Maria Inês Fini caminha entre gestores escolares recebendo olhares de admiração. Em conversas rápidas, ouve sobre os bons resultados de estudantes no interior do Ceará com uma bagagem de quem está imersa na Educação desde a década de 1970. “Sabia que me chamam de mãe do Enem?”, questiona.
Além de ser responsável pela criação e implementação da primeira versão do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), também atuou no Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja).
Maria Inês foi presidenta do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) entre 1995 e 2001. Voltou ao cargo em 2016 no qual permaneceu até 2019, sendo atualmente presidente da Associação Nacional de Educação Básica Híbrida (Anebhi).
A autoridade na área também foi fundadora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde atuou de 1972 a 1996. Doutora em Ciências, pesquisadora em Psicologia da Educação, Psicologia do Desenvolvimento, Social e do Trabalho, especialista em currículo e avaliação… A lista é extensa.
O Diário do Nordeste conversou sobre os rumos da Educação com Maria Inês Fini durante o Edu Summit 2024 - Congresso Internacional de Currículo Educacional, em Fortaleza, durante a sexta-feira (13).
A senhora apresenta uma palestra sobre os desafios do currículo para garantir a inclusão de todos. Qual a reflexão principal desta conversa?
O grande desafio é tornar a escola significativa para crianças e jovens. A escola do passado não atrai mais ninguém, mandar os meninos estudarem para fazer uma prova ou ler o exercício com a resolução na página 42 não tem um pingo de graça. Ficou mecânico.
Nós temos de envolver os jovens e os projetos pessoais – o conhecimento tem de ter atratividade. Como? Vamos inventar outra matemática? Não, vamos mostrar para o aluno onde usar a matemática no dia a dia, não só para o futuro profissional, mas para o hoje, como resolver os problemas. Mostrar como a língua portuguesa, na oralidade ou na escrita, são importantes para a vida do estudante hoje.
O desafio da escola é enfatizar esse ambiente relacional entre professor e aluno, entre aluno e aluno, entre professor e gestão. Depois da pandemia, temos a construção de um novo ecossistema e esse é o momento de discutir o que nós vamos ensinar.
Vamos incluir a compreensão das queimadas? Vamos discutir essas ações de grupos colocando fogo em plantações? Vamos discutir a escassez dos nossos irmãos na fronteira da Bolívia? Qual o impacto quando uma criança joga o lixo no chão? Hoje nós temos os oceanos invadidos de plástico. Tudo isso traz, por exemplo, para a área de Ciências desafios enormes.
Outro desafio enorme é o ‘como ensinar?’. Temos que colocar as crianças e os jovens diante de problemas. ‘Olha, a lição de casa hoje será ler um texto e na próxima aula vamos discutir, reunir todo mundo, ouvir quem tem o argumento diferente’.
O professor passa a ser o coordenador da cena e não mais aquele que fala e o aluno fica quieto. Depois, uma coisa que não estamos muito acostumados, são as políticas de avaliação. Temos o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e, aqui no Ceará, o Spaece (Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará), mas como professor avalia o dia a dia?
Estamos num momento de grande ebulição e a única certeza que nós temos é: a escola do passado, que muitos ainda teimam em fazer vingar, não dá mais certo. Já acabou.
Estamos num novo período da Educação após o isolamento durante a pandemia, a imersão tecnológica e uma remodelação da forma de dar aula. Para onde as salas de aula devem avançar?
O que nós fizemos no início da pandemia foi pegar o ensino presencial e colocar nas plataformas digitais, no WhatsApp e no Rádio, que se baseavam na transmissão da informação. Hoje, cada vez mais, sabemos que informação não é conhecimento. As crianças e jovens precisam interagir com essa informação para transformá-la em conhecimento.
É lógico que a tecnologia ajuda, nós não somos mais capazes de pensar o mundo sem a tecnologia, mas algumas outras coisas nós aprendemos no pós-pandemia. Por exemplo, para constituir um leitor, crianças alfabetizadas precisam do livro físico. A tela é ótima, mas elas precisam manipular o caderno, perceber a ordem das palavras, o movimento de virar, os pais precisam ajudar a contar a história, voltar para a página anterior…
Existe uma pesquisa na Noruega que mostra a eficácia do livro impresso para constituição dos leitores e, portanto, é fundamental para a alfabetização. Outras pesquisas mostram, com o avanço da neurociência, o impacto negativo das horas vidradas nas telas do celular e da televisão. Os corajosos, no resto do mundo, dão a orientação para desligar o celular na escola e em casa.
Crianças que estão constantemente no celular ou na televisão têm déficits muito grandes de atenção. Não estou dizendo que vamos jogar os aparelhos fora, mas para privilegiar outras maneiras de comunicação. Lamentavelmente, no restaurante, o pai, a mãe e o filho estão com o celular... Esse hábito foi a pandemia que acelerou e isso precisa ser controlado.
