Já não circulam mais pelas matas do Sertão Central cearense 5 tipos de mamíferos, considerados localmente extintas, como identificou uma pesquisa realizada na Universidade Estadual do Ceará (Uece): Caititu, Paca, Tatu-bola-do-nordeste, Onça-pintada e Bugio. Ao todo, outras 18 espécies foram monitoradas por cientistas.
As informações foram coletadas por meio de câmeras de monitoramento, entrevistas com moradores da Região e consultas às pesquisas anteriores, entre janeiro de 2017 a abril de 2021. Também foram analisados rastros e registros de atropelamento.
Além das 5 espécies localmente extintas, 6 estão ameaçadas de extinção. A análise foi realizada por meio do Programa Cientista-Chefe de Meio Ambiente, financiado pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap). O artigo foi liderado pelo zoólogo Antônio Millas Pinto.
Espécies localmente extintas
- Caititu (Dicotyles tajacu)
- Paca (Cuniculus paca)
- Tatu-bola (Tolypeutes tricinctus)
- Onça-pintada (Panthera onca)
- Bugio (Alouatta sp)
Os animais extintos são mamíferos de médio e grande porte, como explica Hugo Fernandes, professor na Uece e diretor da Seteg Soluções Ambientais.
“Todos desapareceram por um fator primordial: a caça. No sertão central, há séculos atrás foi muito intensa por subsistência familiar e ainda é uma atividade fortemente arraigada na cultura local”, detalha o biólogo.
Ao todo, incluindo os mamíferos de pequeno porte, o Ceará possui 115 espécies de mamíferos catalogados. Com a ausência de animais no ambiente, há perda dos chamados serviços sistêmicos.
“Não é simplesmente triste, quando você perde herbívoros como a paca, se perde importantes dispersores de semente”, completa Hugo. Nesse exemplo, há um prejuízo para a diversidade de árvores nas matas, o que acaba por prejudicar outros animais.
Como perdemos predadores, estamos colocando toda a cadeia abaixo numa desregulação que desequilibra até os serviços sistêmicos que a natureza presta a espécie humana de forma gratuita
Espécies identificadas (nomes populares cearenses)
- Raposa (Cerdocyon thous)
- Mocó (Kerodon rupestris)
- Tatu-peba (Euphractus sexcinctus)
- Soim (Callithrix jacchus)
- Mão-pelada/guaxinim (Procyon cancrivorus)
- Jaguatirica (Leopardus pardalis)
- Cassaco (Didelphis albiventris)
- Macaco-prego (Sapajus libidinosus)
- Gato-do-mato (Leopardus emiliae)
- Veado-caatingueiro (Subulo gouazoubira)
- Preá (Galea spixii)
- Jirita (Conepatus semistriatus)
- Gato-mourisco (Herpailurus yagouaroundi)
- Tamanduá-mirim/mambira (Tamandua tetradactyla)
- Tatu-verdadeiro/tatu-galinha (Dasypus novemcinctus)
- Cutia (Dasyprocta prymnolopha)
- Furão (Galictis cuja)
- Onça-vermelha/suçuarana (Puma concolor)
O principal lugar de pesquisa foi o município de Quixadá, onde os cientistas atuaram em 3 locais específicos: Pedra dos Ventos, Logradouro e Ouro Preto – este localizado no Monumento Natural dos Monólitos, que é uma área protegida.
Também foram investigadas as condições em Ibaretama, Quixeramobim, Ibicuitinga, Banabuiú e Morada Nova. Foram instaladas 10 câmeras em pontos estratégicos, como corpos d'água. Para as entrevistas, foram consultados 18 homens e 3 mulheres, entre 39 e 97 anos.
Sertão Central ainda é destaque
O objetivo principal da pesquisa realizada era suprir uma lacuna de informações sobre as espécies de mamíferos no Sertão Central. “Esse estudo vai servir de base para o desenvolvimento de pesquisas mais complexas em relação à ecologia dessas espécies”, reflete Hugo.
O especialista defende medidas de controle de atropelamento de animais silvestres, como a criação de passagens subterrâneas, redutores de velocidade e melhor fiscalização. Além disso, Hugo aponta 2 medidas urgentes.
“Estabelecer estudos de monitoramento de longo prazo para entender como as espécies estão respondendo às alterações do meio ambiente e, tão importante quanto, identificar áreas prioritárias para conservação”
Apesar da extinção de espécies, o Sertão Central ainda é considerada uma área importante para a preservação, tendo uma biodiversidade maior do que estudos anteriores apontavam.
“Em Quixadá e região tem a presença dos monólitos e há umidade preservada que, na nossa hipótese, ajuda a manter os mamíferos no período seco em relação a outras áreas de caatinga”, conclui.