu fui percebendo que o ato de dirigir um carro a partir de combustíveis fósseis estava me causando um dano físico”, lembra do período em que também passou a ter insônia.
Ao lidar com o assunto na terapia, Sara passou a observar a posição dela no quadro geral.
“Comecei a compreender que, querendo ou não, as minhas emissões são pequenas, e claro que com o montante de toda a sociedade influencia (as mudanças climáticas). Mas sou uma parcela ínfima”, reflete.
Foi quando adotou o ônibus, a bicicleta e a caminhada como alternativas sustentáveis de deslocamento, mas também se “libertou” da culpa por usar o carro.
Eu sei da ordem de grandeza do que estamos enfrentando, tento fazer a minha parte da melhor forma possível, conversar com pessoas sobre essas questões para, por meio do exemplo, tentar levar a modificações
Como cuidar da ecoansiedade?
Sara reconhece um “certo desespero” quando conversa sobre as consequências do desequilíbrio ambiental na vida da população. Contudo, tenta dosar as informações que consegue e pensar no que é possível fazer para a mudança no contexto dela.
Essa conduta é a mais adequada, de acordo com a análise da psicóloga Cecília Alves. Estar exposto a imagens e informações sensíveis, como das tragédias climáticas, pode ser ainda mais perigoso para pessoas que já enfrentaram situações de muita dor e perdas.
Além disso, pensar o tempo todo sobre as incertezas, faz "a gente começa a funcionar de uma forma mais insegura e adoecida".
Esse modo é chamado “hipervigilante”.
É um modo de funcionamento que gasta muita energia para a gente ficar preocupado, atento, buscando certezas e proteção, extremamente desgastante e adoecedor se ativado constantemente
“Este estressor generalizado afeta profundamente parte primordial e animalesca dos seres humanos em sua conexão com o ambiente natural, perturbando os mecanismos de defesa individuais e contribuindo para o surgimento de quase todos os transtornos mentais, embora em níveis subclínicos”, incorpora Luísa ao debate.
Sara Ferreira tem uma certeza: os desastres climáticos vão ficar mais frequentes. "Nós temos de nos acostumar com isso, e é doloroso saber e enfrentar. Eu tento não ver o sofrimento das pessoas, mas sim ajudar como é possível", completa.
Por isso, Cecília recomenda a autopreservação e a filtragem das informações para evitar relatos distorcidos, imagens fortes e notícias falsas. "Precisamos também saber do nosso limite de saber o que está acontecendo. Se você quer e pode ajudar, isso é o melhor a se fazer nesse momento", pondera.