O que é ‘Gaslighting’, termo eleito como palavra do ano pelo dicionário Merriam-Webster

Título foi conquistado após aumento de 1.740% de buscas em comparação a 2021; geralmente, é associado a um tipo de violência psicológica, sobretudo a manipulação

Se não ouviu falar, agora não há como fugir. “Gaslighting” foi eleita a palavra do ano de 2022 pelo dicionário norte-americano Merriam-Webster. 

O título veio após aumento de 1.740% nas buscas pelo termo no site do dicionário, em comparação com o ano passado. Conforme a própria publicação, “gaslighting” significa “ato ou prática de enganar alguém grosseiramente, especialmente para [obter] vantagem pessoal”.

No Brasil, a expressão ganhou fama sobretudo em março deste ano devido ao Big Brother Brasil. Um dos participantes do reality, o ator Arthur Aguiar, foi apontado pelo público como alguém cujas atitudes realizavam uma forma de manipulação – apesar do discurso bem elaborado dele na dinâmica do Jogo da Discórdia, por exemplo. 

À época, o assunto ficou entre os mais comentados do Twitter, e agora, com o título concedido pelo Merriam-Webster, volta a ganhar repercussão. Mas, afinal, o que é Gaslighting? Existem indicadores dessa prática? É possível superá-la?

Estudo publicado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) explica que o termo pode ser compreendido como uma manipulação sistemática. E pode acontecer em diferentes contextos – do familiar e profissional ao acadêmico, clínico e religioso. 

Engloba também as mais variadas formas de vinculação afetiva, como entre namorados, mãe e filha, médico e paciente etc. Em suma, bastante abrangente. Trata-se de convencer a vítima de que ela está agindo de forma histérica em diferentes ocasiões ao longo de um tempo.

Ou seja, uma violência emocional realizada por meio de manipulação psicológica, na qual geralmente a mulher e todos ao redor começam a desconfiar de que ela enlouqueceu ou que é incapaz – haja vista o abusador ganha poder e controle sobre a vítima. 

Surgimento

O próprio site do Merriam-Webster recorda que o termo foi usado pela primeira vez em referência ao filme “Gaslight”, de 1944. Traduzido como “À meia luz” no Brasil, o longa mostra o relacionamento abusivo de um casal, no qual o marido manipula a esposa e a trata como louca.

Nesse contexto, a definição adotada para “Gaslighting” foi a seguinte: “Manipulação psicológica de uma pessoa geralmente durante um longo período de tempo que faz com que a vítima questione a validade dos próprios pensamentos, percepção da realidade ou memórias; normalmente, leva à confusão, perda de confiança e autoestima, incerteza do emocional ou da estabilidade mental, e uma dependência do perpetrador”.

No estudo desenvolvido pela UFRGS, é possível encontrar a descrição de alguns casos práticos da violência. Um exemplo bem ilustrativo ocorre em algumas discussões. Imagine uma discussão em que a pessoa está com muita certeza sobre determinado assunto e, em dado momento, o outro indivíduo com a qual ela está conversando traz elementos ou contesta a veracidade do conteúdo expresso por ela. 

Então, repentinamente, iniciam-se alguns questionamentos na mente da pessoa, tais como: “Será que o que estou falando é correto mesmo?”, “Será que estou exagerando?”, “Será que isso é coisa da minha cabeça?”. Isso é Gaslighting.

Outro momento é quando o indivíduo está em uma conversa, falando em um mesmo tom que o interlocutor, e este aponta o quanto a pessoa está alterada, histérica, nervosa. Na sequência, alega que “talvez seja melhor conversar depois”. Assim, o abusador costuma se colocar em posição de sujeito equilibrado e lúcido, e a vítima como “desequilibrada” e “perturbada”. 

Violência psicológica é crime

Conforme já sublinhado, grande parte das vítimas de Gaslighting são do gênero feminino. Logo, com o advento da Lei Nº 14.188/2021, juntamente com a cooperação do programa Sinal Vermelho, foi constituído que é considerada crime a violência psicológica contra a mulher, tendo como pena a reclusão de um a quatro anos.

No Brasil, a conduta – apesar de passível de indenização na esfera cível – só configura crime, na esfera penal, se revestir-se de determinadas circunstâncias adicionais. Por exemplo, a manipulação de uma pessoa pela outra, por si só, não configura crime. Contudo, se essa manipulação acontecer com a intenção de obter para si ou para outrem vantagem indevida, pode haver crime de estelionato, previsto no art. 171 do Código Penal.

Por sua vez, se a manipulação for feita com algum tipo de violência ou grave ameaça, pode haver o crime de constrangimento ilegal ou de extorsão, previstos nos arts. 146 e 158, respectivamente, do Código Penal. E se o autor manipula a vítima e terceiros para fazer com que ela pareça culpada de um crime que não cometeu, poderá responder pelo crime de calúnia, previsto no art. 138.