TJA 110 anos - O Theatro José de Alencar, a praça e o Condor

Quarta crônica da série em comemoração aos 110 anos do Theatro José de Alencar traz o olhar do jornalista Anderson Sandes a partir de três décadas de cobertura das atividades do equipamento. Até domingo (21), confira diariamente um novo texto no site do Diário do Nordeste

TJA. Acompanho essa história há pelo menos 30 anos. História de altos e baixos. Para mim, mais baixos do que altos. Explicar os motivos talvez seja difícil por se tratar de uma jóia, encravada numa praça suja (a imagem que guardo sempre será essa), rodeadas por um comércio ambulante desorganizado, o vaivém de ônibus, de vendedores de remédios para a cura de todos os males e evangélicos com suas insistentes pregações; uma praça de muitos cheiros, uma algaravia só.

Dentro do teatro, outro cenário. Construção neoclássica do início do Século XX com vitrais, pinturas e contornos metálicos em estilo art nouveau. Das cadeirinhas de palhinhas, às vezes dos camarotes, outras vezes da torrinha assisti a dramas, comédias e tragédias. 

"Macunaíma", de Antunes Filho, "A Farra da Terra", do Asdrubal Trouxe o Trombone, "Frei Tito", "Apareceu a Margarida" e "Flor de Obsessão" (montagens de Ricardo Guilherme,) "O Morro do Ouro", "Rosa do Lagamar", "A Valsa Proibida" (Comédia Cearense), "Toda Nudez Será Castigada", de Nelson Rodrigues, "Casa de Bonecas", de Ibsen, com Tônia Carrero;  "D. Giovanni", de Mozart, dirigida por Bia Lessa, "Dona Doida" (Fernanda Montenegro/Adélia Prado). A dança social e emocionante do espetáculo Jangurussu, da Edisca. E por que não lembrar das muitas montagens adolescentes de balés das escolas de dança clássica que pululavam na Fortaleza das décadas de 1980 e 1990. Um rosário de encantos. 

As três imagens se entrelaçam: a da praça, a do interior do teatro e a dos tantos espetáculos assistidos. Cruzam-se diante das diversificadas políticas públicas anunciadas e muitas não cumpridas por vários Secretários de Cultura – desde as promessas de revitalização da praça até o teatro na inserção de uma economia criativa. Desses embates, é que vou tentar costurar essas lembranças de repórter e editor do Caderno 3 deste Diário (de 1981 a 2010). São rastros do tempo passado. Um difícil equilíbrio entre o excesso de memória e excesso de esquecimento.

A então Secretária de Cultura, Violeta Arraes (1926-2008), no governo Tasso Jereissati, comandou uma restauração radical no TJA – a estrutura se encontrava enferrujada e havia sério risco de desabamento do teto do foyer. Reforma que durou de 1989 a 1991. Até uma central de ar condicionado o teatro ganhou e um novo anexo chamado de Morro do Ouro.

Com a reforma, o José de Alencar ganhou nova vida – não poderia deixar de ser diferente. Entre os espetáculos encenados na época, um chamou a atenção e abalou Fortaleza, a ópera Dom Giovanni, em 1992, de Mozart, direção de Bia Lessa, já na administração de Augusto Pontes, governo Ciro Gomes. 

O espetáculo, segundo jornais da época, foi um dos mais caros já montados no Estado. Em entrevista ao Diário do Nordeste, Augusto Pontes, disse que a montagem da ópera, reunindo artistas cearenses e italianos, consumiu dez por cento do orçamento da Secult daquele ano. Na verdade, ninguém soube ao certo quanto dinheiro foi envolvido na concepção da ópera. Falava-se até de sete milhões de dólares somente na parte da pesquisa.

Entre a polêmica dos gastos diante da realização da ópera, dois problemas acentuaram-se, ainda na administração de Augusto Pontes: a falta de dinheiro para a manutenção do TJA e a prometida revitalização da praça José de Alencar e do Centro de Fortaleza.

Diante de problemas de gestão do TJA, Ciro Gomes mudou a direção do teatro e convidou o professor do curso de Letras da Universidade Federal do Ceará, Carlos D’Alge (1930-2017). Ele substituiu o também professor Oswald Barroso. A posse de D’Alge foi concorrida, contando inclusive com a presença de Ciro Gomes. Ele acumulou também a direção da Escola de Ofício e Artes – ECOA. 

Sem dinheiro para tocar seus projetos – tanto no teatro, quanto na ECOA –, o professor D´Alge preferiu pedir o boné. E saiu atirando. Tanto no governador Ciro Gomes,  quanto no Secretário de Cultura, Augusto Pontes (1935-2009). Denunciou a falta de dinheiro até para compra de papel higiênico, facão para podar as árvores e remédios para matar as pragas do belo jardim do TJA, criação do paisagista Burle Max.

O governador Ciro Gomes trocou publicitário Augusto Pontes por outro publicitário – Paulo Linhares. Com uma visão de marketing arrojada, Linhares reformulou toda a estratégia da Secult. O TJA – apesar ainda das promessas de revitalização do centro – foi também colocado no mapa por Linhares. Lembro-me do projeto  ‘Um concerto por um real”. Os planos dele eram mais ambiciosos.

Além da criação da Orquestra Sinfônica, projeto de Pontes, Linhares disse em entrevista ao Diário do Nordeste que o teatro precisaria ter uma companhia permanente – ‘todo o teatro do mundo tem uma companhia’ e que ele, o TJA, “deveria ser mantido pelo Estado”. Nem veio a Sinfônica, nem a companhia de teatro. Durante a gestão Linhares construiu-se o Dragão do Mar (para mim o TJA ficou esquecido), mas manteve-se o fluxo de peças e projetos. 

Já no final dos anos 90 com o aumento da violência urbana e a falta de policiamento, o TJA foi sendo esquecido pelo público. Era uma aventura ir ao TJA, diante da chaga social que cada vez mais se alastrava no seu entorno.

Não eram mais os ambulantes ou os evangélicos ou o vaivém de ônibus, mas sim uma plêiade de miseráveis, desassistidos pelo Estado - drogados, prostitutas, moradores de rua e trombadinhas.  

Ali pontifica solitário, o Theatro José de Alencar, TJA, sigla criada por nós, jornalistas, diante de especificidades técnicas para a titulação de matérias, um dos símbolos culturais mais importante do Estado, rodeado ainda por incertezas e violência urbana. 

Incerteza que, nesta comemoração dos 110 anos do ícone de Fortaleza, reabre mais uma vez a discussão: o que fazer para que o TJA recupere as funções pertencentes a espaço tão nobre e fabuloso?

A retomada permanente e de expressivos espetáculos restauraria em parte a credibilidade do TJA. Permanece o antigo e insolúvel problema. O entorno do teatro, ou seja, a praça, onde pontifica o TJA e a estátua do fundador do romance brasileiro, José de Alencar. 

Nesse ponto um paradoxo ou nó górdio. Só a retomada do ambicioso projeto de revitalização do Centro da cidade, de integração, valorização e inclusão social. Não apenas uma prometida reforma da praça. Como leio nos jornais.

Enquanto isso, poetiso a frase de Caetano: a praça e o teatro são do povo, como o céu é do Condor.

*José Anderson Sandes foi editor do Caderno três de dezembro de 1981 a julho de 2010. Atualmente é professor de Jornalismo da Universidade Federal do Cariri.