Saber ler e escrever é fundamental para avançar nos estudos, mas aprender isso na idade certa pode ser crucial na trajetória escolar. Pesquisa feita com crianças do Ceará mostrou que, se alfabetizadas até o 2º ano, elas têm mais chances de alcançar níveis adequados ou avançados em português e até matemática.
A análise é do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social (Lepes) da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Ceará (UFC), com apoio da Fundação Lemann e do Instituto Natura.
Os dados utilizados são do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece), alinhando à escala do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
O estudo apontou que alunos alfabetizados na idade certa têm 85% de chance de chegarem ao 5º ano com nível adequado de proficiência em português, 1,5 vez mais do que os não alfabetizados (cuja chance é de 57%).
Além disso, a probabilidade de ele chegar ao 5º ano com nível avançado na língua é de 55% – 2,6 vezes mais do que os que não aprenderam a ler e escrever no tempo adequado, que têm 21% de chance de chegar a esse patamar.
Quando a matéria é matemática, os impactos do aprendizado de leitura e escrita na idade ideal são ainda mais expressivos.
A probabilidade de um cearense alfabetizado até o 2º ano estar com nível adequado de proficiência em matemática no 5º ano é de 74%, quase o dobro (1,8 vez) dos 42% de chance de um não alfabetizado.
Já para atingir o nível avançado na matéria, o aluno letrado no tempo ideal tem 40% de probabilidade – porcentagem que cai para apenas 15% entre os que não concluíram o 2º ano sabendo ler e escrever.
Mas o que alfabetização tem a ver com matemática? A relação entre letras e números para o aprendizado na infância pode não ser tão óbvia, mas é estreita, como explica Pedro Veloso, pesquisador do Programa Cientista Chefe da Educação.
“O letramento na idade certa, principalmente um letramento de qualidade, faz com que o aluno consiga não só ter um resultado melhor nas provas de português, quanto nas demais disciplinas”, inicia.
“Antes de o aluno conseguir realizar um problema matemático, ele precisa entender o que está sendo pedido dentro da questão, que geralmente vem dentro de um contexto textual, e para entender esse contexto da melhor maneira possível, uma alfabetização de qualidade é a chave para essa virada”, complementa.
Educação supera condição social
Guilherme Irffi, professor do Departamento de Economia Aplicada da UFC, coordenador do Lepes/UFC e da pesquisa, afirma que a ideia de estudar os efeitos da alfabetização sobre os resultados das crianças nos anos iniciais do Ensino Fundamental foi “gerar evidências” para embasar políticas públicas.
O pesquisador destaca que aprender a ler e escrever na idade certa é, além de tudo, “uma garantia de direito”, e que acaba sendo mais decisiva para o alcance de melhores níveis de aprendizagem de português e matemática do que os fatores que cercam o aluno.
O maior efeito é em decorrência da alfabetização, até mesmo em comparação com a origem socioeconômica do estudante e da área censitária (urbana x rural). Estamos analisando a garantia de um direito: que uma vez assegurado, a criança tem maior chance.
Diante disso, o professor frisa que é preciso estratégias educacionais para garantir o acesso dos cearenses à educação infantil de qualidade, que “pode contribuir positivamente para ter alfabetização na idade certa e, por consequência, melhor desempenho no 5° ano”.
Outra medida necessária, ele analisa, é reforçar a cooperação entre o Estado e os municípios, tanto no apoio à construção de novos Centros de Educação Infantil como na elaboração de materiais a serem utilizados no ensino.
Já o pesquisador Pedro Veloso acrescenta que “o Ceará hoje tem um dos melhores resultados de ensino fundamental I no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), mas que, para isso, teve um longo processo que começou em 2007 com as reformas educacionais do Estado”.
“Educação é um fator de desenvolvimento econômico e social de suma importância. Pesquisar sobre os efeitos de uma boa alfabetização traz à tona um olhar a essas fase do desenvolvimento infantil”, pontua.
Quando uma criança está alfabetizada?
A definição de “criança alfabetizada” utilizada, de acordo com a pesquisa, foi dada pelo Ministério da Educação (MEC) em maio deste ano. Dentre as habilidades necessárias para serem considerados alfabetizados, o MEC estabeleceu que os estudantes precisam:
- Ler pequenos textos, formados por períodos curtos e localizar informações na superfície textual;
- Produzir inferências básicas com base na articulação entre texto verbal e não verbal, como em tirinhas e histórias em quadrinhos;
- Escrever, ainda que com desvios ortográficos, textos que circulam na vida cotidiana para fins de uma comunicação simples como convidar ou lembrar algo, por exemplo.
De acordo com Guilherme, o próximo passo do estudo deve ser compreender os possíveis efeitos da alfabetização na idade certa em etapas mais avançadas, como o 9º ano do ensino fundamental; e etapas anteriores, como a educação infantil.