Onde acontecem os eventos de pop em Fortaleza? Bares e festas buscam resgatar popularidade do gênero

Apesar da redução de espaços dedicados ao ritmo e dos desafios de produzir eventos e casas de show, apaixonados pelo estilo mantêm "tradição pop" viva na Capital

É bem verdade que, na capital cearense, o forró e gêneros afins sempre foram os grandes sucessos na programação das casas de shows. Porém, anos atrás, quem era amante de música pop também tinha várias opções para curtir a noite, escutando suas canções favoritas – da era disco às divas dos anos 2000 – em bares e boates. Em 2024, o cenário é outro: são poucos os espaços voltados para o pop, tanto pela segmentação das novas tendências musicais quanto por questões do mercado cearense. Para onde ir, então? 

Quando o assunto é música pop na Capital, dois nomes costumam ser unanimidade entre os fãs: o The Lights Bar, no Benfica, e o Bar Cultural Lions, no Centro. Com público fiel, ambos têm programação diversa, mas se destacam por realizar eventos voltados para o gênero musical, contemplando setlists e eventos que homenageiam artistas contemporâneos e clássicos.

Atualmente localizado na Avenida da Universidade, o The Lights começou em uma pequena casa na rua Instituto do Ceará, também no Benfica, em setembro de 2015. Na época, a ideia era focar no bar, não realizar eventos, mas “o público foi moldando o espaço e traçando essa identidade em conjunto”, conta a idealizadora Thalia Lopes, 27. 

Aos poucos, o que era demanda do público virou um sonho coletivo. “Nós colocamos muito do que a gente gostava também, que era essa coisa de diva pop, mais jovem e atual, na época. Aí a gente foi abraçando a galera que também gostava, e nesse sentido a gente foi caminhando para a produção dos eventos”, explica.

De início, os eventos eram pequenos, e aconteciam com o apoio de produtores e DJs da Cidade. Com o tempo, a gestão foi se aprimorando e os eventos pop se tornaram o carro-chefe da casa. 

Hoje, o pop ocupa cerca de 80% da grade de programação do The Lights. Além das festas temáticas – que celebram as divas pop e suas mais variadas “eras” –, o espaço realiza outros eventos voltados para o segmento, como watch parties de RuPaul’s Drag Race.

Mas, para Thalia, parte do protagonismo do bar nesse nicho vai além da programação: tem a ver com o sentimento de pertencimento que o bar proporciona aos frequentadores, algo que vai muito além do propósito comercial.

“Eu sou uma pessoa LGBT e o meu público-alvo são pessoas LGBT”, destaca. “A gente cresce se agarrando às divas pop porque elas são muito representativas, no sentido de cantar sobre poder ser quem você é, ter liberdade e não se sentir envergonhado. Isso está completamente ligado ao espaço que a gente quer ser, que é um espaço de diversidade, um espaço em que as pessoas se sentem à vontade”, conclui.

Pop, o início de tudo

Com mais de 20 anos de história, o Lions começou em 2002, como um restaurante diurno, e foi ocupando a noite da Capital de mansinho, aos poucos. Primeiro, no início dos anos 2010, o espaço gastronômico do casal Eufrásio da Silva e Maria de Fátima Porto começou a receber pequenas confraternizações esporádicas. Estas, com o auxílio da aba de eventos do Facebook, fizeram sucesso e foram se tornando mais frequentes e maiores. 

“Outras pessoas começaram a procurar os donos do bar para realizar seus aniversários e todos faziam nos mesmos moldes: criavam um evento no Face e repassavam para os amigos”, conta o gerente da casa, Gerson Barbosa. Vendo o sucesso do espaço, os donos decidiram investir em festas “estilo boate”, com proposta musical voltada para o pop, mas sem excluir outros gêneros.

“Isso era bastante comentado nas divulgações das festas. As pessoas diziam amar a Lions por ser um espaço democrático, alternativo e para todas as tribos”, ressalta. “Mas o pop foi o início de tudo. Foi a partir dele que a Lions cresceu”, completa.

