Quatro de maio de 1994 é data importante para as Artes Cênicas do Ceará. Foi quando o primeiro ator conseguiu ser registrado profissionalmente por meio da Delegacia Regional do Trabalho (DRT/CE). A conquista, a princípio apenas pessoal, redesenhou a rota do segmento no Estado e oportunizou que mais horizontes fossem abertos no front.
A história pertence a Augusto Signorelli. À época, um amigo dele, o professor Carlos da Silva Frota, falou com o radialista Dedeco (Aderson Maia) sobre a condição imposta pela Rede Globo de Televisão para o ator participar da novela “Tropicaliente”. Augusto estava cotado para interpretar Antônio, pianista do hotel onde se passa a atração. E assim o fez.
“Dedeco era presidente do Sindicato dos Radialistas e conhecia minha história na televisão cearense. Foi ele quem encaminhou meu pedido de registro na função de ator. Entretanto, no Brasil, ator não é uma função cadastrada na categoria dos radialistas, mas, sim, dos artistas”, explica aos 61 anos, todo entusiasmo ao relembrar os fatos.
“Sou o ator do primeiro filme publicitário cearense, exibido pelas emissoras locais em julho de 1986. Foi também meu primeiro trabalho remunerado na função de ator. Todavia, naquela época, nem eu nem ninguém havia se registrado profissionalmente no Ceará. Desde o primeiro ‘cachê’, fiz dezenas de personagens nos últimos 38 anos”.
Em “Tropicaliente” mesmo, ele contracenou com nomes como Carolina Ferraz e Cássio Gabus Mendes. Além disso, também esteve na pele do velho Lévi no filme “Lua Cambará - Nas escadarias do Palácio” (2002), de Rosemberg Cariry; do advogado Ricardo em “Onde Acaba a Praia”, do cineasta Tiago Pedroso; e de cinco personagens no espetáculo “O Conflito de Francisco”, radionovela de Fátima Almeida realizada pela Comunidade Católica Shalom.
Também integrou, entre outras tantas produções, a série global “O Caçador” (2014), atuando junto a Cauã Reymond, Cleo Pires, Nanda Costa e Aílton Graça.
Com bastante energia e vontade, Augusto não para. Atualmente, ele estrela o episódio número nove da comédia “Se avexe não”. A série estreará no próximo mês de março no canal TV Brasil. A pré-estreia aconteceu na última terça-feira (27) no Cineteatro São Luiz.
Trajetória inquieta
Em uma conta rápida, são 70 personagens diferentes interpretados em distintos períodos e plataformas – da TV ao cinema, passando pelo rádio e o teatro. Os primeiros passos aconteceram ainda na adolescência. Ele fez Jesus Cristo em um auto de Natal apresentado no Colégio Santo Inácio. “Nunca antes havia pensado em fazer teatro”, conta.
Naquele momento, contudo, ano de 1980, o fato de o espetáculo ser coincidentemente no colégio jesuíta – palco da formação infantil dele por seis anos letivos – trazia ao artista uma curiosidade tentadora e instigante. “Era simplesmente o máximo o convite de um amigo para que eu representasse a personagem mais importante da história humana. Irrecusável”.
De lá até aqui, o personagem construído de maneira mais diversa, sob auto análise, foi o já citado Lévi, do filme “Lua Cambará”, com protagonismo de Dira Paes. Ambos se diferenciavam em tudo: Lévi, por exemplo, é um judeu errante no sertão nordestino do século XIX, o oposto de Signorelli. Entrega total e sem limites.
No fim das contas, de forma prática, o que significa um ator ou um atriz ter um registro profissional pelo Ministério do Trabalho? Augusto traça comparação: assim como o advogado brasileiro não pode praticar a advocacia no próprio país sem a carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o artista não pode exercer a profissão sem o devido registro profissional.
