Leituras coletivas de poesia conferem novo fôlego ao gênero em Fortaleza

Clube "Bandileitores" e saraus são exemplos de iniciativas que movimentam o interesse pela produção e consumo de poesia na cidade

No último dia 12 de janeiro, o escritor paulista Tarso de Melo lançou uma provocação em seu perfil nas redes sociais: "Quais poetas e iniciativas ligadas à poesia do seu Estado, depois dos anos 2000, você destacaria?".

O retorno foi vigoroso. Pessoas de diferentes regiões brasileiras se manifestaram com o intuito de colaborar com a pesquisa, montando uma potente amostra do que compõe o rosto poético contemporâneo do Brasil.

"É uma ideia volumosa que está ganhando forma a partir de experiências que realizei nos últimos anos", explica o artista. "E há, principalmente, um desejo de conhecer mais profundamente e refletir com outros poetas e pesquisadores sobre o que aconteceu/acontece com a poesia brasileira no vasto território nacional".

O projeto, segundo ele, não envolve apenas localizar autoras e autores. O foco é também descobrir, em toda a nação, o que foi feito no início do novo século para incentivar a produção poética.

"Estou com o cuidado de procurar pessoas que me ajudem a ter a melhor amostragem possível das experiências relacionadas à poesia nesse período, para, depois, fomentar o debate e divulgar em conjunto essas 'descobertas'", reitera.

O que futuramente pode se tornar um robusto compêndio da literatura no segmento recebe apoio por parte do Verso nesta edição. A partir da motivação de Tarso, embora não apenas - levando em conta também a observação do presente reavivamento, por exemplo, da prática dos saraus e, principalmente, de clubes de leitura - elencamos algumas iniciativas em Fortaleza que dialogam com a circulação de rimas pela cidade.

Valorização

Idealizado por Cavalcante Júnior, professor do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Ceará (ICA-UFC), o "Bandileitores" atua na cena local desde maio de 2017.

Considerado por seu criador como o único clube de leitura na Capital dedicado exclusivamente aos poemas publicados em livros, o grupo se encontra no Roquen'derrou Café & Pub, localizado no Salinas Casa Shopping, na segunda segunda-feira de cada mês.

Atualmente reunindo de dez a 15 pessoas de diferentes idades e ocupações, a iniciativa já imergiu em obras de relevantes figuras da poesia nacional, funcionando da seguinte forma: cada participante leva um livro de seus poetas escolhidos, fazendo a turma partilhar uma diversidade de autoras e autores a cada edição.

"É interessante constatar que vários que já passaram pelo Bandileitores foram ao encontro mensal para conhecer o gênero poema, muitas vezes distante para eles. O clube torna-se, assim, um espaço de educação literária também", afirma Cavalcante.

O feito é reiterado na fala da psicóloga, artista e projetista Carolina Teles, que frequenta o grupo desde que o conheceu, pelas redes sociais. Para ela, fica forte o sentimento de compartilhar vivências através da leitura.

"Estar com pessoas com o mesmo interesse é comovedor. O mágico acontece em nossos encontros porque a arte nos permite ir além. É um espaço do saber artesanal, onde construímos conhecimento sensível", 

Acontecendo ao ar livre, sob as árvores na calçada do café, os encontros do "Bandileitores" resistem diante de uma inquietação.

"A valorização da poesia como gênero literário é pequena nos clubes de leitura de Fortaleza, de modo semelhante ao pequeno espaço que esse gênero encontra nas editoras e livrarias. A poesia impressa ainda é a prima pobre dos gêneros literários na visão dos editores", observa Cavalcante Júnior.

Expressões

Por outro lado, segundo ele, a poesia oral é bastante difundida nos saraus em diversos bairros da cidade, empolgando uma juventude sedenta de expressão de ideias por intermédio do poema falado.

Feito a Okupação!, que desde outubro de 2016 fortalece a leitura por meio da poesia no bairro Antônio Bezerra.

Conforme Baticum Proletário, idealizador do projeto, o sarau se diferencia por se guiar a partir de princípios autônomos, de consenso, ajuda mútua e autogestão. "Tudo é realizado na rua e temos a Biblioteca Comunitária Okupação e a minha residência como apoio. Quase sempre acontecem oficinas e temos livros e mudas de plantas à disposição para as pessoas presentes", conta.

Em toda edição, é realizada uma homenagem a alguma pessoa do círculo como forma de demonstrar a importância daquela presença ali.

