Em novembro de 2023, um acordo de cooperação técnica inédito no Brasil, celebrado entre o Governo do Ceará e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), estabeleceu que quatro terras indígenas no Estado teriam processo de demarcação utilizado pela atuação conjunta. Atualmente, quase um ano depois, três delas já tiveram os limites físicos colocados e a última deve recebê-los no próximo mês.
Até o momento, as etnias que receberam os marcos físicos nos territórios foram:
- Jenipapo-Kanindé da Lagoa da Encantada, em Aquiraz, em fevereiro;
- Tremembé de Queimadas, em Acaraú, em fevereiro;
- Pitaguary, entre Maracanaú e Pacatuba, em outubro.
Conforme a Funai, a demarcação busca proteger os indígenas contra possíveis invasões e ocupações das terras por pessoas não indígenas.
Os processos têm apoio do Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), vinculado à Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA) e da Secretaria dos Povos Indígenas (Sepin). Eles contribuem para o georreferenciamento dos limites e para o levantamento de edificações instaladas por não-indígenas dentro das Terras.
No Ceará, as quatro áreas possuem processos avançados: são legalmente declaradas como indígenas e avançaram na demarcação territorial - com marcos físicos para orientar onde começam e onde terminam -, mas ainda carecem da homologação do Governo Federal.
A titular da Sepin, Juliana Alves, afirma que a expectativa para as próximas etapas é positiva. “Após o processo de demarcação física, existem outros para que a terra indígena possa vir a ser homologada, desintrusada (retirada de não-indígenas) e registrada em cartório como terra da União, com legitimidade para o povo que ali existe”, diz.
“Nós não fazemos tratativas que não estão de acordo com o povo; muito pelo contrário, os povos estão cientes de todos os passos que essas demarcações físicas perpassam, desde o estudo à colocação dos marcos, das placas, para que a gente possa garantir também a segurança do território indígena”, garante a secretária.
Ela ainda lembra que os marcos representam não só a conclusão de um longo processo de medição, mas abrem caminhos para a consolidação de políticas públicas que visam à preservação dos territórios indígenas e ao fortalecimento das comunidades.
Segundo o artigo 231 da Constituição Federal, a posse plena e o usufruto exclusivo dos territórios tradicionais pelos indígenas são condições essenciais para a realização de outros direitos, a exemplo dos direitos sociais, culturais e ambientais.
Terra Tapeba
Agora, apenas a terra Tapeba, em Caucaia, aguarda a colocação dos marcos. Segundo a Sepin, esse processo está previsto para novembro. Hoje, a etnia é a mais numerosa do Ceará e se distribui em 19 aldeias, tendo mais de 17 mil pessoas, conforme o Censo 2022 do IBGE.
A terra Tapeba tem 5.294 hectares e foi identificada em 1986, durante um processo de mobilização incentivado pelo então arcebispo de Fortaleza, Dom Aloísio Lorscheider. Após anos de disputas jurídicas e administrativas, sobretudo contra fazendeiros, a posse permanente foi declarada pelo Ministério da Justiça em setembro de 2017.
Segundo Juliana Alves, ficou acertado com a liderança dos povos contemplados pelo acordo que o processo começaria pelas menores populações. Sobre o caso Tapeba, ela afirma haver “uma complexidade” pelo número de comunidades. “A gente está acompanhando para que todos possam se sentir contemplados e envolvidos no processo”.
Segurança dos territórios
Mesmo após a colocação dos limites físicos, há risco de invasões dos territórios? Existe alguma tratativa com as forças de segurança para que esses limites sejam respeitados?
Segundo a Sepin, há um diálogo constante com a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) para a permanente proteção dos povos indígenas cearenses, que envolve acolher as demandas, colaborar com o estabelecimento de protocolos e dar os devidos encaminhamentos.
“O território indígena também requer os cuidados da segurança pública do nosso estado. Os povos indígenas continuarão na defesa, na luta permanente por esses territórios, uma vez que entendem da singularidade, da importância desses territórios para as futuras gerações”, ressalta a secretária da Sepin.
Como funciona a demarcação?
O procedimento demarcatório de terras indígenas tem várias fases e está descrito em decreto presidencial, que as divide em:
- Em estudo: Fase na qual são realizados os estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais, que fundamentam a identificação e a delimitação da área indígena.
- Delimitadas: Fase na qual há a conclusão dos estudos e que estes foram aprovados pela Presidência da Funai através de publicação no Diário Oficial da União e do Estado em que se localiza o objeto sob processo de demarcação.
- Declaradas: Fase em que o processo é submetido à apreciação do Ministro da Justiça, que decidirá sobre o tema e, caso entenda cabível, declarará os limites e determinará a demarcação física da referida área objeto do procedimento demarcatório, mediante Portaria publicada no Diário Oficial da União.
- Homologadas: Fase em que há a publicação dos limites materializados e georreferenciados da área, através de Decreto Presidencial, passando a ser constituída como terra indígena.
- Regularizadas: Fase em que a Funai auxilia a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), como órgão imobiliário da União, a fazer o registro cartorário da área homologada.