Algumas escolas no Brasil inteiro já adotaram a postura de ‘aqui não’, estão conversando com as famílias para limitar o uso.
Ninguém vai viver sem tecnologia, mas ela precisa ser muito bem utilizada. Antigamente, a gente dizia que o professor tinha de ter uma alfabetização digital, agora nós temos que trabalhar com outras dimensões do letramento digital. Não é mexer na máquina, mas controlar a máquina e isso tem sido muito difícil.
A senhora debruça o seu olhar para a Educação há muito tempo e eu gostaria de saber: como acompanha inserção da temática antirracista, da diversidade de orientação sexual e das pessoas com deficiência na sala de aula durante esse período?
Isso é inclusão. Temos que trabalhar valores e não adianta só falar na sala de aula, temos que conversar com as famílias, porque são questões seríssimas. Do antirracismo e do respeito à diferença do outro são debates que precisam começar na Educação Infantil. Volto a dizer: o exemplo vale mais do que as palavras.
As famílias têm que ser envolvidas e as escolas precisam fazer uma grande reflexão sobre isso e trabalhar com posturas diferentes.
Estamos saindo de um longo debate sobre o Novo Ensino Médio e as redes se preparam para implementar algumas mudanças no próximo ano. Como a senhora avalia as transformações e o impacto para o Enem?
Eu sou do comitê gestor da proposta original de 2017 e a proposta de agora não tem muita diferença. Sobre o impacto que ela vai ter, nós estamos aguardando ainda do Conselho Nacional de Educação as diretrizes do Ensino Médio.
O Enem não muda até 2027, porque nós temos de esperar os alunos ingressarem no 1º ano desde que as diretrizes estejam divulgadas. Nós estamos em setembro e até agora não vimos nada.
Eu, sinceramente, acho que as escolas não terão tempo de adaptar os seus primeiros anos já para 2025. Eu acredito que o Enem continuará o mesmo até 2028, estamos esperando as diretrizes, a matriz de avaliação e ainda não temos notícias de que elas estão prontas. Ainda que fiquem prontas em outubro, muito dificilmente as escolas terão tempo de fazer uma adaptação curricular.
Apesar de muitos avanços, a desigualdade social e de oportunidades ainda é determinante no caminho até o Ensino Superior. Quais políticas públicas ainda podem ser implementadas para mudar isso?
A oferta do Ensino Superior privado é enorme, mas nós queremos que aumentem as vagas nas públicas. Nós temos experiências muito positivas de cotas, de reserva de vagas, para ex-alunos de escolas públicas. A USP (Universidade de São Paulo), por exemplo, fez um projeto e dedicou uma prova de seleção, especialmente, para os alunos da escola pública.
Essa discussão ainda está acontecendo e precisa ser ampliada. Na Unicamp, também foi implementado um vestibular especial para os indígenas, porque o acesso é totalmente diferente. O Brasil caminha, ainda que a gente ache que isso acontece em passos lentos, para uma inclusão maior. Isso não é fácil porque tem de mudar leis, estruturas, mas precisamos fazer isso.
E, dentro da escola, o que é possível fazer para mostrar outras perspectivas para os estudantes?
A nossa Base Comum Curricular trouxe uma oportunidade ótima porque inclui o ‘projeto de vida’ como sendo intracurricular. Então, isso serve para pensar na vida que você quer ter, quais chances de ter isso, como pode ser ajudado. Essa é a centralidade da discussão.
Isso não é só para os meninos do Ensino Médio, tem que vir para o fundamental, isso impacta demais uma criança. Eles vão monitorando os próprios desejos, a própria autodeterminação, e o papel da escola é apoiar.
Eu sempre tenho dito para os professores que o exemplo arrasta. As palavras o vento leva embora, mas o exemplo não. O professor que ouve, que promove o diálogo, que é resiliente ou aquele que sempre anda com o livro de literatura na mão arrasta. Da família, a mesma coisa.
Vou me permitir ser bairrista para contextualizar que o Ceará foi o maior ganhador de medalhas nas olimpíadas de História e de Matemática da Unicamp neste ano. O que a senhora conhece sobre a Educação feita aqui e o que pode ser melhorado?
Eu conheço muitas experiências daqui, acompanho muito o resultado da escola que mais coloca alunos no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), conheço os resultados de Sobral, mas também fui surpreendida.
Hoje falei com inúmeros gestores de cidades pequenas com Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) altíssimo e crianças 100% alfabetizadas. O Ceará, de fato, é um exemplo para o Brasil.
O que nós precisamos fazer é ampliar a rede de Educação Profissional e Nível Técnico. Temos uma demanda para a área terciária, de serviços, e jovens que precisam de apoio para inserção imediata no mundo do trabalho. A minha sugestão para o Ceará é ampliar a oferta de educação profissional de nível médio, porque esses empregos são fundamentais para os nossos jovens.