Grupos de teatro cearenses investem em espetáculos virtuais para o público infantil

Na tentativa de se reinventar durante o período de isolamento social, artistas utilizam plataformas digitais, filtros personalizados e ensaios a distância para se manterem ativos

Vida é uma travessia, na qual passamos por dificuldades, encontramos algumas felicidades e selecionamos caminhos a trilhar. Essa é a mensagem transmitida em "A Flauta Mágica", último espetáculo apresentado pelo Grupo Mirante de Teatro da Universidade de Fortaleza antes do período de isolamento social, e que também reflete os desafios atuais.

Em um período tão delicado, grupos de teatro cearenses escolhem seguir o percurso que mais importa nesse momento: manter a arte pulsando, independentemente dos formatos. Na tentativa de se reinventar, eles apostam em peças virtuais, uso de filtros digitais e novas abordagens dramatúrgicas para atender a um público fiel, porém exigente: o infantil.

Um dos mais tradicionais da cidade, o Grupo Mirante de Teatro deu início às suas atividades a distância logo no dia seguinte ao pronunciamento das medidas de distanciamento, ainda em março. O coletivo percebeu que, para acessar as crianças nestes novos termos, o uso das plataformas digitais seria essencial no processo de contato com a família, que "é quem detém a mídia social", como afirma a diretora Hertenha Glauce.

Foi, então, por meio do Youtube que a Mostra Repertório se fez presente, buscando resgatar a experiência do teatro convencional com a exibição de espetáculos anteriores, como "Pequena Sereia" e "As aventuras de Dom Quixote". "Vimos o que já tínhamos de material gravado e começamos a veicular, a cada sábado de julho, um espetáculo diferente. Fizemos nesse formato para criar uma repercussão, para que as pessoas preparassem sua pipoca e sentassem em frente à TV", explica.

A decisão de manter-se ativo vem do desejo de estar não só com o público, impossibilitado de consumir produtos culturais presencialmente, mas também enquanto grupo. Para isso, o Mirante de Teatro também tem ensaiado uma nova peça, "Peter Pan", com estreia prevista para janeiro do próximo ano.

Adaptação

Capturar a atenção estrita de uma criança não é tarefa fácil, ainda mais quando todas as interações feitas com o mundo de fora são mediadas por uma tela. Com o intuito de descobrir um fazer teatral que continuasse atrativo para os pequenos, o Grupo Pavilhão da Magnólia decidiu investigar a fundo os meios disponíveis.

As experiências se deram principalmente por meio de transmissões ao vivo no Instagram. Já os elementos lúdicos, fontes de aprendizagem e desenvolvimento, foram transpostos através de filtros digitais.

Nas apresentações, os seis integrantes do coletivo se revezam na tela, criando uma nova dinâmica para "Chapeuzinho Vermelho", adaptação conjunta com a Companhia Prisma de Artes, e "Ogroleto", espetáculo apresentado desde 2015 pelo grupo. Localizada no universo escolar, a peça "Napoleão" também foi repensada para o virtual, com a plataforma Zoom. De forma a gerar reconhecimento nas crianças e nos familiares, os personagens compartilham as experiências das aulas online.

Entretanto, para Nelson Albuquerque, ator e diretor da companhia, a grande diferença é o retorno e a necessidade da mediação. "É tudo muito frio. Temos o mesmo frio na barriga de fazer ao vivo, toda essa tensão efêmera que o teatro proporciona, mas não temos o olhinho ali na plateia, essa reação imediata do palco".

Além de adaptar texto e atuação para a nova linguagem, os atores precisam ainda desempenhar funções técnicas, como operação de luz e som, escolhas de figurinos e montagem de cenários. "Essa é a maneira da gente continuar trabalhando, continuar existindo neste momento de crise. A partir do momento que pudermos escolher isso como uma possibilidade de entretenimento, como uma ferramenta de educação e cultura, teremos um olhar mais tranquilo e não emergencial", completa.

Acesso

O sentimento é compartilhado por Neide Oliveira, atriz e diretora do Grupo Avia de Teatro. Diante da necessidade, o coletivo tem descoberto novas habilidades com a tecnologia. "Estamos aprendendo coisas de cinema, inclusive. São áreas parecidas, mas também bem distintas. No cinema, você não tem exagero de expressões. Já no teatro, é característico. Então, os atores têm que se adaptar e se conter um pouco", conta.

Com o espetáculo "Aurora", cuja adaptação estreia ainda neste mês de agosto no You Tube, os artistas têm aprendido com a sabedoria da própria protagonista que, nascida do encontro do Sol com a Lua, leva luz por todos os cantos e ensina a enxergar o lado bom das coisas.

"A parte boa é que, indo para o virtual, vamos aumentar a gama de acessibilidade, o que é sempre muito difícil em grupos pequenos", aponta.