Das páginas dos livros para a vida real. Li vários poemas de Cora Coralina (1889-1985) e, viajando a trabalho em Goiânia, resolvi ir à cidade de Goiás Velho, no Interior do Estado, respirar o que inspirou a poeta goiana, cujo aniversário de 130 anos de nascimento foram comemorados ontem na terra natal da escritora e doceira.
Chegando à cidade, comecei visitando a Casa Museu de Cora Coralina, e ali, naquele casarão branco de janelas emolduradas de verde, ao lado de uma pequena ponte, que liga as duas margens do Rio Vermelho, o que não deixa de ser dois mundos para Cora, que com certeza também se inspirava no doce som do correr de suas águas.
A simplicidade e a riqueza da tranquilidade, em tudo que se põe os olhos, me remeteram ao cheiro dos doces que seriam feitos naqueles tachos de cobre sobre fogão a lenha, às tardes de leitura na sua pequena biblioteca, ao cultivo das flores no belo jardim e aos banhos de bica em tempos de chuva.
Nesse contexto, pude sentir o que imaginava, quando lia seus poemas cheios de cotidiano, como inspira aquele belo lugar. Foi aí que conheci uma senhora, chamada Ana, como Cora, e que me fez caminhar pela cidade e descobrir suas inúmeras joias.
As surpresas foram tantas que não só respirei o ar que sabia, como encontrei ares que fazem parte do meu querer.
Diamante
Descobri que nesta pequena e bela cidade, além das praças arborizadas, e do conjunto de bonitas igrejas, ricas em peças sacras, barrocas e renascentistas, há mais o que explorar. O casario colonial muito lindo, do Museu das Bandeiras, instalado no edifício da antiga Casa de Câmara e Cadeia - e que, apesar de pequeno, abriga documentos da nossa história-, além de vários objetos que marcam a presença da colonização portuguesa.
Mas tinha outro diamante lapidado à base de doce caseiro e de arte em areia colorida. Essa pedra preciosa era a artista plástica Goiandira Couto, já falecida que, para me receber, precisei marcar hora, com a ajuda de Ana, porque ela não se apresentava para ninguém se não fosse bem penteada e maquiada.
Falante e carismática, me apresentou seu material de trabalho, composto de centenas de potinhos de areias coloridas, "catadas" das montanhas ao seu redor. Não fazia segredos de seus detalhes de vida e de como começou com pinturas a óleo e descobriu a areia. Apresentou suas exposições pelo mundo afora e, no final, saboreei os manjares que suas mãos sabiam preparar.
É muito fácil chegar à cidade de Cora Coralina, a partir de Goiânia, pela GO-070, são cerca de 2 horas de viagem, lentamente e apreciando a paisagem, parando nas barracas que vendem frutas, pequi, jabuticaba, doce de pimenta, pamonha com queijo ou pimenta ou linguiça caseira e muito mais iguarias regionais.
Pernoitar na cidade é uma boa pedida, e do outro lado da ponte tem um hotelzinho simples e charmoso, com vistas para o Rio Vermelho e para a Casa Museu de Cora. Assim, é possível conhecer melhor as belezas da cidade de Goiás. E trazer doces lembranças deste pedacinho do Brasil que merece ser explorado.
COMO CHEGAR
De Fortaleza a Goiás, todas as companhias fazem voos com escala. O aeroporto mais próximo é o de Goiânia. A partir de lá, é possível seguir viagem de duas maneiras: alugando um carro ou pegando um ônibus. Várias empresas fazem o trajeto. De carro, saindo de Goiânia, são 136 quilômetros pela GO-070, passando por Itaberaí até chegar ao destino.
CASA MUSEU DE CORA CORALINA
Fundada por amigos e parentes da poeta goiana, o espaço foi inaugurado em 27 de setembro de 1985. Aberto à visitação pública, desenvolve atividades culturais, educacionais, ambientais e, sobretudo, preserva a memória e divulga a vida e a obra de Cora Coralina. Rua Dom Cândido, 20, Centro - Cidade de Goiás. Informações: (62) 3371.1990 e pelo site do museu.
> Saiba mais sobre Cora Coralina
A cidade de Goiás teve uma festa especial para lembrar os 130 anos de nascimento de uma de suas filhas mais ilustres: Cora Coralina. Nesta mesma data, 20 de agosto, também foi comemorado o Dia do Vizinho – idealizado e defendido pela própria poetisa. Era com eles que Cora Coralina podia contar toda vez que se mudava para uma cidade nova. Era neles que ela sempre se apoiava para cuidar da sua casa em Goiás, período em que foi morar em São Paulo. Só retornou às origens aos 67 anos, e solitária. Mesmo após a sua partida, em 10 de abril de 1985, Cora continua sendo referência na literatura nacional, seja por sua doçura com as letras ou pela sabedoria do amor.