Dois meninos brincam sob o sol do Cariri cearense. São melhores amigos. Correm, pulam, conversam e, feito toda criança, gostam de imaginar. E se criassem um carro de som a partir de um carrinho comum, desses de brinquedo? Seria como os veículos Veraneio, entre as ruas anunciando novidades, comunicando ao povo o que precisa ser de conhecimento. A ideia, compartilhada em dupla, na verdade surgiu de um dos garotos: Camilo Santana.
Os pais, Eudoro e Ermengarda Santana, recordam da cena com alegria quase cinco décadas depois. Estava nítida a inclinação do pequeno para a vivência política, o contato com as pessoas e a vontade de fazer diferente. Elementos que, pouco a pouco, o tornaram referência no que toca a decisões cruciais para distintas realidades e consolidam a relevância de uma trajetória notável em entrega e dedicação.
Camilo Sobreira de Santana nasceu no município do Crato em 1968, período marcado pela ditadura militar. Na infância, testemunhou o pai – uma das mais relevantes figuras públicas do Ceará – ser preso por ir contra o regime. Segundo ele, essa imagem permanece até hoje e ajuda a explicar a vocação para melhorar o cotidiano das pessoas. “Aquilo mexeu muito com a gente, comigo e com os meus irmãos”, partilha.
“Além disso, sempre aprendemos que, nessa passagem pela vida, precisamos dar boas contribuições para construir um mundo melhor”. Princípio levado a sério desde a juventude, uma vez também ter visto os familiares atuarem como militantes no meio secundarista e universitário. Camilo iniciou a luta política no movimento estudantil como presidente do Centro Acadêmico de Agronomia e diretor do Diretório Central dos Estudantes (DCE).
À época, estudava na Universidade Federal do Ceará, onde concluiu a formação agrônoma. Na sequência, ingressou no mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela mesma instituição. Anos depois, já como servidor público federal concursado, ocupou, de 2003 a 2004, o cargo de superintendente do Ibama no Estado. Os passos, tão concretos, alicerçaram uma liderança atenta ao apelo popular.
Foi assim que em 2006 assumiu a Secretaria do Desenvolvimento Agrário do Ceará; venceu a eleição para deputado estadual em 2010 – tendo sido o mais votado; e, em 2012, se tornou secretário das Cidades do governo Cid Gomes. As eleições de 2014, por sua vez, representaram um marco na carreira, ao ser escolhido pelo Partido dos Trabalhadores para disputar o governo do Ceará. Ganhou com 53,35% dos votos. Um ciclo promissor.
Desafios de gestor
Tão promissor que não parou após os quatro anos de mandato. Diante de uma gestão na qual preceitos humanistas e desenvolvimento social sempre caminharam lado a lado, em 2018 foi reeleito no primeiro turno com quase 80% dos votos, maior porcentagem do Brasil. Um cearense para os cearenses, empenhado a não parar de buscar soluções para problemas por vezes históricos e outros que acenavam, com proeminência, no front.
Entre os desafios enfrentados como gestor máximo do Estado, esteve, por exemplo, a crise hídrica entre 2015 e 2016. Camilo recorda de receber uma sugestão para fazer racionamento de água em Fortaleza, algo que reprovou com veemência. “Naquele momento, disse que iríamos encontrar alternativas porque sei que o racionamento prejudica os mais pobres. Assim, fizemos reuso de água e trouxemos uma adutora para abastecer a Capital”.
Pautas relacionadas à educação e à infância também mereceram maior atenção sob sua regência. Foi assim com o programa de areninhas – equipamentos em formato de campo society com caprichosa estrutura, estreitando a prática esportiva e a vivência comunitária – e o programa Mais Infância, a partir da construção de creches e inauguração de brinquedo-praças.
O programa CNH Popular, com foco em oferecer carteira de habilitação gratuita para pessoas de baixa renda, foi outro destaque, bem como o programa do Raio, da Polícia Militar. Atendendo a critérios, a iniciativa levou segurança primeiro para municípios acima de 50 mil habitantes, depois acima de 30 mil, e, agora, acima de 20 mil. “A democracia é isso: a população escolhe os representantes, e, depois que você é eleito, precisa governar para todos”.
Ainda no primeiro mandato, os ecos da tensão econômica e política no Governo Federal – principalmente diante do afastamento da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016 – refletiram no Ceará, e o governador precisou lidar com questões ainda mais complicadas na segunda gestão. Entre elas, ataques e motim. Criminosos de facções criminosas atearam fogo em ônibus, depredaram prédios públicos e explodiram uma bomba embaixo de um viaduto.