"Portanto, sem o registro profissional o ator não pode exercer a profissão. Por exemplo, todos os 50 atores contratados pela Orla Filmes para participar da série 'Se avexe não' possuem registro profissional. O registro profissional do ator é sempre exigido pelo contratante como pré-requisito obrigatório antes da assinatura do contrato".
Igualmente, levanta outra reflexão: para ele, nenhum ator de grande renome infelizmente fez carreira vivendo na terra natal. A diáspora para São Paulo ou Rio de Janeiro pautou grandes talentos e ainda hoje molda bastante a lógica territorial de produção cênica no país. Para citar um caso, diz que o ator ainda não superado no recorde de bilheteria por filme nacional, José Wilker, trocou Juazeiro do Norte pela Cidade Maravilhosa.
“Já o ator recordista em bilheteria de cinema pelo conjunto da obra é outro cearense, Renato Aragão. Os maiores exibidores de cinema em todo o Brasil são os familiares do cearense Luís Severiano Ribeiro. O maior produtor da história do cinema nacional é Luís Carlos Barreto, também do Ceará. O magistral Chico Anysio é de Maranguape. Contudo, nenhum deles fez carreira vivendo na terra de Alencar”.
Inspirar outros
Nada que atenue a força da atuação cearense. Logo depois de obter o registro profissional de ator, outros artistas da terra se organizaram no mesmo sentido de Augusto. Nesse movimento, um grupo teria buscado apoio no Sated-PE – trupe liderada por nomes naturais de Pernambuco, uma vez ainda não existir um sindicato de artistas no Ceará. Os amadores viajaram de Fortaleza para Olinda liderados por cearenses com naturalidade pernambucana.
“Naquele mesmo ano, de 1994, voltei para a minha terra natal a convite da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Lá, no ano seguinte, sob a condição de guanabarino, me filiei ao Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão (Sated - RJ). Falta, assim, uma política de real valorização do profissional que atua no Ceará. Se nossa tabela de valores básicos fosse equivalente a tabelas do Rio de Janeiro, atores não precisariam deixar o lar”.
De acordo com ele, atualmente existe no Ceará um sindicato dos artistas, cursos superiores de Teatro e até mestrado em Artes. O Sated-CE, por sua vez, tem competência legal para encaminhar ao Ministério do Trabalho o pedido dos interessados para registrarem-se profissionalmente como atores.
“Parece que o caminho mais fácil atualmente para os adolescentes seria mesmo cursar uma faculdade de teatro”, observa. “Meu sonho é montar, aqui no Ceará, um polo artístico para agenciamento e formação de atores para o cinema brasileiro”.
Até lá, continua. Em 1991, fundou e foi o primeiro Presidente da Sociedade Amigos do Theatro José de Alencar. A Satja evoluiu a configuração jurídica para Fundação, formato que continua persistindo até os tempos atuais.
Já no ano passado contracenou com os filhos, Levy Mota e Maria Signorelli, no palco do Teatro Dragão do Mar. Fizeram uma leitura dramática do roteiro cinematográfico “Mucuripe Hb 11,35”.
“Gostaria de contracenar com todo o elenco na realização desse filme. São nove artistas, dentre eles a Larissa Góes (Sandra/'Meninas do Benfica') e a Ana Luíza Rios (Prêmio especial em Gramado 2023). Ana faz o papel da minha filha na série ‘Se avexe não’”, cita.
Legalidade da profissão
Agências de atores e de publicidade, emissoras de rádio e TV, produtoras de cinema, estúdios de gravação, órgãos da administração pública direta, fundações culturais, empresas estatais e qualquer outro contratante brasileiro exigem o registro profissional do ator ou da atriz devidamente anotado na carteira do trabalho (CTPS) antes do exercício do ofício.
No Brasil, o registro é o documento comprobatório da qualificação necessária para o exercício legal da profissão. Qualquer trabalhador que exercer a atividade profissional sem o registro que a comprove estará cometendo o exercício ilegal da profissão.