Em 7 de setembro de 1822, o príncipe regente Dom Pedro I marcou a emancipação brasileira do reino de Portugal ao proclamar "Independência ou morte!". Um mês depois, foi coroado imperador do Brasil. Toda essa movimentação ocorreu em São Paulo e Rio de Janeiro, mas a província do Ceará vivia uma dinâmica própria àquela época.
Como a comunicação da época era rudimentar, dependendo basicamente de mensageiros que chegavam em navios sujeitos a percalços no mar, é difícil marcar quando a notícia da Independência efetivamente chegou ao Ceará.
O que se sabe, conforme a Revista do Instituto do Ceará, é que brasileiros e portugueses que moravam em Fortaleza reuniram-se na Câmara Municipal para oficializar o juramento de fidelidade ao imperador, no dia 24 de novembro, seguindo o exemplo do Rio de Janeiro, que havia feito essa oficialização em 12 de outubro.
Para entender o contexto da época, o Diário do Nordeste conversou com Mariano Júnior, professor de História em Fortaleza. Segundo ele, a sociedade cearense era formada por três principais grupos: “corcundas”, patriotas e “cabras”.
Quem eram os “corcundas”?
Essa era a maneira pela qual eram conhecidos pejorativamente os portugueses, a maioria comerciantes e militares. Eles controlavam as vilas mais ricas, como Fortaleza, Icó e Aracati, e tentavam barrar “qualquer reforma política, social e econômica mais profunda, porque acreditavam que qualquer levante poderia retirar seus privilégios econômicos ou políticos”, diz o professor.
Por isso, ficaram desconfiados quando receberam a notícia da Revolução Liberal do Porto (1820), em Portugal, e da proposta das cortes lusitanas para a elaboração de uma Carta Magna “por sequer entenderem direito o que seria uma nova Constituição”.
Quem eram os patriotas?
Também chamados de nacionalistas, formavam a maioria elite agrária cearense, de pensamento liberal, que viam com bons olhos a possibilidade de garantir novas liberdades comerciais além daquelas conquistadas entre 1808 e 1810, com a abertura dos portos e a redução de taxas alfandegárias autorizadas por Dom João VI. Logo, “temiam qualquer guinada conservadora que pudesse retirar-lhes vantagens econômicas”.
Entre seus representantes mais famosos estava a família Alencar, tradicional oligarca do cariri, com destaque para Bárbara de Alencar e seus filhos, José Martiniano e Tristão Gonçalves, que perderam o controle do Crato para corcundas e para um grupo de cearenses mais conservadores.
“No Ceará de 1822, esses dois grupos políticos e sociais disputavam o controle político da província”, explica Mariano Júnior.
Quem eram os “cabras”?
Assim se referiam os fazendeiros a um grupo heterogêneo de homens livres, mestiços, ex-escravos alforriados e negros livres, que formavam “um verdadeiro exército privado de cada coronel, fosse brasileiro ou português”. Pertencentes à camada pobre da população, eram obrigados a se envolver nas disputas políticas pela dependência que tinham em relação aos patrões.
“O povo não vê na Independência um fato importante que vá mudar a sua realidade, e esse distanciamento se dá pelo elitismo do processo de emancipação”, aborda o professor.
Disputas armadas
Mariano corrobora a demora na comunicação das províncias mais distantes porque a oficialização da Independência só se propaga no Ceará em novembro de 1822. Nesses dois meses de intervalo, a província ainda vivenciava uma intensa disputa entre os patriotas do Cariri contra Icó e Fortaleza, defensoras do vínculo com Portugal.
“Eles se enfrentaram em armas, teve mortes e deposição de governos locais. O Brasil já era independente, mas as forças políticas daqui ainda estavam lutando para garantir as eleições constituintes, que haviam sido convocadas por Dom Pedro”, diz o professor.
Somente após a Independência, formou-se um governo provisório com destaque para Tristão Gonçalves, Pereira Filgueiras e o padre Francisco Landim. “Na prática, apenas em janeiro de 1823 é que o Ceará e Fortaleza estão submissos à monarquia brasileira. No Piauí, houve uma resistência maior, com a famosa Revolta de Fidié, e tropas do Ceará foram decisivas na repressão”.
Desobediência e nova revolta
Após a Independência, houve uma reorganização das forças políticas na província. Muitos corcundas que haviam resistido, inicialmente, se alocam ao redor de Dom Pedro I e seus aliados para manter seus privilégios.
Do outro lado, a elite latifundiária liberal exige do imperador uma monarquia constitucional de cunho liberal, com maior liberdade e diálogo entre o estado e o cidadão. Contudo, na prática, Dom Pedro I outorga uma constituição de cunho centralista e autoritário, em 1824.
“Quando vê leis que prejudicam sua economia e sua organização política e social, essa elite se rebela e opta por se unir mais uma vez a Pernambuco na Confederação do Equador, para buscar uma separação política e territorial do Brasil, pela segunda vez”, diz Mariano Júnior.
Na primeira vez, na Revolução Pernambucana de 1817, o movimento foi derrotado. Nesta nova empreitada, tropas legalistas mais uma vez massacraram os revoltosos, inclusive com o apoio de navios de guerra e mercenários. Além disso, diferente da anistia recebida sete anos antes, “agora ela vai ser quase nula”.
Entre as figuras famosas executadas após o movimento, estão Padre Mororó, Pessoa Anta, Francisco Ibiapina e Azevedo Bolão. Muitos condenados foram fuzilados na Praça dos Mártires, hoje Passeio Público, em Fortaleza. “No pós-Independência, no Ceará, as disputas continuam e vão se radicalizar com o uso de armas”, resume o professor Mariano.