A inteligência da segurança pública do Estado identificou que tudo era patrocinado por chefes de organizações dentro de presídios cearenses, descontentes com a chegada do secretário da Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque. Ainda que os criminosos exigissem a demissão do secretário, Camilo não atendeu aos pedidos e reprimiu os ataques com diversas prisões, envio dos chefes a presídios federais e fortalecimento nas unidades.
Uma herança desse período é o Presídio de Segurança Máxima do Estado – o primeiro desse tipo das regiões Norte e Nordeste. “Tomei a decisão de enfrentar isso com muita coragem”, sublinha, relembrando também o motim de policiais e bombeiros militares, que cruzaram os braços por 13 dias no início de 2020. Mais uma vez, o compromisso do político com a sociedade se sobressaiu, punindo os responsáveis e controlando o caos.
Pandemia exigiu ação
O maior desafio em todos esses anos de atuação pública, porém, foi mesmo a pandemia de Covid-19, a partir de março de 2020. Ali Camilo precisou lidar com os próprios temores para enfrentar algo até então misterioso e que amedrontava não apenas o Ceará, mas o planeta. “A intenção era proteger as pessoas. Era uma coisa muito desconhecida, ninguém sabia das consequências, o que poderia acontecer”.
Sob os escombros de um panorama que se esfacelava com velocidade espantosa, precisou agir. O gestor decretou duas vezes lockdown – em que funcionaram no Estado apenas os serviços essenciais à população, a exemplo de supermercados, hospitais e farmácias; leitos de atenção para pacientes com o vírus foram implantados no interior do Estado; e o Hospital Leonardo da Vinci foi comprado para suprir a necessidade de pacientes.
“Fizemos um esforço enorme para criar UTIs. Comprei três hospitais nesse período. Mal conseguia dormir imaginando o que poderia acontecer no dia seguinte porque se tratava de vidas – e, principalmente, por ter um Governo Federal contra a ciência e que negava a vacina. Assim, precisava tomar decisões importantes, muitas vezes sem ter apoio”. A saída foi buscar resoluções contundentes para driblar os obstáculos.
Foi como surgiu a proposta de realizar lives em redes sociais, a fim de atualizar os cearenses sobre os decretos de combate à pandemia. As decisões mudavam semanalmente de acordo com índices da crise sanitária tabulados por um comitê estadual de enfrentamento, criado desde a chegada do vírus ao Brasil. “Gosto muito de me comunicar com as pessoas, de ouvir. Então abrimos espaço para escutar todo o Ceará, já que a população é o principal termômetro para uma gestão. É quem está na rua que diz o que pode ser melhorado”.
Passado o instante mais crítico, mediante o desenvolvimento de imunizantes contra a Covid-19, o governador foi entusiasta da vacinação, tentando inclusive comprar vacinas produzidas pela Rússia junto ao Consórcio Nordeste – grupo formado por governadores da região. O esforço gerou frutos: concluiu o mandato com índices pandêmicos estáveis, tanto em casos quanto em óbitos, e com mais de 78% da população imunizada com duas doses.
“Essa foi uma experiência muito positiva, e durante anos virou modelo para outros governadores. Por sinal, antes disso, já tinha sido o único governador a visitar todos os municípios do Ceará, ainda durante meu primeiro mandato. Recebia todos os prefeitos, ouvia as lideranças, mas ainda faltava criar um mecanismo direto com a população. Ali aconteceu”.
A cada complicação ou conquista, ele detalha, a voz do pai ressoa baixinho: “No mundo, existem os espectadores e os construtores. Aqueles que assistem à vida e aqueles que necessariamente a constroem – e isso não é só na política. É preciso contribuir para melhorar o mundo, principalmente esse tão desigual em que vivemos”.
Missão de aprender e educar
Agora é outra jornada. Após ser eleito senador pelo PT do Ceará nas eleições de 2022, Camilo assumiu o cargo de Ministro da Educação em 2023, fruto do convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Conquista honrosa, reflexo dos caminhos pavimentados na área quando o foco ainda era apenas o Ceará.
Professor, deixou uma marca indelével no Estado em diversos níveis de aprendizagem. A gestão de Santana conquistou a maior evolução da história, conforme registrado pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em 2020, fazendo com que 9 das 10 melhores escolas do Brasil fossem cearenses. No Ensino Médio, a colocação subiu da 12ª para a 4ª em todo o País. “É a área mais importante de um país, a educação”.
Não à toa, o cargo o coloca diante de maiores responsabilidades. “Aceitei o desafio, mas não imaginava chegar no Ministério e encontrá-lo tão desmontado. Para se ter uma ideia, durante a pandemia, não houve uma ação do Ministério para os Estados e municípios. Desmontaram equipes, programas, informações. Havia um viés ideológico para sucatear as universidades”.
