A Beira-Mar de Fortaleza, antes de ser uma das regiões mais privilegiadas da cidade, era cortada por um trem que saía do Poço da Draga, onde ficava o antigo porto, até o Mucuripe, entre as décadas de 1930 e 1940. A finalidade principal do ramal ferroviário era o transporte de cargas, mas a linha também teve função militar de apoio aos oficiais instalados no Estoril.
Após a inauguração, em 1933, a linha saía da Estação Central, passava pelo chamado Arraial Moura Brasil, pela Secretaria da Fazenda, e seguia pela orla até chegar no atual Farol do Mucuripe. O Porto de lá, inclusive, foi construído com apoio do trem.
Também eram levados produtos como café e algodão, conforme especialistas ouvidos pela reportagem. Com o início da 2ª Guerra Mundial, o ramal também era utilizado por militares devido à proximidade da linha com o alojamento onde ficavam e o posicionamento estratégico do litoral.
P.A. Damasceno, historiador e Mestre em Ensino de História, explica que apesar da falta de documentos sobre esse uso, há conhecimento sobre o fato histórico. O especialista também é colunista do Diário do Nordeste onde escreve sobre memórias.
“A linha férrea passava muito próximo e ligava ao Mucuripe, que era o principal porto de recepção e escoamento de todos os utensílios e materiais necessários à Guerra e a logística de combate que se constituiu aqui", completa.
O historiador contextualiza que a cidade, pequena naquela época, era restrita ao entorno do Forte de Nossa Senhora da Assunção e ao quadrilátero entre a Avenida do Imperador, Duque de Caxias e Dom Manuel.
O investimento nas linhas férreas, como acrescenta o historiador, aconteceu naquele período final do século XIX como símbolo da modernidade.
“Todo esse interesse é dessa lógica de modernização da Fortaleza Belle Époque. A gente tem Vargas consolidando isso nos anos 1930 com a industrialização e Fortaleza era fundamental nesse processo”, completa.
A linha de trem foi criada antes mesmo do início das obras do Porto do Mucuripe, que começaram em 1938, como acrescenta o pós-doutor em Geografia Humana e professor emérito do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), José Borzacchiello da Silva.
Apesar disso, o projeto do porto era muito antigo e em 1941 começaram algumas operações, como destaca o professor.
“O objetivo da linha era levar material para a construção do sonhado Porto do Mucuripe. O Ceará carecia de um porto à altura de seu dinamismo e o porto do Poço da Draga já se encontrava defasado”, analisa José Borzacchiello.
Construção, Guerra e fim da linha
Os caminhos da linha do trem na orla da capital cearense foram impactados por vários acontecimentos da década de 1940. No período, foi inaugurado o Porto do Mucuripe – e isso diminuiu a movimentação da linha –, e a cidade passou a vivenciar vários tipos de modernizações.
Nesse processo, as vias férreas foram deixadas de lado em favor da malha rodoviária. “Países, como EUA, ou blocos, como a Europa, são ligados por ferrovias e o Brasil abandonou o investimento no modal ferroviário e ainda fez com que linhas inteiras fossem fechadas. O Ceará sofreu muito com isso", analisa P.A. Damasceno.
Tanto a construção do espaço militar na área da praia, quanto o uso da Ponte Metálica como porto em transição, é símbolo da transformação
Ao contrário do que acontece hoje, a orla não era nenhum pouco valorizada. As famílias com mais recursos não tinham interesse no espaço onde costumavam ficar os pescadores e pessoas socialmente não bem vistas.
Por isso, até a década de 1950, as moradias eram simples e o litoral não era usado com intensidade para o lazer. Com uma mudança cultural e os investimentos na orla, o espaço passou a ser disputado. Não fazia mais sentido uma linha de trem alí.
"Depois que a Beira-Mar tem essas modificações, essa linha é abandonada. Então, isso tudo é um retrato da transformação que a costa cearense estava sofrendo nesse período entre 1930 e 1950", completa P.A.
Contexto histórico
Os trens começaram a rodar no Estado devido à ascendência financeira e urbanística ligada ao cultivo de algodão e café, conforme a dissertação de mestrado "A Ferrovia e os Processos de Estruturação Urbana em Fortaleza (1915-1950)", publicada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
As estradas de ferro começaram a ser implantadas em Baturité, que deu origem à Via Férrea de Baturité, em 1970.
Já em Fortaleza, o início da construção da Estação Central aconteceu em janeiro de 1872. A primeira linha fazia o trecho Fortaleza-Pacatuba e a inauguração em 1873.
Ligações ferroviárias
- Baturité (1882)
- Quixadá (1891)
- Iguatu (1910)
- Crateús (1912)
- Crato (1926)
- Sobral (1939)
O desenvolvimento do Estado e da Capital estão associados ao uso do trem, que foi usado tanto para a locomoção de pessoas quanto o transporte de alimentos e industrializados. Com isso, houve aumento da produção agrícola e pecuária do sertão.