Atualmente, o espaço segue sendo um dos mais procurados para quem curte pop, mas o foco em oferecer estilos para todos os públicos continua. “Temos batalhado bastante para não fugir da nossa proposta, que desde o começo foi o pop. Porém, como sabemos, a vida passa, os anos se passam, as coisas mudam e temos que acompanhar para não perder espaço”, explica Gerson.

Com o intuito de manter a programação preferida dos frequentadores assíduos, o bar tem recebido edições de várias festas focadas no gênero, como Alternadivas, Cosmica, Voyage 80s, Noite Vermelha e outras. 

Apesar das dificuldades e da inevitável necessidade de diversificar o leque de eventos para manter o espaço em funcionamento, Gerson afirma que algo seguirá mantido: o compromisso com o público. “Estamos aí na luta, sem perder o foco de manter a 'tradição' pop”.

Gandaia: do resgate no pós-pandemia à reinvenção da marca

Ainda na pandemia, um espaço virou sinônimo de festas e música pop na Cidade: a Gandaia Club, boate que funcionava ao lado do Dragão do Mar, na Praia de Iracema, e tinha programação intensa – de eventos semanais com DJs cearenses e festas temáticas em homenagem a divas pop a shows de nomes consolidados do pop brasileiro. Com passagem meteórica e noites de sucesso, os três sócios da casa decidiram encerrar a parceria e fechar o espaço no fim de maio deste ano, com o intuito de seguir novos caminhos profissionais.

A marca Gandaia, porém, surgiu bem antes, como produtora de eventos, e já movimentava a Cidade com festas no Órbita Bar e no Music Box Club, que também funcionavam no entorno do Dragão do Mar. Na época, o produtor cultural Victor Wesley já realizava projetos como Superafim, Fica Vai Ter Pop e Fica Vai Ter Funk, que mais tarde ajudariam a consolidar o nome da Gandaia.

“Quando a Gandaia Club veio [em 2020], foi naquele momento pós-pandemia, e a gente conseguiu fazer muitos shows em Fortaleza. Em menos de um ano, a gente fez muitos shows; tinha mês em que a gente fazia três, quatro shows”, conta Victor. Artistas como Urias, Pabllo Vittar, Wanessa, Lovefoxxx e Clarissa foram algumas das que ocuparam os line-ups da boate e da produtora de mesmo nome, além de funkeiras como Valeska Popozuda e MC Carol.

Festas temáticas de pop, como a Festa da Taylor e a Festa da Ariana Grande – que hoje ocorrem em diversas cidades do País, inclusive Fortaleza, de forma itinerante – também faziam sucesso com o público, que ia de jovens adultos a pessoas mais velhas, que preferiam artistas pop mais clássicos ou alternativos.

Mesmo com o fim do Gandaia Club, Victor acredita que o pop segue vivo na Capital, já que ainda há espaços que acreditam na força do gênero musical, como o The Lights Bar e a boate Level – onde o produtor realiza algumas de suas festas atualmente.

Para ele, o desafio é que Fortaleza é afeita a tendências e, quando uma casa de festas encerra, é difícil que outros produtores e empreendedores tentem ocupar aquele espaço; geralmente, o mercado de bares e eventos é efêmero, o que dificulta a ascensão de gêneros mais nichados.

“Mas eu acho que vai voltar a ser como era. O The Lights tá aí firme e forte, acho que a Level tem tudo para continuar firme e forte”, torce Victor. Até porque, para ele, eventos que privilegiam o pop não o fazem apenas para seguir tendências, tampouco pela nostalgia. Se trata, também, de identidade e pertencimento. “Sempre tem público para essas festas de artistas, porque sempre tem uma pessoa que quer ouvir o seu artista a noite toda, com seus amigos que também gostam”, pontua.

Atualmente trabalhando com produção de eventos em São Paulo, Victor tem vindo a Fortaleza com alguma frequência para realizar festas de pop – como as já famosas Fica Vai Ter Pop e Festa da Taylor, mas também novos projetos que resgatam a “missão” da Gandaia de manter a cena de eventos local dinâmica e diversa.

