Após afogamentos, moradores do Poço da Draga pedem atenção e requalificação: 'é nosso lazer'

Eles pedem guarda-vidas em todos os dias da semana no local para orientar e prevenir fatalidades com banhistas

Após duas mortes por afogamento serem registradas na praia da comunidade do Poço da Draga, no bairro Praia de Iracema, neste ano, moradores pedem atenção do Poder Público à oferta de serviços básicos e à requalificação do espaço. Em contraste com a infraestrutura do "outro lado" da orla de Fortaleza, o local sequer tem guarda-vidas garantidos todos os dias, apesar de atrair turistas e populares de diversos bairros da Capital diariamente.  

Em paralelo, no trecho da orla que vai da "Praia dos Crushs" até o Náutico, os guarda-vidas atuam de domingo a domingo, das 8h às 17h, e contam com postos fixos. As informações são Secretaria Municipal da Segurança Cidadã (Sesec) da Prefeitura de Fortaleza, responsável pelo salvamento aquático na região. 

No Havaizinho, como é chamada o trecho da praia do Poço da Draga onde ocorreram as duas mortes por afogamento em um intervalo de aproximadamente 60 dias neste ano, os profissionais só começaram a atuar no fim de janeiro - depois de uma das ocorrências. Além disso, a presença deles é restrita às sextas, sábados e domingos devido à maior movimentação no local, conforme informou a gestão municipal.  

Para moradores da região, a falta de reconhecimento do local como ponto turístico e de lazer pela Prefeitura faz com que a oferta de um serviço básico de salvamento aquático, por exemplo, seja uma demanda difícil. 

No dia 14 de janeiro, o corpo do jovem Kewin Freitas Melo, de 19 anos, foi resgatado por uma equipe do Corpo de Bombeiros no Havaizinho, no Poço da Draga. Kewin tomava banho no local com um amigo quando se afogou. O amigo da vítima também teria se afogado, mas foi resgatado com vida por moradores da região. 

No dia 22 deste mês, um adolescente de 15 anos também morreu afogado na praia, após pular da Ponte Velha, como também é conhecida a antiga Ponte Metálica, localizada na região. O corpo dele também foi resgatado por uma equipe do Corpo de Bombeiros. A corporação informou que a área não é de sua responsabilidade, e sim da Prefeitura, por isso atende apenas ocorrências quando é acionada. 

A praia do Poço da Draga é de responsabilidade da Inspetoria de Salvamento Aquático (ISA) da Guarda Municipal de Fortaleza (GMF).  

Um dia após a segunda morta, na quinta-feira (23), uma equipe do Diário do Nordeste foi até o local para ouvir a população da região sobre a ocorrência de afogamentos. Na ocasião, moradores informaram que uma equipe de guarda-vidas da Prefeitura estava no local no dia, mas não sabiam se ela ficaria de forma diária e permanente. 

Em nota, enviada na quinta, a Sesec informou a atuação de guarda-vidas apenas às sextas, sábados e domingos no local. 

'Nosso lazer' 

No Poço da Draga, o principal "point" é a antiga Ponte Metálica, onde os frequentadores aproveitam para saltar no mar e observar o pôr do sol. Apesar de estar com a estrutura desgastada e com ferros expostos, o local atrai turistas e moradores de toda região da Cidade. Para o instrutor de surfe e morador da região, Antonio Varley da Silva Moura, de 18 anos, a ponte e o mar são os espaços de lazer da comunidade.  

"Todo dia eu to aqui. Eu sou professor de surfe de uma das escolinhas que tem aqui na comunidade e sou morador daqui também. Normalmente, venho sempre acompanhado, com alunos, amigos. Aqui é nossa diversão, é nosso único local de lazer. (...) Cresci no mar e vou ficar aqui até ficar velho" 
Antonio Varley Moura
Instrutor de Surfe

De acordo com Varley, afogamentos em diferentes graus são frequentes e ocorrem principalmente com pessoas de outras regiões da cidade - que se aventuram no mar e na ponte sem conhecer as condições climáticas, em relação aos ventos e à maré, nem pedir orientação aos moradores.  

O recepcionista Celino Rocha, 40 anos, também morador do Poço da Draga, exalta a relação da comunidade com o mar e com a Ponte Velha. Para ele, a região é tão suscetível a afogamentos quanto outros pontos da orla. Além disso, a falta de pedras ao redor da ponte torna o local "tranquilo" para os saltos. 