"Toda Periferia É Um Centro! Realizar o sarau vem da vontade, da necessidade, da luta, do desejo, da vida de cada um. Aqui tudo é nós por nós, é prática coletiva, são ideias, sonhos que realizamos juntos e temos o prazer de tornar realidade".

Vontade

O Sarau Bate Palmas, realizado no Conjunto Palmeiras, é outro bom exemplo de tantas iniciativas no formato espalhadas pela cidade que elegem a poesia como modo de sobrevivência.

"A arte tem esse poder de ultrapassar barreiras, quebrar preconceitos, dar luz à beleza e também forma de ir contra aquilo que nos oprime. É uma força que alimenta a alma e dá sentido à vida", descreve Elane Fideles, arte-educadora e uma das realizadoras do sarau.

Surgida há cinco anos, a iniciativa acontece geralmente no primeiro sábado de cada mês na Casa de Arte Bate Palmas e tem como foco principal a música, não deixando faltar, contudo, poesia, microfone aberto e performances de várias ordens.

Em meio à festa, discussões e reflexões sobre a realidade são incentivadas, tornando-se gatilho para entrever sonhos e perspectivas.

Na ótica de Elane, "vejo encanto nos diálogos, na construção de novos olhares sobre a realidade, nas possibilidades de mudanças, na lembrança que fica. O bonito é ver todo mundo, especialmente a juventude, lendo, escrevendo, reinventando e construindo pontes para outras gerações através de práticas que humanizam e transformam".

 

Veja letra de poesia/música escrita por um das integrantes do Sarau Bate Palmas, cantor, compositor, cordelista e quem deu início à Cia. BatePalmas

SARAU É SAL
Autoria: Parahyba de Medeiros

A periferia é quem mais pede paz
Mas a violência é só o que sai nos jornais
Daqueles que ouviram os tiros letais
Somente as mães não esquecem jamais

Eu digo que existem também os poetas
E as poetisas que dormem em modo de alerta
Porque são poemas janelas abertas

Sal sarau é sal sarau – sal sarau é sal

Sal do suor, sal das lágrimas
Da correnteza dos dias
Sal de teus corpos molhados
Amantes da noite fria
Sal das águas! Sal da terra!
Sal do sarau - poesia  

Alquimista das palavras
Teu verso filosofal
É base de assentamento
Na construção dos saraus
Mundo insosso toma gosto
Em versos pedras-de-sal

Sal sarau é sal sarau – sal sarau é sal

 

Veja saraus realizados em Fortaleza elencados pela poeta Nina Rizzi

- Sarau da B1

Onde: Na Pracinha da B1- Conjunto São Cristóvão/Jangurussu

Quando: Todo último sábado do mês

Contato: Facebook Sarau da B1

- Sarau da Filó

Onde: Bosque do Seu Zé, comunidade Santa Filomena, Jangurussu

Quando: Bimestralmente a cada segundo sábado

Contato: Facebook Sarau da Filomena

- Sarau Ocupaixão

Onde: Pista de skate do condomínio 3 da Cidade Jardim 1, José Walter

Quando: Todo terceiro sábado do mês

Contato: Facebook Sarau Ocupaixão

- Sarau Okupação!

Onde: Rua do Amor - Antônio Bezerra

Quando: Toda segunda sexta-feira do mês

Contato: Facebook Okupação Okupação

- Sarau Bate Palmas

Onde: Casa de Arte Bate Palmas, Conjunto Palmeiras

Quando: Todo primeiro sábado do mês

Contato: Facebook Sarau Bate Palmas

- Sarau Viva a Palavra

Onde: Na Praça da Cruz Grande e Associação dos moradores (Serrinha) e na UECE

Quando: Sem período regular, conforme demanda da comunidade e da UECE

Contato: Facebook Viva a Palavra

- Sarau Urbano

Onde: Praça do Ferreira e Poço da Draga

Quando: Todas as quintas-feiras, a partir das 16h

Contato: Instagram Pluralibike

- Sarau do Papoco

Onde: Rua Piauí 1366, nº 387, Parque Universitário

Quando: Próxima edição até abril

Contato: Facebook e Instagram Biblioteca Comunitária Papoco de ideias

- O Corpo Sem Órgãos - Sarau Rizoma

Onde: Casa Arcadiana ou em praça pública, no Conjunto Ceará

Quando: Toda última sexta-feira do mês

Contato: Facebook O corpo sem órgãos