Uma novidade neste sentido é que a festa Gandaia na Praia – tradicionalmente realizada na véspera dos dois turnos das Eleições, em horário especial (das 16h às 0h) – irá retornar neste ano, na Praia do Futuro, em local ainda a confirmar. Uma festa nos moldes das realizadas no Gandaia Club também será realizada periodicamente na Budega do Raul, na Cidade dos Funcionários, para amenizar a saudade dos frequentadores da boate.

“A festa tem todos os DJs da Gandaia, sempre tem uma banda que tem a cara da Gandaia e coisas de decoração que remetem à nossa casa antiga”, conta. “Então, o nome Gandaia continua”.

Uma leitura sonora dos anos 80

Uma canção dramática, com sintetizadores pesados e um refrão pegajoso e impossível de ignorar. Assim é Voyage Voyage, hit lançado em 1989 pela cantora Desireless. A canção, que movimenta pistas de dança ao redor do mundo nas últimas décadas, também foi responsável por inspirar dois DJs de Fortaleza a criarem um projeto que funciona como uma espécie de viagem pela história recente do pop: a Voyage 80s.

Assim como Victor Wesley, os DJs Maarji e Estácio Facó – dupla à frente da festa – não acreditam na nostalgia pela nostalgia quando o assunto é música. Mesmo tocando há cinco anos um evento que homenageia a década de 80, eles rejeitam o rótulo de “festa temática” e destacam que não tocam qualquer coisa nos setlists.

A ideia, explica Estácio Facó, é fazer uma “leitura sonora dos anos 80”, unindo sucessos nacionais e internacionais e abrangendo outros aspectos do período, como a moda e o design. 

“A gente não toca Xuxa, Balão Mágico, essas coisas”, completa Maarji. E o público entende e acolhe. Desde a primeira edição, realizada na antiga sede do The Lights, no Benfica, o evento vem se consolidando como uma das festas mais queridas e democráticas da Capital.

“Temos um público bem diversificado, de quem viveu a década de 80 a quem conheceu ‘Sweet dreams (are made of this)’ no TikTok. A maior dificuldade tem sido alinhar a agenda com todos os convites”, celebra Estácio.

Com edições frequentes em vários espaços da Cidade, especialmente bares e equipamentos culturais, como a Estação das Artes, o projeto tem público fiel e costuma tocar hits de artistas pop “das antigas”, como Abba, Cyndi Lauper e Madonna, mas também clássicos da MPB e do rock oitentista, como Marina Lima, Depeche Mode e The Smiths, entre outros hits atemporais.

Acho que o público entendeu que é sim uma festa que tem esse elemento nostálgico das músicas da década de 80, mas as pessoas vão pelas músicas em si, pela sonoridade, pelas letras, não pela nostalgia pura e simples. Por isso é uma festa bem jovem, seja na faixa etária ou no espírito da pista."
Maarji
DJ e uma das idealizadoras da Voyage 80s

Entendendo a música pop como um espectro amplo e que segue tendo espaço – ainda que o consumo e a produção de música estejam em constante transformação –, Estácio e Maarji desviam dos desafios da cena e apostam na pulsante cultura DJ que renasceu na Cidade na última década para reacender o interesse pelo gênero musical.

    “O cenário de festas em Fortaleza em geral sempre foi muito difícil. É caro manter uma estrutura boa de som e de ambiente a um preço acessível”, explica Maarji. “Porém, o público tem sim aumentado a demanda de cultura dançante noturna, para além dos shows e música ao vivo”, completa.

As próximas edições da festa na Capital, aliás, já têm data certa: nesta sexta-feira (06), o duo de DJs toca no bar Lions, a partir das 22h. No dia 22, a Voyage será no bar Muá Tuá, na Aldeota, a partir das 16h. Já no dia 27, o setlist é no Cravo e Canela, no entorno do Mercado dos Pinhões, no Centro, a partir das 20h.

Serviço
The Lights Bar

Onde: Av. da Universidade, 2322 - Benfica
Quando: Sextas-feiras e sábados, das 22h às 4h
Mais informações: @thelightsbar

Bar Lions
Onde: Rua General Bezerril, 356 - Praça dos Leões - Centro
Mais informações: @barculturallions

Voyage 80s
Onde: Itinerante
Agenda e mais informações: @voyage80s