"Para a gente, falta o Poder Público está aqui com a gente nessa organização, na informação. Isso aqui é necessário, é ponto turístico. (...) Os afogamentos ocorrem sempre em horários intermediários, quando não tem nenhum morador que possa ajudar, informar, salvar", ressalta. 

O morador Angel Gabriel, 22, defende que o local seja, de fato, reconhecido como um ponto turístico de lazer, porque somente assim vai receber a estrutura necessária para evitar mortes por afogamentos. 

"Há muitos frequentadores, de toda faixa etária de idade, e a gente nasceu, cresceu e vamos morrer aqui", frisa, acrescentando que já salvou várias pessoas no mar de um afogamento. 

Frequência assídua 

A arquiteta Lorena Villa Real, de 39 anos, é um dos frequentadores que se desloca semanalmente para a região para praticar aulas de surfe. Nessa última semana, inclusive, foi a primeira vez que ela saltou da Ponte Velha. Para ela, não há perigo se você for acompanhado. O que falta ao local é requalificação e mais atenção dos órgãos públicos. 

"Eu acho que, na verdade, só lembram até a outra Ponte (dos Ingleses). De lá para cá, realmente é completamente esquecido e aqui é muito mais bonito", frisa. 

O estudante Jeferson Jerônimo, de 24 anos, é outro que também vai semanalmente para a praia do Poço da Draga. Diferente de Lorena, a motivação dele é justamente o salto da ponte. Ele reconhece a aventura não é segura para quem não conhece a região, tendo em vista que há partes do mar com mais ondas e outras mais tranquilas. 

"Para quem não é acostumado a vir, é bastante perigoso. Acontece muito (afogamentos) com que não sabe nadar", reconhece. 

Casos e cuidados 

Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Segurança Cidadã informou que de 2020 a 2022, a Inspetoria de Salvamento Aquático resgatou 356 pessoas de afogamentos na orla de Fortaleza — sendo 132 no ano passado. Em 2023, foram 75 resgates. Os dados abrangem apenas os pontos da orla atendidas pela ISA, como Barra do Ceará, Carapebas, Praia dos Crush, Jangada, Praia de Iracema, Ponta Mar e Náutico. 

A pasta reforçou, também, que a comunidade irá ganhar um posto guarda-vidas de forma permanente com a requalificação de novos trechos da Praia de Iracema. Após a entrega do posto, o local passará a ter equipes fixas diariamente.  

Além disso, o órgão frisou cuidados que a população deve tomar ao entrar no mar, como procurar guarda-vidas antes para saber os melhores locais e receber dicas para um banho seguro e consciente.  

O professor de natação no mar Ítalo Emanuel também pontuou outros cuidados ao entrar no mar. Ele pondera que, até para quem sabe nadar, o mar pode ser perigoso. Por isso, antes de entrar é necessário observar ventos, os tamanhos da onda que estão quebrando, ficar em grupos e utilizar equipamentos de segurança, como flutuadores, por exemplo. 

"Quando você assume o risco de entrar no mar só por diversão, você assume o risco de passar por uma situação adversa. Muitas vezes, a pessoa se afoga não é por não saber nadar, é pelo nervosismo. Por isso, é sempre bom nadar em grupo, fazer uso de um flutuador, estar com roupa que possam ser vistas a distância, chamativas, e manter a calma" 
Ítalo Emanuel
Professor de natação no mar

Requalificação 

Em relação a melhoria na urbanização da região, a Prefeitura de Fortaleza anunciou, ainda em janeiro, requalificação de novos pontos da Praia de Iracema, abrangendo, também, a comunidade do Poço da Draga. As intervenções devem começar em abril, conforme informado em janeiro. 

As obras devem contemplar o Poço da Draga com um caminho em deck de madeira interligando o trecho da Ponte dos Inglese ao local; urbanização do entorno do Pavilhão Atlântico; e urbanização do espigão do Poço da Draga para facilitar "a caminhabilidade da população local e área contemplativa". 

No espigão, inclusive, o projeto prevê um anfiteatro com plataforma para saltos aquáticos, o que vem sendo alvo de questionamentos. As obras devem durar cerca de 18 meses.

A restauração da Ponte Velha não foi citada no projeto apresentado. Todavia, o equipamento está em processo de tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o que dá outro trâmite ao processo. Para fazer qualquer intervenção no local, é necessária autorização do Iphan.