‘A fome também é problema de quem come’: Expo Favela debate impactos e soluções para fome no Ceará

Painel reuniu autoridades e agentes da sociedade civil para discutir sobre a comida como direito inegociável e urgente

“Ninguém estuda com fome. Ninguém trabalha com fome. Ninguém faz nada com fome.” A conclusão é simples, mas forte e fundamental para reforçar outra: “alimentar-se é um direito, e direito a gente não negocia”.

As falas são de Edson Leite, chef de cozinha e fundador do negócio social Gastronomia Periférica, e abriram o painel “Fome: alternativas de superação, sociedade poder e setor privado engajados”, realizado na manhã desta sexta-feira (27) no primeiro dia do Expo Favela Innovation, feira de empreendedorismo para o público das periferias.

A mesa reuniu autoridades dos governos do Estado do Ceará e Federal, além de agentes do terceiro setor e da sociedade civil, para debater sobre as causas e efeitos da insegurança alimentar, que afeta cerca de 1,5 milhão de cearenses, segundo estima o governo estadual.

Entre as ideias-chave está uma amarga, mas necessária de ser engolida: o impacto do desperdício de alimentos e a responsabilidade da sociedade diante da fome, como pontuou Geyze Diniz, cofundadora e presidente do Conselho do Pacto Contra a Fome. 

“A gente se afasta desse problema e terceiriza pro governo. Ele tem a força, o orçamento e a gestão, mas sozinho não consegue resolver”, opina.
 

Geyze cita que a meta do Pacto contra a Fome é “não haver ninguém com fome até 2030, e todos estarem bem alimentados até 2040” – objetivo que pode soar utópico, como ela reconhece, mas que está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU).

“A fome é um problema enorme e complexo, mas é possível de resolver – e ela também é um problema de quem come”, sentenciou, acrescentando em seguida: “não passei fome, mas isso não me tira o lugar de combatê-la”.

Edson, autor de um livro que lista 65 receitas para aproveitamento integral de alimentos, sublinha a necessidade de reformulação das polítcias públicas de assistência social no Brasil, que “funcionam em emergência, não em prevenção”. 

“Sentir fome e sede já são os alertas máximos. Se você sentiu fome, alguma coisa falhou. Onde a gente falhou? Precisamos mudar isso.”

‘Onde a gente falhou?’

Também convidado do painel, Wellington Dias, ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, frisou o investimento na compra de insumos de produtores locais, “da terra”, como uma estratégia importante para atacar o problema.

A medida é complementar a outra estrutural: os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família (BF). Ao ser questionado pela jornalista Basília Rodrigues, mediadora do painel, sobre o preconceito que os beneficiários sofrem, Wellington foi categórico.

As pessoas não se conformam, como dizem por aí. Até se envergonham, mas recebem, porque com fome ninguém se desenvolve. E elas querem sair da pobreza – 74% dos filhos do Bolsa Família saíram. Se alguém da classe média quer crescer, imagine um mais pobre.
Wellington Dias
Ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome

O ministro destacou ainda a recente mudança no programa, que permite que beneficiários trabalhem com carteira assinada e continuem recebendo o Bolsa Família, desde que a renda per capita familiar seja inferior a R$ 600.

Já Lia de Freitas, presidente do Comitê Intersetorial de Governança do Ceará Sem Fome e primeira-dama do Ceará, lamentou o fato de que cerca de 1,5 milhão de cearenses recebem o benefício, mas, ainda assim, “não conseguem se alimentar bem” e vivem em insegurança alimentar.

A gestora citou o Pacto por um Ceará sem Fome, lançado em junho deste ano, como um dos pilares para a erradicação da fome no Estado. Pelo programa, cerca de 43 mil famílias cearenses recebem R$ 300 mensais para complementar a compra de alimentos.

Outra ação incluída no Pacto é a ampliação das cozinhas comunitárias, que “levam o alimento pronto para garantir pelo menos uma refeição completa por dia” como frisou Lia de Freitas.

“Só em Fortaleza, temos 800 assentamentos precários. A partir da escuta dessas pessoas, chegamos com as cozinhas, em reconhecimento ao trabalho que as periferias já fazem. Cerca de 80 mil pessoas recebem alimentos em 122 municípios com cozinhas do Ceará Sem Fome”, estima, reconhecendo que a política é apenas uma das tantas necessárias.

