Muitos casais que celebram o Dia dos Namorados, nesta quarta-feira (12), não planejam formar família e dividir bens no futuro. Nesse sentido, o recorde registrado no número de contratos de namoro – acordos ou escrituras públicas que visam provar a inexistência de uma união estável – mostra a consolidação dessa prática no Brasil.
Somente no ano passado, 126 acordos desse tipo foram registrados no país, o que representa um índice inédito, segundo levantamento do Colégio Notarial do Brasil (CNB). Logo após o Dia dos Namorados, julho tem se destacado nas estatísticas. O mês foi o que mais registrou contratos de namoro, com 63 atos entre 2016 e 2023.
Crescimento do número de contratos de namoro firmados no Brasil entre 2022 e 2023
O Ceará contabilizou 12 contratos de namoro entre 2021 e fevereiro deste ano. Metade desses documentos foi registrada em 2022. Como explica Silvanira Lopes Rocha, 2° vice-presidente do CNB – Seção Ceará (CNB/CE), a formalização de relacionamentos tem ganhado adeptos, levando em conta que há uma linha tênue entre namoro e a união estável.
"A maior parte disso são as famílias, os pais e as mães que orientam: ‘Olha, você pode acabar com esse relacionamento e vocês já estão muito ligados. Vamos estabelecer aqui alguma coisa para evitar ter problema judicial, futuramente’ (...) As pessoas hoje estão se precavendo. É como fazer o seguro do veículo, você não quer que o veículo bata, mas você tem ele lá para qualquer coisa”, descreve Silvanira.
O registro oficializa a relação e atesta que o casal não tem o intuito de constituir família. O objetivo é proteger a divisão de bens das duas pessoas em caso de separação ou morte.
“As pessoas têm se preocupado com os possíveis efeitos patrimoniais de uma relação, de vir a ser considerada posteriormente como uma união estável. Isso geraria efeitos, como pagamento de pensão alimentícia e partilha de bens. Então, tendo em vista essa vontade de resguardar de que, naquele momento, o relacionamento entre aquelas duas pessoas é um namoro e que não há uma intenção de constituir família, tem crescido realmente bastante essa procura”
REGRAS PARA RELACIONAMENTOS
Os contratos de namoro podem prever medidas em relação aos pertences do casal, a posse de presentes dados durante o relacionamento, uso de plataformas de streaming e guarda de animais de estimação. Mas há também normas consideradas mais “inusitadas”, que refletem as particularidades de cada casal.
Silvanira Rocha conta que, em um dos casos que atuou, a advogada do casal solicitou, com insistência, uma condição no contrato em que a mulher ficasse proibida de engravidar.
“No meu entendimento, era uma cláusula que estava beneficiando o rapaz e sendo agressiva com a mulher, porque aquilo ali não era só responsabilidade dela. Cabe a nós, oficiais de cartório ou tabeliães, em ponderar, aconselhar”, relata a dirigente do CNB/CE.
"O que a gente verifica, de forma um pouco mais inusitada, são as cláusulas referentes ao tratamento a ser dado entre o casal, como quantas vezes dizer que ama, dizer sempre que ama um para o outro ou até mesmo estabelecer frequência de relações sexuais”, exemplifica Angélica Mota.
CASO ENDRICK
Um dos exemplos de contrato que traz determinações para a rotina é o do jogador Endrick, de 17 anos, revelado pelo Palmeiras e comprado pelo Real Madrid. O acordo foi firmado entre ele e a namorada, a modelo Gabriely Miranda, de 21.
Segundo o CNB, o registro do casal proíbe qualquer tipo de vício ou mudança drástica de comportamento, por exemplo. Foi estabelecida ainda a obrigatoriedade de dizer ’eu te amo’ entre o atacante da Seleção Brasileira e a modelo.
Embora o limite para as cláusulas seja a própria legislação, os namorados devem ter cuidado na hora de definir as regras do contrato. A depender do modo como ele seja redigido, a relação pode se configurar justamente no tipo que os dois buscam evitar.
