Cearenses que moram na Irlanda denunciaram a jovem Laís Basílio, brasileira de 23 anos que mobilizou toda a comunidade no país com uma vakinha falsa, alegando ter câncer de medula. No último sábado (10), ela publicou um vídeo nas redes sociais confessando ter mentido sobre a doença. O Diário do Nordeste ouviu testemunhas do caso, que chegaram a fazer doações, se comoveram com a história inventada por Laís, e hoje dizem estar indignados com a farsa.
A mulher foi vista no aeroporto, supostamente a caminho do Brasil. Segundo os relatos, após a repercussão com a descoberta do golpe, ele teria fugido para Guarulhos, em São Paulo, em posse de cerca de R$ 40 mil reais (5,8 mil euros) que arrecadou para o suposto tratamento de câncer. A vakinha tinha como objetivo alcançar 10 mil euros (aproximadamente R$ 60 mil na cotação atual), mas a mentira foi descoberta antes.
À reportagem, o jornalista cearense Alan Higgins, que mora na Irlanda há mais de 6 anos, relatou que milhares de pessoas ajudaram, levando em consideração as doações, os compartilhamentos e orações, pessoas que vieram do Brasil e do Canadá para fazer exame de compatibilidade de medula óssea. "O dinheiro de doações pra vakinha é o de menos. Isso viraria série de streaming", disse.
O caso foi levado por brasileiros às autoridades em Dublin. Segundo Gabriela Cruz, uma das denunciantes, a polícia alegou não existir fraude, uma vez que as pessoas doaram por vontade própria, e que o site está disponível para pedir o dinheiro de volta. Agora, ela diz que o ponto é submeter o caso ao Ministério Público de São Paulo e conta com a orientação de uma advogada para isso.
Jovem ia a podcasts e fazia contagem regressiva para transplante
Laís começou a compartilhar a história nas redes sociais em dezembro de 2023. Ela dizia ter sido diagnosticada com um câncer de medula e precisava urgentemente de um transplante. A brasileira chegou a postar vídeos chorando, alegando ter deixado o trabalho e por isso estava sem condições financeiras para se sustentar.
Conforme os relatos, o caso de Laís viralizou após ela ir a podcasts, sites e perfis da comunidade brasileira na Irlanda, que se juntou para tentar ajudá-la. "Ela dizia que tinha apenas dias de vida e, segundo ela, a Irlanda estava dificultando o tratamento através de empecilhos", afirmou Alan Higgins.
Laís começou desde então a fazer posts com uma contagem regressiva. "Eu tenho apenas 47 dias para encontrar um doador de medula óssea tipo O negativo", diz ela em um dos vídeos.
"Ela dizia que tinha metástase, o câncer tinha começado no reto, mas já tava no pulmão, garganta, cabeça e sangue. E no caso dela era precisaria de doador. A gente só queria salvar ela", detalhou o jornalista.
Agora, os brasileiros tentam que a notícia da farsa chegue ao maior número de pessoas possível, já que ainda há pessoas doando.
"Eu tenho tentando avisar ao máximo de pessoas possíveis e disponibilizar o link da vakinha, porque quem doou pode pedir ressarcimento e denunciar por fraude. Quem não doou pode ainda assim denunciar", alertou Alan.
O jornalista contou que chegou a desconfiar das exigências que Laís passava sobre o doador, mas que se viu comovido com a situação e tentou ajudar, até mesmo traduzindo os vídeos da brasileira para que seus amigos irlandeses também pudessem doar.
"Eu sempre desconfiei dessas exigências que ela passava sobre o doador. Mas confesso que vendo a pessoa chorando, fazendo vídeos de contagem regressiva e pedindo ajuda, ao mesmo tempo postava vídeos raspando o cabelo, eu só pensava em compartilhar o máximo possível. Mesmo desconfiando das informações. Afinal, ali eu não era jornalista, ou investigador. Eu era um brasileiro que queria ajudar essa jovem a viver", desabafou.
E toda essa mobilização, vale destacar, não é pelo dinheiro. Ela mexeu com uma doença, com uma comunidade, com fé, igrejas aqui fizeram doações maiores. Mexeu com o psicológico das pessoas, gente que perdeu familiares por câncer, ou que tem amigos, como eu, que de fato precisaram de medula. Mais que dinheiro, eu doei tempo e doei tradução
Revolta da comunidade cearense na Irlanda
A cearense Nayara Lopes, pedagoga que também mora na Irlanda, mostrou indignação com a história armada por Laís.
"Eu estou profundamente abalada com essa mentira, não é pelo dinheiro. 10 euros nós trabalhamos pra pagar. O problema é o fato de ela pegar uma doença tão grave dessa, ir em podcast, mobilizar a ONG de brasileiros com câncer aqui, igrejas orando para ela ficar bem e simplesmente armar tudo isso", disse.
Segundo a jovem, o caso tocou diversas pessoas que têm parentes que lutaram contra a doença e a atitude de Laís causou revolta na comunidade.
"Tenho amigos aqui que os pais morreram com a doença que essa menina disse ter e eles ficaram extremamente tocados com ela, a história fez eles reviverem um trauma gigante, para no final tudo ser uma farsa", contou.