“Temos muitas fomes: fome de comida, fome de moradia, fome de Internet, fome de convivência.”

O case do Bom Jardim

Antes de serem apoiadas por políticas públicas, as cozinhas comunitárias já se erguiam nas periferias como formas de a própria comunidade se ajudar. No Grande Bom Jardim, em Fortaleza, já são 24 equipamentos como esse, cruciais para amenizar os impactos trágicos da pandemia de Covid.

O case foi levado ao painel por uma das convidadas, Natália Tatanka, empreendedora social e CEO do projeto de Sustentabilidade Giardino Buffet, ligado ao Movimento Saúde Mental do Bom Jardim.

“Com ajuda de parceiros, entregamos mais de 200 mil marmitas durante a pandemia, período em que fechamos nossa cozinha. Mas, ao contrário da pandemia, esse assunto não acabou”, destacou.

Natália frisa que “mesmo tendo o (programa) Ceará Sem Fome”, o desafio de auxiliar quem precisa de alimentação é diário. “Sei o que é ter 100 marmitas pra entregar e uma fila de mais 100.”

Por meio do empreendedorismo, porém, o GBJ tem conseguido progredir nas lutas. Um exemplo é o Giardino Buffet, criado por Natália e formado por mulheres que levam “comida da favela pro asfalto”.

“Algumas mulheres que estavam em formação na Escola de Gastronomia do GBJ começaram a empreender, e criamos o Giardino. É alta gastronomia dentro da favela, com muitas mulheres refazendo sua história, saindo da pobreza internalizada. Sabendo que podem.”

Expo Favela

A Expo Favela Innovation é uma realização da Favela Holding e produção da InFavela com parceria social da Central Única das Favelas (Cufa).

A programação teve início na manhã desta sexta-feira (27) e segue até a noite deste sábado (28), incluindo participação de nomes como os ministros Silvio Almeida e Camilo Santana, e do jornalista Pedro Bial.

Programa Expo Favela 28 de outubro (sábado)

Palco 1 (Pavilhão térreo)

9h: 50 anos de Hip Hop

Painelistas: Davi Favela, Dexter, DJ William, Flip Jay, MV Bill, Negritta

Mediador: Michael Rizzi

10h15: Diversidade, equidade e igualdade nos espaços jurídicos

Painelista: André Costa, Sílvio Almeida, Livia Vaz

Mediadora: Edilene Lobo

11h15: Responsabilidade Social e ESG 

Painelistas: Kleber de Oliveira, Coca-Cola, Flávia Garcia, Paulo Mota, Suelma Rosa, Nidovando Pinheiro

Mediadora: Carol Kossling

13h: O papel da educação no enfrentamento das desigualdades

Painelista: Camilo Santana, Custódio Almeida, Eri Bernardino, 

Mediador: Professor João

14h15: Mulheres que lideram

Painelistas: Elaine Caccavo, Luiza Trajano, Adriana Barbosa, Onelia Santana

Mediador: Luana Xavier

15h30: Conexões culturais e diversidade regional

Painelistas: Aline Torres, Eberth Santos, Ursula Vidal, Zé Ricardo, Luisa Cela, Pedro Tourinho, Beatriz Araújo

Mediador: Pedro Bial 

Palco 2 (Mezanino - 1º andar)

9h: Religiões e causa sociais

Painelista: Ivanir dos Santos, Kleber Lucas

10h: Por uma agenda pública de direitos

Painelistas: Marcivan Barreto, Tamires Sampaio, Ariane Santos, Vilma Freire, Adalberto Alencar, Cassia Vasconcelos

Mediador: Davi Gomes

11h20: Carreiras jurídicas, mercado e causas

Painelistas: Dione Assis, Joel Luiz Costa, Sue Circunde, 

Mediador: Walfrido Jorge Warde Junior

13h: Inclusão e diversidade - o que empresas e governos podem fazer?

Painelista: Grazi Mendes, Izabel Accioly, Luiza Nobel, Raquel Virginia

14h15: Comunicação pública, favela e oportunidades de empreender

Painelistas: Paulo Pimenta, Leo Ribeiro, Tiago Trindade, Renato Meirelles

Mediador: Maisa Vasconcelos

15h30: Moda, o Estilo Favela, Causas e Negócios 

Painelistas: Guilherme 4Townstreet, Léo Bronks, Nair Beatriz

Mediador: Clara Dourado