Não é segredo para ninguém. A pandemia do novo coronavírus mudou a forma de olhar para muitas coisas, especialmente para a relação com o consumo. É nítido um apelo ainda maior do delivery e da compra online, além do crescimento de um movimento de reflexão interna e de reorganização dos espaços de casa.
Especialistas apontam que a moda, um dos setores comerciais mais afetados com a crise por não se enquadrar no rol de serviços essenciais, também sofrerá mudanças, tais elas que perpassam por toda a cadeia produtiva.
Mas, será que essas mudanças serão pautadas na sustentabilidade, assim como se prega o movimento da contramão do consumo desenfreado? Será que a procura por insumos e produtos locais vai continuar? Será que a reflexão sobre o ‘menos é mais’ vai se tornar um hábito? São muitas dúvidas - não só para a moda – em uma época repleta de incertezas.
Pautadas nos dados históricos e nas transformações já em curso, especialistas projetam algumas tendências com relação ao consumo de moda. Para a professora do Curso de Design de Moda da Universidade de Fortaleza, Fernanda Moriconi, a preferência por bens duráveis e mais confortáveis é uma delas.
“As pessoas vão querer vestir roupas mais confortáveis. Hoje, já tem muito se falado sobre passar o dia de pijama ou arrumar-se para ficar em casa e fica mais evidente a questão do conforto. Eu acredito que as pessoas vão pensar que viver com mais comodidade seja melhor que a questão da aparência”, aponta.
O apelo por uma moda mais sustentável também será algo que pode ser visto a partir de agora, de acordo com a diretora criativa do Grupo Modapramim Renata Santiago. A designer aposta numa crescente discussão acerca do materialismo, do excesso de consumo e de práticas comerciais mais responsáveis.
“Já vínhamos exaustos de uma pressa sem fim e o nosso conceito de bem-estar foi redefinido, o consumo estará cada vez mais ligado ao desenvolvimento pessoal. Os novos hábitos devem girar em torno do localismo, da sustentabilidade e do autocuidado.”
Primeiro passo
A corrente minimalista, criada nos Estados Unidos, prega o desapego e um estilo de vida mais baseado no que é essencial. O tal do ‘menos é mais’ citado anteriormente. “Vamos nos voltar ao consumo de bens essenciais e que tragam narrativas verdadeiras e genuínas promovendo a nossa saúde, espero que as pessoas se conscientizem que o consumo precisa estar atrelado a um consumo sustentável e urgente”, projeta Renata.
Já para a professora Fernanda, a pandemia não será um divisor de águas quanto a essas transformações, mas que a reflexão será iniciada. Além disso, visualiza um futuro com uma maior procura por marcas que promovam ações sociais, a exemplo de campanhas de doações e de conscientização, que ficarão no imaginário coletivo e lembradas por essas atitudes.
Lorena Delfino, representante local do Movimento Fashion Revolution – um dos principais na questão da moda sustentável - , não acredita que a pandemia terá fôlego de provocar essas mudanças. “Estamos centrados em um sistema capitalista que incentiva o consumismo e o lucro a qualquer custo. Depois será estimulada a economia, apoiando o retorno das produções em grande escala e incentivando as pessoas a consumirem em maiores proporções”, visualiza.
Embora as projeções sejam positivas com relação à impacto e propósito, Fernanda levanta a questão para um nicho de consumidores que pode fazer o ‘revenge buying’, ou seja, a compra como um mecanismo compensatório após o isolamento.
“A moda está muito relacionada a psicologia e tem pessoas que para se satisfazer, precisam consumir, independente se necessitam daquilo ou não, então essas pessoas, dependendo de como enfrentaram o isolamento, precisarão de uma compensação.”
Manual x tecnologia
Atrelada a essa possível desaceleração do consumo, há uma ascensão de processos manuais como aponta a Diretora de Internacionalização do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo Carol Garcia. “A gente vai retomar alguns hábitos antigos dos nossos avós, bordar para passar o tempo, fazer crochê, uma série de coisas que no dia a dia não cabiam, mas vamos fazer caber. Tem muita gente fazendo aulas de macramê, de bordado, de tinturaria natural com flores do quintal”, exemplifica.
Outro ponto levantando por Carol é o maior conhecimento têxtil das pessoas. “Vamos ter um desenvolvimento muito grande de novos materiais, pois as pessoas vão começar a prestar mais atenção do que é feita a roupa. Pela primeira vez, as pessoas estão questionando sobre o algodão para fazer as próprias máscaras, estão descobrindo características técnicas sobre os tecidos que não sabiam antes, logo vão ter uma maior exigência”.
Ao mesmo em tempo em que se tem a valorização do manual, a tecnologia é a grande aliada do consumo neste momento. De acordo com Lorena, a compra por e-commerce pode se tornar um hábito e, cada vez mais pessoas podem aderir a essa modalidade, o que pode acarretar em um maior alcance da venda produtos para os pequenos empreendedores.
A estilista Renata acredita que é preciso ter processos de vendas fáceis e ágeis. “As redes sociais viram o novo atendimento ao cliente, o Instagram a nova vitrine e o WhatsApp o provador, ou seja, a reflexão principal é imaginar como trazer uma experiência física para o virtual em um contexto de unificação dos canais”, explica. Seja como for, uma coisa é certa: a experiência do consumo não será mais a mesma.