UNIÃO ESTÁVEL
A dirigente da Comissão de Direito de Família da OAB-CE orienta que, em contratos com regras muito específicas, o caso pode ser enquadrado como um relacionamento público, contínuo e duradouro com o intuito de constituir uma família. Essa é a definição de união estável, segundo o Código Civil.
Para evitar isso, a advogada recomenda que os casais busquem a orientação de um especialista em Direito de Família, ainda mais por conta que esses contratos podem não ser validados, caso uma das partes consiga provar que a relação era uma união estável.
"Esse contrato pode ter, dentro do contexto geral, uma grande importância para afastar o reconhecimento de união estável. Mas, se ele for feito sem os requisitos básicos e já depois da existência de uma união estável de fato, uma parte pode provar e ele pode perder a validade, porque a união estável não pode ser afastada por força de um contrato em si”, comenta Angélica.
NÚMERO AINDA MAIOR
Esse tipo de acordo começou a ser firmado nos anos 1990, mas foi em 2016 que ele começou a ser contabilizado com mais frequência pelo CNB. O ano marca a consolidação de uma base nacional que registra esses números.
Embora tenha atingido recorde em 2023, o índice pode ser bem maior, explica a advogada Angélica. Muitos casais optam por contratos particulares, ou seja, que não passam pelos cartórios e são feitos apenas por meio de reconhecimento de firma.
“Existem decisões judiciais que já nos dizem que, mesmo esse casal dividindo apartamento, sem o intuito de constituir família, elas não estão sendo favoráveis à união estável. (...) Em juízo, você levando um documento público e um outro documento particular, o maior peso vai ser do firmado em cartório”, complementa Silvanira.
Mesmo assim, os dois tipos devem seguir regras para serem válidos diante de casos que cheguem à Justiça.
RECOMENDAÇÕES
Silvanira Lopes Rocha aponta alguns requisitos que devem estar nos contratos de namoro:
- Firmar a data de início;
- Declararem que não mantêm união estável;
- Afirmar que a convivência pública duradoura e contínua com o objetivo de não constituição de família;
- Declarar que no momento não tem a intenção de se casar;
- Reconhece que a relação de namoro não os dá direito de pleitear a partir de três pessoas alimentícia e herança;
- Se comprometerem em lavrar conjuntamente um instrumento de dissolução ou distrato, em caso de término do namoro.
“É preciso deixar muito claro no contrato que não há intenção de constituir família. Outra recomendação é em relação aos bens de cada um, no sentido de que esses bens não se comunicam, que o casal mantém os seus bens separados”, orienta Angélica Mota.
COMO FAZER?
Para realizar o contrato de namoro, que também pode ser feito on-line, por meio de videoconferência, os namorados devem apresentar seus documentos pessoais. O tabelião de notas ficará responsável pela comprovação de patrimônios que queiram deixar registrados na escritura pública.
No modelo virtual, os casais podem acessar ao site do Colégio Notarial do Brasil (CNB) e seguir os seguintes passos:
- Entre em contato com um tabelião de notas e agende uma videoconferência para fazer a escritura;
- No dia e horário agendados, acesse o link enviado para o seu e-mail pelo celular ou computador com webcam. Identifique-se com seu certificado digital e participe da videoconferência;
- O casal pode participar junto da mesma videoconferência ou separados. Um deles pode até mesmo assinar o ato presencialmente caso prefira;
- Os participantes receberão os documentos por e-mail. Eles devem acessar o link enviado para assinar o Contrato de Namoro com seu certificado digital;
- Após a assinatura, online ou presencial da outra parte, a escritura está pronta e com seus efeitos ativos. O patrimônio do casal já está “blindado” em caso do relacionamento chegar ao fim.
Valor médio para registrar contratos de namoro no Ceará, sem possíveis taxas adicionais
O prazo sugerido para vigência do contrato é de um ano, mas pode ser postergado, caso seja de interesse do casal.