O El Niño é um fenômeno oceânico de aquecimento anormal das águas do oceano Pacífico, próximo à costa da América do Sul, que prejudica a ocorrência de chuvas no Nordeste brasileiro, incluindo o Ceará. Nos últimos 50 anos, ele foi observado pelo menos 13 vezes, impondo medidas estruturantes de enfrentamento à seca e à baixa recarga em reservatórios.
A nova ocorrência do El Niño foi confirmada pela Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa), no último dia 8 de junho. Para a entidade, há 84% de probabilidade da versão moderada do fenômeno, e 56% para a versão mais intensa no próximo ano.
De acordo com levantamento do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cptec), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), 6 das últimas 13 ocorrências foram classificadas como “fortes”; mais 6 como “moderadas”, e apenas uma como “leve”.
Para se ter uma ideia, veja abaixo anos em que o fenômeno se configurou e o resultado da quadra chuvosa, período de fevereiro a maio quando se costuma chover 600,7 mm, com base no Calendário de Chuvas da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme):
- 2016 (forte): -47,2%, chovendo 317 mm
- 2010 (moderado): -49,5%, chovendo 303,4 mm
- 2007 (moderado): -4,9%, chovendo 571,1 mm
- 1998 (forte): -54,7%, chovendo apenas 271,9 mm
- 1992 (forte): -26%, chovendo 444,6 mm
O último período oficial de El Niño foi em 2016, também o quinto ano consecutivo de seca no Estado. Em 2015, o Governo do Ceará precisou elaborar o Plano Estadual de Convivência com a Seca, contendo medidas emergenciais e complementares para garantir segurança hídrica, segurança alimentar, benefícios sociais e sustentabilidade econômica.
“Hoje estamos numa condição favorável, mas a primeira coisa que a chuva faz é lavar da nossa memória os problemas de secas passadas”, disse o presidente da Funceme, Eduardo Sávio, durante a apresentação do resultado da quadra chuvosa de 2023. “É muito importante termos cautela nas decisões que vão ser feitas na alocação de água, pensando principalmente no próximo ano”.
O gestor explicou que as análises preliminares colocam o regime de chuvas de 2024 parecido aos de anos como 1958, 1998 e 2016, ou seja, “nada bons em termos de aporte” nos açudes.
Mesmo em anos normais, temos 50% de chance de o aporte ser abaixo da média. Em anos secos, é quase certo ser abaixo da média se não tiver uma concentração de chuvas em poucos dias.
Duração incerta
Outros institutos de pesquisa climática do Nordeste também observam com atenção a consolidação do El Niño, já que um regime de chuvas abaixo do esperado dificulta a produção agrícola e o abastecimento hídrico, tanto para humanos como para a pecuária.
O chefe da unidade de Meteorologia da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (Emparn), Gilmar Bristot, comenta que as análises atuais projetam que, no próximo ano, o fenômeno tenha intensidade de moderada a forte. No entanto, rebate opiniões de que será o mais intenso da história, não devendo superar o de 2016.
“O período chuvoso de 2024 certamente estará comprometido em todo o Nordeste porque o El Niño não escolhe um estado para atingir mais ou menos”, alerta.
O meteorologista Thiago do Vale, da Agência Pernambucana de Águas e Climas (Apac), complementa que regiões semiáridas podem ficar ainda mais secas, como o agreste e o sertão pernambucano. Até mesmo a Região Metropolitana e a Zona da Mata, que ficam mais ao leste do Nordeste e são beneficiadas pela proximidade com o oceano Atlântico, podem passar por escassez de chuvas.
Para o especialista, ainda é prematuro prever a duração do fenômeno que, historicamente, quando é prolongado, dura cerca de 3 anos. “A tendência é, se o Pacífico continuar aquecendo, ser moderado. Isso é especulação, temos que acompanhar”, assegura.
Bristot, da Emparn, lembra que não há explicação certa sobre a fonte de energia que alimenta o El Niño. Isso depende de uma série de fatores climáticos difíceis de definir e que carecem de mais estudos.
Pré-estação favorável?
Apesar dos modelos desfavoráveis para o período que deveria ser mais chuvoso no Nordeste, há esperanças de que a pré-estação de 2024 - pelo menos nos próximos meses de dezembro e janeiro - seja mais intensa do que nos últimos 3 anos.
“Em anos de El Niño, o Pacífico quente facilita o fluxo de frentes frias para o Sul do país, e elas conseguem chegar até o sul da região Nordeste, desencadeando a formação de vórtices ciclônicos que atuam na pré-estação”, pondera Gilmar Bristot, da Emparn.
Como exemplo, ele cita o que aconteceu em 2004. Há quase duas décadas, 2003 terminou com o Pacífico aquecido e favoreceu os vórtices ciclônicos. No ano seguinte, “tivemos janeiro e fevereiro com muita chuva, o que encheu praticamente todos os reservatórios do Nordeste”.
“Não é que a pré-estação vai sumir com as consequências do El Niño, mas poderemos ter um início de ano com chuvas para reservatórios e dificuldade para a agricultura”, finaliza.
Monitoramento da seca
Os três especialistas ouvidos pela reportagem são unânimes ao ressaltar a necessidade de integração entre os institutos de meteorologia e as esferas de Governo para a tomada de decisões sobre políticas de atendimento a áreas atingidas por seca.
Uma das iniciativas mais importantes nesse sentido é o Monitor de Secas, criado em 2014, no contexto da seca prolongada que assolava o Nordeste desde 2012. A ferramenta monitora mensalmente o avanço de áreas de seca e ajuda a melhorar o alerta precoce de possíveis problemas.
Anos de El Niño
Conforme o monitoramento histórico da NOAA, os anos em que o fenômeno se consolidou foram:
- 1897
- 1900
- 1903
- 1906
- 1915
- 1919
- 1926
- 1931
- 1941
- 1942
- 1958
- 1966
- 1973
- 1978
- 1980
- 1983
- 1987
- 1988
- 1992
- 1995
- 1998
- 2003
- 2007
- 2010
- 2016