Corpo não é somente invólucro biológico. Corpo é estrutura móvel, cigana, pensante e ativa. É também relicário de memórias e, quando verseja em movimento, faz-se poesia, conexão. E rompimento. Corpo, enfim, é a incerteza e inquietude de ser.
Quando fala dessa matéria-abrigo em que se encontra, Raisa Christina ainda acrescenta mais uma camada. Diz ser ele igualmente recanto do desejo de transcender à história de renúncia da mãe, das tias e avós.
“Gosto de pensar nelas, lembrar fatos de suas vidas, escutar suas memórias, nas quais vez ou outra consigo pescar um grão delas mesmas, que ainda pouco se mostram. Isso me recobra as forças, me traz o agora muito mais consciente da liberdade de cada um dos meus gestos”, situa.
E desses pequenos grandes acenos em direção à consciência de si não somente ela é feita. Há outras tantas mulheres na conta. Tem também, por exemplo, Juliana Diniz e Tainah Picanço que, aliadas a Raisa, protagonizam a exposição “Um Corpo Sopro no Ar”, com abertura marcada para esta quarta-feira (10), na Galeria Mariana Furlani Arte Contemporânea.
Trata-se de uma mostra que evoca a liberdade feminina a partir da confluência de movimentos e linguagens. Não à toa, vale-se do ofício das três mulheres para apresentar os trabalhos, cujo panorama transita entre desenho, pintura, fotografia, dança e literatura.
Idealizadora da mostra, Juliana – bailarina, escritora e professora – sublinha que as peças guardam uma metáfora sobre o movimento, a graça em valsa de ser livre.
“O objetivo foi pensar no potencial plástico e poético de uma dança entre linguagens artísticas, de modo que por toda a exposição a presença de cada uma se mostrasse de forma sutil, em companhia das outras. Um processo permeado de afetos e conversas. Foi prazeroso perceber que comungamos muito”, frisa Juliana.
A quem se permitir ingressar nesse baile plural, o resultado é intenso, ao passo que leve: telas a óleo, séries de aquarelas e fotografias e imagens impressas em lonas (da série “Deslizar para fora”, feita especialmente para celebrar esse momento) evidenciam que a mostra é afirmação de voz e existência.
“A arte é um canal muito potente para demarcar uma presença pública em um tempo histórico. Temos consciência disso”, reitera Diniz.
Dimensões
Tainah Picanço, com as 16 fotografias que realizou para a exposição – três com intervenção de pintura a óleo feita por Raisa – demarca ainda que o que chega ao público é também compromisso com rupturas.
“Historicamente, o corpo da mulher é patrimônio masculino, um corpo que não é dono de si, em que o homem escolhe a roupa, o desejo e a destinação. Hoje, buscamos quebrar esse padrão. Buscamos a libertação dos corpos e desejos femininos. Que a socialização da mulher seja reconstruída pensando em sua liberdade”.
A união, no fim das contas, facilita essa busca. “Afinal, é mais difícil deter uma multidão de mulheres à apenas uma”, enfatiza. De fato: de braços dados, nas cirandas em curso, com os afetos em rodopio, há luz e libertação. Um modo de ser no mundo.
“Que a mostra revire as pessoas por dentro como fez com a gente. Que cada um que passe por lá dance conosco, sinta a força e a energia das palavras, da tinta, da luz e do movimento. Que levem duas coisas no pensamento: a arte e a ideia de junção”.
Serviço
Exposição “Um Corpo Sopro no Ar”
Abertura nesta quarta-feira (11), às 19h, na Galeria Mariana Furlani Arte Contemporânea (Rua Canuto de Aguiar, 1401, Meireles). Período de visitação: 30 dias. Entrada franca. Contato: (85) 3242-2024