"Eu sou cearense, nascida em Fortaleza, mas aqui todo brasileiro está junto. Todos somos uma comunidade forte, independente de onde nascemos no Brasil. E me deixa muito triste saber que nos mobilizamos como nação para ser tudo uma mentira. Ela usou de mídias sociais, vaquinhas, nomes de médicos falsos, pessoas falsas (que nunca existiram) e manipulou todos. Ela só tem 23 anos e eu espero que ela pague por isso, se não for punida, ela vai aplicar outro golpe mais cedo ou mais tarde", disse Nayara.
Outro cearense residente da Irlanda há quase 10 anos, Nataniel Mota chegou a doar 20 euros para a falsa vakinha. Ela também revelou ter se sentido enganado.
"Eu fui um dos que doei, ajudei a divulgar a vaquinha e depois foi essa palhaçada aqui, está todo mundo vendo isso, enganou todo mundo aqui", disse.
Brasileira juntou evidências e revelou a farsa nas redes sociais
Segundo publicado por Laís nas redes sociais, ela havia encontrado um doador de medula compatível e teria realizado o transplante em julho. Ainda conforme os relatos das testemunhas, Laís Basílio sumiu depois de arrecadar parte do dinheiro da vakinha e começou a postar fotos falsas, que estão disponíveis no Google, como se estivesse se recuperando da cirurgia.
A brasileira Gabriela Cruz, que mora na Irlanda há nove anos e também se mobilizou com o caso, diz que começou a desconfiar da farsa quando a mulher foi vista na rua bebendo álcool e postando vídeos dançando.
"Fui pesquisar e escrevi aleatoriamente: a pessoa supostamente recebeu uma medula óssea no dia 9 de julho e hoje, no dia 6, após 4 semanas do transplante, é improvável que o paciente esteja de acordo com a volta normal da vida", contou Gabriela.
Cruz ainda listou as razões que colaboraram para a teoria. "O paciente depois de receber a medula, precisa de um monitoramento contínuo. Existem riscos de infecções e pode haver possíveis complicações que eles chamam de HVHD", afirmou a brasileira.
A partir da desconfiança, Gabriela começou a pesquisar todas as fotos publicadas por Laís, supostamente no hospital, no Google Search, quando constatou que os registros já existiam na Internet e eram de outras pessoas.
"O que eu tô mais impressionada é que não existe um destaque, uma foto que mostre o hospital que ela tá, o tratamento que ela tá recebendo, médicos ou exames, ela simplesmente apareceu com o cabelo raspado, com a ideia que ela teve esse câncer e mobilizou a Irlanda inteira e as pessoas que ela conhece no Brasil pra isso. O cabelo dela parece ser só raspado e não de uma pessoa que passou por quimio", revelou.
"Também pesquisei pra saber quanto tempo uma pessoa precisa ficar no hospital depois de receber uma medula óssea, que seria até seis semanas. Não tem como ela ter aquele físico depois só de quatro semanas de transplante, a conta não bate. Se os fatos não batem com o que ela fez todo mundo se compadecer com ela, eu estou em choque e horrorizada", denunciou Gabriela.
Confissão de Laís Basílio: 'se tiver que me prender, me prendam logo'
No último sábado (10), Laís Basílio publicou um vídeo nas redes sociais admitindo ter mentido sobre a doença. Ela disse estar preparada para arcar com as consequências da história tramada para arrecadar dinheiro e pediu desculpas para as pessoas envolvidas.
"Eu iniciei isso botando a cara aqui e vou terminar botando a cara. Eu estou aqui para arcar com todas as consequências, sejam elas qual for. Gostaria muito de pedir perdão, verdadeiramente falando, a toda a comunidade brasileira e toda a comunidade oncológica. Eu sei que isso recai totalmente sobre vocês, espero de verdade que depois que tudo isso passe, que tudo seja esclarecido e resolvido, e eu arque com tudo que eu tenho que arcar, vocês continuem tendo apoio", disse ela no vídeo.
Laís ainda deixou claro que agiu sozinha e não contou com a ajuda de terceiros para tramar a falsa vakinha. Durante o vídeo, Basílio também disse que vai buscar ajuda psicológica, pois está precisando de ajuda.
"Me perdoem por isso mesmo, vou deixar muito claro que nenhum familiar meu e ninguém está envolvido nisso, eu fiz tudo sozinha. Preciso arcar com as consequências das minhas atitudes sozinha e assim farei. Estou pronta pra viver com as consequências disso. Se tiver que me prender, me prendam logo", alegou a brasileira.
A reportagem tentou contato com a defesa de Laís Basílio, mas não obteve sucesso.
Denúncias
De acordo com Gabriela Cruz, os fatos estão sendo apurados e brasileiros estão empenhados em tentar contato com as autoridades do Ministério Público de São Paulo, já que na Irlanda não houve registro.
Ela afirmou que estão tentando identificar pessoas que fizeram doações no Brasil também. "Como ela está no Brasil, acredito que a continuidade seria daí. Agora, precisamos identificar quem foi que doou no Brasil também. A fraude só se configura pela doação no Brasil, pra poder haver a representação no Brasil", ressaltou a brasileira.