Assim, além de dar solidez à pasta, Camilo quer aprimorar o programa de alimentação escolar; recompor os orçamentos das universidades e Institutos Federais; reconstruir o Fórum Nacional de Educação; e abrir o diálogo do Ministério para ouvir entidades. “Lançar novas políticas também, claro. Um compromisso principalmente com a alfabetização – foi por isso que o Ceará se destacou e por esse motivo fui convidado para o Ministério”.
Outra bandeira é o programa Escola em Tempo Integral – visando investir R$4 bilhões por ano –; a política de conectividade, na qual todas as escolas públicas devem estar conectadas até o final de 2026, com fins pedagógicos e alta velocidade de banda larga; e Bolsa Poupança para alunos do Ensino Médio, evitando a evasão escolar.
“Estamos construindo. Claro que com desafios orçamentários – uma vez que houve muitos cortes no Ministério – mas estamos empolgados, até porque o presidente Lula tem dado muito apoio e colocado a educação como prioridade, como sempre fizemos”.
Nó no lençol e os laços da vida
Tudo isso não teria o mesmo sentido nem se realizaria com tanto vigor se Camilo não estivesse amparado por colo quente e aconchego irrestrito. O amor iniciado com os pais se estendeu até os irmãos – ele tem três, sendo o caçula – e frutificou em várias amizades, além da formação de uma nova família. O político é casado com Onélia Leite Santana, psicopedagoga e Secretária da Proteção Social, com quem tem três filhos: Pedro, Luísa e José.
Os dois se conheceram quando Camilo, ainda trabalhando no Ibama, foi palestrar na Universidade Regional do Cariri durante um evento. Onélia também estava lá. “Acabei me engraçando com ela”, ri. “Depois descobri quem era por meio de amigos e conhecidos, nos encontramos e, desde ali, ela tem sido um presente maravilhoso na minha vida”.
A parceria, de fato, fez ambos evoluírem em vários sentidos – um apoiando o outro, onde quer que estivessem e independentemente do cargo. Hoje, por exemplo, devido à atuação do ministro no Distrito Federal e de Onélia no Ceará, a união se divide entre Fortaleza e Brasília, mas não atenua a afeição. Os filhos também sentem isso ao recordarem gestos bonitos do pai.
“Nos momentos em que ele precisou trabalhar mais, chegando tarde em casa, tinha uma coisa só nossa: o nó no lençol. Quando ele chegava, para dizer que tinha passado lá na cama e nos dado um beijo e um abraço, dava esse nó. Então todo dia, de manhã, a gente ficava procurando as pontas do lençol para saber se ele tinha passado”, conta a filha, Luísa.
No plano mais pessoal, Camilo Santana se diz uma pessoa tímida e apreciadora de uma vida discreta. Ama a cultura do lugar onde nasceu, trazendo peças decorativas inclusive para dentro de casa. Também gosta de praticar esportes – joga futebol com amigos, e já praticou natação, vôlei e basquete – e ainda quer aprender kitesurf. “Sou muito feliz e tenho procurado agradecer sempre a Deus e à minha família pelas oportunidades”.
Sereia de Ouro
Foi com surpresa que o ministro recebeu a notícia de que seria agraciado com o Troféu Sereia de Ouro. “Para mim, essa talvez seja a maior homenagem que um cidadão ou uma cidadã pode receber aqui no Estado. Nunca imaginei chegar onde cheguei, mas sempre procurei me dedicar e corresponder com muita energia. O prêmio aumenta nossa responsabilidade”.
Logo, define a honraria como uma distinção singular no que diz respeito ao reconhecimento de um trabalho e da contribuição dele e de tantos ao Ceará. “É algo que vai ficar na minha história, para os meus filhos, netos… O que vale nesse mundo é o que a gente deixa como contribuição para as pessoas. Esse é o principal valor de passar pela vida pública”.
A Comenda
Criado em 1971 pelo chanceler Edson Queiroz e dona Yolanda Queiroz, o Troféu Sereia de Ouro é uma das mais tradicionais comendas do Ceará. Procura homenagear personalidades que se destacaram em diferentes setores de atuação, contribuindo para o desenvolvimento do Estado.
É concedido anualmente pelo Sistema Verdes Mares, integrante do Grupo Edson Queiroz, em solenidade realizada no Theatro José de Alencar. A honraria já foi entregue a centenas de nomes, brilhantes em atividades públicas e privadas, e que seguem inspirando gerações.